Valéria Cabrera *
No final de julho, nova pesquisa Datafolha mostrou que 79% dos brasileiros confiam nas urnas eleitorais: 47% confiam muito, 32% confiam um pouco e 20% desconfiam. Os resultados foram recebidos com otimismo, na medida em que as alternativas representativas de algum nível de confiança foram majoritárias frente à desconfiança.
No entanto, pesquisas de opinião pública ligadas a instituições brasileiras e estrangeiras, que têm monitorado a percepção do brasileiro sobre as instituições eleitorais há algum tempo, indicam que os resultados devem ser lidos com mais cautela quando o tema é a confiança na Justiça Eleitoral.
Dados do Latinobarómetro, consórcio de pesquisa chileno que possibilita o acesso a uma análise em série sobre a confiança na instituição, mostram que apenas entre 2006 e 2010 a visão positiva quanto à confiabilidade da Justiça Eleitoral predominou entre os brasileiros. O Instituto acompanha o tema desde 2006 em diversos países da América Latina e os dados mais recentes são de 2020.
Gráfico 1 – Confiança na Justiça Eleitoral em série temporal (%)
Fonte: Latinobarómetro (2006, 2007, 2010, 2015, 2016, 2017, 2018, 2020).
Ao perguntar sobre o nível de confiança na Justiça Eleitoral, o Latinobarómetro ofereceu quatro opções de resposta: muita confiança, alguma confiança, pouca confiança e nenhuma confiança. Os resultados mostram que as categorias intermediárias de resposta – alguma confiança e pouca confiança – foram predominantes entre os brasileiros no período analisado. Entretanto, enquanto os patamares de alguma confiança entraram em queda a partir de 2010 (nesse caso, é preciso ter cautela, pois há uma lacuna temporal de 5 anos até a próxima rodada de pesquisa) os níveis de pouca confiança subiram, mantendo certa estabilidade até 2020.
Já os índices de nenhuma confiança estiveram estáveis até 2015, mas entraram em ascensão, atingindo o ápice de 41,6% das respostas em 2017. A elevação acentuada do patamar, contudo, pode ser considerada condizente com o cenário político daquele momento, de forte descrédito institucional. Após esse período, tem-se verificado o retorno gradativo dos níveis de nenhuma confiança à casa dos 20% (alcançou 25,6% em 2020). Dados atualizados da pesquisa “A Cara da Democracia”, conduzida pelo Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação (INCT IDDC), mostram resultado ligeiramente mais elevado em 2022, quando 29,9% dos brasileiros disseram ter nenhuma confiança na Justiça Eleitoral.
Em uma interpretação otimista, as respostas intermediárias somadas foram sempre majoritárias, indicando o predomínio da confiança em algum nível. No entanto, é importante pontuar que, pela construção escalar das alternativas de resposta, a opção “alguma confiança” tem conotação mais positiva em relação à “pouca confiança”. Ao reunir-se as duas primeiras alternativas, indicativas de níveis mais elevados de confiança, e as duas últimas, que assinalam índices mais baixos ou inexistentes, vê-se que apenas em 2006 e 2010 a visão positiva da Justiça Eleitoral predominou entre os brasileiros.
Gráfico 2 – Confiança na Justiça Eleitoral em série temporal com dados agregados (%)
Fonte: Latinobarômetro (2006, 2007, 2010, 2015, 2016, 2017, 2018, 2020).
Desde 2018, no entanto, os níveis de muita e alguma confiança agregados voltaram a subir. Da mesma forma, os patamares de pouca ou nenhuma confiança somados decresceram. Nesse contexto, a pesquisa “A Cara da Democracia” oferece certo alento ao indicar que a visão positiva sobre a confiabilidade da Justiça Eleitoral manteve-se em alta em 2022. Neste ano, os patamares agregados de muita e alguma confiança alcançaram 55,8%, enquanto os níveis de pouca e nenhuma confiança, 43,6%. É possível que o esforço da Justiça Eleitoral em demonstrar sua importância nos últimos anos, diante dos frequentes ataques do presidente Jair Bolsonaro, tenha impactado nesse resultado.
Com efeito, a democracia representativa brasileira tem convivido com a desconfiança em instituições democráticas desde a redemocratização, nos anos 1980, despertando a atenção dos analistas para os efeitos desse fenômeno sobre a estabilidade do regime político. Apesar da frequência de patamares elevados de pouca e nenhuma confiança nos últimos anos, a confiança na Justiça Eleitoral é, ainda, uma das mais estáveis em relação a outras instituições democráticas. Por exemplo, na mesma pesquisa “A Cara da Democracia”, de 2022, 53,3% dos respondentes disseram não confiar nos partidos políticos. O resultado ultrapassa 80% quando o nível de pouca confiança é somado.
Esses resultados orientam para duas conclusões principais. Primeiro, mantendo-se a cautela necessária, os níveis de pouca e nenhuma confiança na Justiça Eleitoral são historicamente altos no Brasil, exigindo atenção quanto ao seu impacto sobre fatores associados ao funcionamento do sistema político no país. Segundo, para manter-se algum otimismo, é importante destacar que, embora altos, são razoavelmente estáveis e mais baixos em relação a outras instituições democráticas brasileiras.
* Pós-doutoranda no Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP) da Unicamp.