Thiago Silame*

Diogo Tourino de Sousa**

Publicado na Carta Capital

As eleições de 2018 foram marcadas por discursos antipolítica e antissistema. Elas mobilizaram do descontentamento com a política, sentimento difundido em boa parte da população brasileira, contra as elites políticas tradicionais. A opinião pública encontrava-se à época saturada com informações negativas sobre as atividades dos representantes políticos, em decorrência do “sucesso” da Operação Lava-Jato que até aquele momento – antes do conjunto de reportagens que colocaram em xeque a credibilidade da operação – aparecia como responsável por desvelar relações pouco republicanas entranhadas na gestão pública, com incontornável atuação de empresários. 

Os reflexos da onda antipolítica se fizeram perceber não apenas na disputa nacional, mas igualmente nas eleições nos estados. Diversos outsiders, mais ou menos íntimos das disputas políticas, obtiveram êxito nas urnas. Nessa direção, a região Sudeste, onde encontram-se os maiores colégios eleitorais do país, testemunhou a ascensão de dois nomes até então desconhecidos do mundo da política, além do sucesso eleitoral de um “cristão novo” do cenário partidário. João Dória (PSDB) em São Paulo, Wilson Witzel (então no PSC) no Rio de Janeiro, e Romeu Zema (NOVO) em Minas Gerais, foram eleitos para os cargos de governador dos seus estados, coroando a surpresa de parte expressiva dos analistas ocupados com o processo. O descontentamento geral com a política foi traduzido, ainda, na alta renovação observada na Câmara dos Deputados, no Senado e nas Assembleias Legislativas por todo o país, conformando um cenário que fulminou, ao menos em parte, quadros tradicionais da política nacional.

Em linhas gerais, 2018 trouxe para a disputa um repertório de argumentos estranhos às disputas anteriores, unindo nomes como Dória, Zema e Witzel por meio da defesa da boa gestão dos negócios públicos, com enganosa analogia à forma como são conduzidas as empresas privadas, da mobilização da agenda moral, da defesa das “conquistas” da Lava-Jato, ou mesmo da sanha punitivista que criminaliza a política como um todo, tópicos presentes na agenda de Jair Bolsonaro e que compunham o humor geral da população em relação aos políticos tradicionais. Não por acaso, colar a própria imagem à de Bolsonaro em 2018 figurou como estratégia bem-sucedida na busca por votos, por vezes alçando desconhecidos ao favoritismo em poucas semanas.

O cenário para as eleições de 2022 apresenta, contudo, um contexto distinto, no qual o sentimento negativo contra os políticos parece ter cessado ou mesmo regredido. As eleições municipais de 2020 já sinalizaram nessa direção. Muitos fatores concorrem para explicar a mudança, mas a forma como os representantes políticos se portaram diante da pandemia de Covid-19, aliada ao despreparo evidente de muitos dos outsiders eleitos em 2018 na condução da administração pública, ou mesmo à recorrência de práticas então aventadas como “superadas” pelos novos nomes – especial atenção para o tema da corrupção – parecem ter sido fatores decisivos para o restabelecimento de parte do prestígio perdido pelos políticos. Fato é que se em 2018 não ser político compunha um critério poderoso nas campanhas, esses improváveis vitoriosos foram, por caminhos distintos, fracassando nos quatro anos que nos separam do pleito presente.

Apenas para nos determos nos governos estaduais do Sudeste, no Rio de Janeiro Witzel sofreu um processo de impeachment na Assembleia Legislativa do estado, motivado por denúncias acerca de um esquema “amador” de corrupção já no âmbito do enfrentamento do novo coronavírus. Em São Paulo, Dória, que nunca escondeu suas pretensões de disputar a Presidência da República, renunciou ao governo do estado, mas não conseguiu se cacifar junto ao seu partido como um provável nome para o pleito nacional em 2022, mesmo tendo capitaneado, ainda que com doses generosas de vaidade, a produção da primeira vacina a ser utilizada no país no enfrentamento da pandemia.

Em Minas Gerais, Romeu Zema, porém, figura como um ex-outsider que disputará as eleições de 2022. Saindo de um relativo anonimato – talvez contornado pelo seu sobrenome, presente em lojas de departamento e postos de gasolina pelo interior do estado –, azarão em 2018, que declarou voto em Bolsonaro em cena nada comum num debate televisivo, o governador tentará a reeleição, agora como favorito. Nas sondagens de opinião até o momento, seu principal oponente, o ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), figura em segundo lugar e não apresenta tendência de subida.

