Monalisa Torres *
Luciana Santana **
Ciro Gomes tem endurecido suas críticas ao PT e a Lula, forçando ao limite a aliança entre PDT e PT no Ceará, seu estado natal. Uma série de fatores levou a isso, desde a pré-candidatura de Ciro às eleições de 2022, passando pela retomada dos direitos políticos de Lula, que voltou ao jogo como um dos favoritos à corrida presidencial, e a disputa pelos votos do campo progressista.
Em entrevista à rádio Jangadeiro BandNews, em maio deste ano, Ciro não poupou aliados no estado. Afirmou que a manutenção da aliança PDT-PT estaria comprometida caso houvesse “negócio de conchavo, de picaretagem”. Criticou nominalmente a deputada federal Luizianne Lins (PT) e o ex-senador Eunício Oliveira (MDB) e complementou: “porque não vou me submeter a um lado corrupto do PT que também existe no Ceará”.
A declaração gerou reação do diretório estadual do PT que lançou nota dizendo: “São ataques levianos e oportunistas. Levianos por assacar insinuações descabidas; oportunistas por tentar apresentar vários PT para ao final desviar-se de enfrentar o posicionamento do ex-governador Camilo Santana (PT) que assim como o Partido dos Trabalhadores, sempre defendeu a manutenção da aliança atual que governa o estado do Ceará, com uma candidatura de consenso capaz de unificar todas as forças políticas e partidos que apoiam o projeto em curso no nosso estado”.
A escolha do sucessor de Camilo
Desde 1998, esta é a primeira eleição em que Ciro aparece em terceiro colocado nas sondagens de intenção de voto no seu próprio estado. A novidade colocou pressão na escolha do sucessor de Camilo Santana. Pelo acordo, o PDT indicaria cabeça de chapa e apoiaria a candidatura de Camilo Santana ao Senado Federal. Dentre os nomes pedetistas, dois se notabilizaram na disputa: o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, e a atual governadora Izolda Cela. A escolha por um dos pré-candidatos selaria o destino da aliança PDT-PT.
Roberto Cláudio, apesar de quadro qualificado e com boa avaliação de governo, tem forte rejeição de lideranças importantes da base governista, sobretudo dentro do PT, mas também em parte do MDB. Já Izolda Cela, embora seja a governadora em exercício, ainda não é bem conhecida do eleitorado cearense, mas poderia representar a repetição de um palanque híbrido no estado.
Por um lado, aliados de Ciro Gomes demonstravam predileção por Roberto Cláudio, mais alinhado ao primogênito do clã Ferreira Gomes e, portanto, a certeza de um palanque puramente cirista no Ceará. Por outro, aliados como Camilo Santana e Eunício Oliveira (MDB) defendiam a indicação de um “nome de consenso”, que reorganizasse a base e reforçasse a aliança, ou seja, apostando no nome da governadora Izolda Cela.
Quando a decisão foi levada ao diretório estadual, a indicação de Roberto Cláudio foi definida como a candidatura ao governo representando o PDT.
Aqui vale destacar uma ausência que se fez sentir na articulação e apreciação da escolha: a do senador Cid Gomes, principal articulador do grupo. Cid notabilizou-se pela habilidade de costurar acordos e acomodar aliados. O silêncio do ex-governador foi motivo de questionamento por parte de diferentes lideranças do grupo. Dias antes da escolha do candidato pedetista, Ivo Gomes, prefeito de Sobral, afirmou sua preferência pela indicação de Izolda Cela e disse que o irmão Cid compartilhava a mesma opinião.
Mas Cid não apareceu e sem ele conduzindo o processo, Ciro ocupou espaço e forçou atritos com aliados. Provavelmente, sem Cid Gomes a aliança estadual do grupo Ferreira Gomes com PT e MDB jamais teria se sustentado.
Um palanque para Lula no Ceará?
Alijado de opinar sobre a escolha do candidato governista e tendo sido derrotado, Camilo Santana e o PT rearticularam o lançamento de candidatura própria ao governo cearense e carregaram parte da base governista. A opção por uma candidatura petista, antes mesmo do rompimento com o PDT, era tese defendida por parte do PT cearense para a qual seria importante um palanque fiel a Lula no estado.
A opção pelo deputado estadual Elmano Freitas se deu, segundo o deputado federal José Guimarães, devido ao perfil próximo ao de Camilo Santana, com baixa rejeição e já relativamente conhecido pela disputa da Prefeitura de Fortaleza. Um palanque com Lula e Camilo daria musculatura a sua candidatura representada no slogan “Por um Ceará três vezes mais forte”.
E agora?
No momento em que escrevemos esse texto, saíram as primeiras pesquisas de intenção de voto para o governo do Ceará (4/8) após a confirmação dos candidatos nas convenções partidárias.
A pesquisa Ipespe/O POVO traz os seguintes números: Capitão Wagner (União Brasil), lidera as sondagens com 38% das intenções, seguido de Roberto Cláudio (PDT), com 28% e Elmano Freitas (PT), com 13%. Brancos e nulos somaram 11%. Não souberam ou não responderam, 8%. Outro dado que chamou atenção foi o resultado da pesquisa espontânea: Roberto Cláudio, cujo trabalho de base nos municípios do interior já vinha sendo feito, pontuou 12%. Elmano, candidato lançado há pouco mais de 5 dias (30/07), aparece com 8% das intenções de voto.
A Real Time Big Data confirmou a liderança de Wagner, com 35% de intenção de votos. Roberto Cláudio apareceu com 26% e Elmano Freitas, com 21%. No cenário espontâneo, os números são os seguintes: Capitão Wagner lidera com 29%, seguido por Roberto Cláudio com 11% e Elmano com 9%. Destaca-se que no cenário espontâneo Camilo Santana pontua 2%, número que pode migrar para a candidatura petista.
Os resultados, sobretudo do levantamento espontâneo, apontam acirramento da disputa entre Roberto Cláudio e Elmano Freitas por uma das vagas ao segundo turno das eleições.
Do lado do PT, Camilo Santana já botou o bloco na rua e tem exercido a função de articulador, atraindo aliados e tentando costurar acordos com partidos. No bloco pedetista, a ausência de Cid Gomes continua sendo sentida. A dança das cadeiras já começou com desfiliações de lado a lado, retirada de candidaturas, anulação de convenções partidárias e, até o momento, o déficit tem pesado no lado pedetista, que tem perdido prefeitos que optaram pelo alinhamento a Camilo Santana.
O que fica claro até aqui é que o presidenciável Ciro já não canta de galo no seu próprio quintal, os desarranjos políticos que vem enfrentando no estado podem ser uma prévia do tamanho que ele terá nas urnas em todo o país. Será que há tempo para reverter isso? Vamos aguardar!
* Monalisa Torres é professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará. Doutora em Sociologia pela UFC. Pesquisa vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC).
* Luciana Santana é professora na UFAL e do PPGCP da UFPI. Mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Universidade de Salamanca. Líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da