O que fez do improvável Zema de 2018, considerado um azarão frente aos políticos tradicionais que disputavam aquele pleito – o então governador Fernando Pimentel (PT), candidato à reeleição, sequer passou para o segundo turno – favorito em 2022? Em outras palavras, se o sentimento antipolítica e antissistema, colado ao sucesso do bolsonarismo, ajudam a explicar a vitória de Zema em 2018, o que poderia explicar seu favoritismo em 2022, num contexto agora marcado pelo “retorno” da política tradicional?

Candidatos à reeleição conservam, via de regra, vantagens comparativas frente os desafiantes. O atual ocupante do executivo estadual não precisa se descompatibilizar do cargo e ao mesmo tempo detém o controle da máquina pública, bem como a iniciativa do orçamento, para realizar ações e implementar políticas. Por sua vez, o desafiante Kalil, no exemplo em questão, precisou se descompatibilizar do cargo de prefeito de Belo Horizonte para disputar a eleição para governador. O governador conta, ainda, com uma vantagem poderosa em se tratando de campanhas com curto espaço de tempo em estados com um expressivo número de municípios. Ainda que suscetível de maior rejeição, Zema é mais conhecido em todo o estado de Minas Gerais, ao passo que seu desafiante conserva uma base política na região metropolitana de Belo Horizonte, mas ainda é pouco conhecido no restante do estado.

Esses fatos isolados, porém, não esgotam a explicação para o favoritismo de Zema. Ao longo dos últimos anos, o governador foi capaz, mesmo sem o traquejo próprio do mundo da política, de construir uma rede de apoio envolvendo prefeitos e vereadores. Rede esta amparada em boa medida pela injeção de recursos nos municípios do interior. Importa lembrar que o estado recebeu uma expressiva indenização da empresa Vale do Rio Doce, em função dos desastres ambientais ocorridos logo no início da gestão de Zema. A relativa saúde financeira permitiu, por sua vez, o avanço de práticas de grande valor eleitoral, como a manutenção do salário do funcionalismo público em dia, por exemplo.

Segundo dados da pesquisa da Quaest, Zema é avaliado positivamente em todas as faixas etárias e em todos os níveis de escolaridade, sendo que as maiores diferenças se dão entre eleitores de 35 a 59 anos e aqueles com curso superior. A avaliação do governo também é positiva em todas as faixas de renda, sendo a menor diferença apresentada entre aqueles que recebem até dois salários mínimos. Ele também é bem avaliado na capital, região metropolitana e no interior do estado, mas a maior diferença encontra-se no interior. Zema tem boa entrada no eleitorado de classe média e classe média alta. 

É curioso notar como substantivamente o governador não alterou sua imagem frente à opinião pública, ainda que no presente ele paute sua candidatura a partir de dois afastamentos decisivos quando comparado ao que operou em 2018. Por um lado, Zema não endossa mais a postura de “CEO” dos negócios públicos, assimilando o susto sofrido logo nos primeiros meses do governo, quando a interrupção do andamento da máquina pública o fez perceber que a gestão do estado dista dos negócios privados. A aceitação do jogo legislativo, por meio dos(as) deputados(as) estaduais e o aproveitamento da janela de oportunidades que se abriu com a relativa saúde financeira, permitiu com que o governador ganhasse pontos na comparação com as gestões anteriores.

Por outro lado, ainda que Zema pessoalmente aparente guardar proximidades ideológicas e de agenda com o presidente Bolsonaro, é interessante observar seu surpreendente pragmatismo na disputa presente. Isso porque ele tem se distanciado tacitamente de Bolsonaro, na sincera torcida para que o pleito se encerre no primeiro turno, o que o desobrigaria de manifestar predileções num eventual segundo turno. Caso este ocorra, a nacionalização da disputa, com Kalil aliado ao ex-presidente Lula, pode complicar uma eleição aparentemente tranquila para o atual governador. Até agora, porém, Zema que figurou em 2018 como um sucesso inesperado, em 2022 apresenta-se como favorito num cenário quase de inércia.

 

Thiago Rodrigues Silame é doutor em Ciência Política pela UFMG, professor da Universidade Federal de Alfenas e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG (CEL-DCP).

 

Diogo Tourino de Sousa é doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/IESP e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e um dos editores da Revista Escuta.