Valéria C. Cabrera

Publicado no Pulso

As urnas eletrônicas brasileiras têm sido consideradas, mundialmente, um grande avanço na gestão das eleições desde a década de 1990. Com tecnologia aprimorada a cada ano e sistema informatizado considerado seguro ao ataque de hackers, principalmente por não oferecer conexão à internet, essas urnas têm, mesmo assim, sido alvo de difusão de notícias falsas nas redes sociais, que levantam dúvidas quando à confiabilidade da contagem de votos no Brasil.

Nesse cenário, o próprio presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que o sistema eleitoral do país estaria sujeito à fraude, posicionando-se favorável à PEC 135/2019, derrotada no Congresso Nacional, que buscava implantar um método de conferência impresso dos votos computados pela urna eletrônica. Dados da pesquisa “A cara da democracia” (INCT – IDDC), entretanto, mostram que a confiança na honestidade da contagem dos votos no Brasil tem crescido entre a população, aumentando 12 pontos percentuais entre 2021 e 2022, em meio à intensificação do debate sobre o tema. 

É possível que esse resultado tenha relação com o esforço da Justiça Eleitoral em reafirmar a lisura das eleições nos país, mas também pode representar certa reação à difusão de notícias e opiniões em contrárias ao sistema eleitoral brasileiro. Nesse sentido, é importante destacar que 69% dos brasileiros consideram a Justiça Eleitoral muito importante para o funcionamento da democracia no país, segundo os dados da pesquisa de setembro de 2022.

Em 2018, aqueles que afirmaram ter muita confiança na honestidade da contagem de votos no Brasil eram 11%.; em 2021, esse percentual já era de 23%, o que indica que a tendência de alta não é exclusividade do contexto recente. No entanto, esse resultado intensificou-se entre 2021 e 2022, apresentando elevação superior dos percentuais em menor tempo. Nesse contexto, o patamar de muita confiança chegou a 31% em junho de 2022 e alcançou 35% em setembro do mesmo ano, isto é, conservou-se em crescimento às vésperas da eleição.

Ao mesmo tempo, as taxas de nenhuma confiança entraram em queda, partindo de 54% em 2018 e chegando a 29% em setembro de 2022. No que tange às categorias intermediárias, enquanto o percentual de pouca confiança diminuiu a partir de 2021, confiar mais ou menos cresceu, mantendo-se os patamares de ambas as respostas estáveis em 2022. Nesse sentido, é importante destacar que, em razão da formulação escalar das alternativas de resposta, confiar mais ou menos tem maior proximidade com a confiança do que com confiar pouco.

Fonte: A cara da democracia (INCT-IDDC) (2022).

 

Ainda, ao desagregar os dados de 2022 a partir de uma variável capaz de isolar bolsonaristas e petistas do restante do eleitorado, encontramos diferenças importantes. Os bolsonaristas representaram 13% do total da amostra, em junho de 2022, e 16% em setembro. Os petistas, por sua vez, responderam por 13% e 14%, respectivamente. Como esperado, encontramos resultados mais elevados de desconfiança na honestidade da contagem dos votos entre os bolsonaristas, indicando congruência entre o discurso do presidente Jair Bolsonaro e a opinião de seus apoiadores. Em sentido inverso, os maiores percentuais de muita confiança foram encontrados entre os petistas. 

A desconfiança chegou a ser duas vezes maior entre os bolsonaristas em relação aos petistas em junho deste ano. No entanto, os resultados mostram que, enquanto os patamares de nenhuma confiança mantiveram-se estáveis entre os petistas entre junho e setembro, entre os bolsonaristas, eles decresceram no mesmo período, passando de 47%, em junho, para 37%, em setembro. A menos de um mês da eleição, o percentual de muita confiança sustentou-se em crescimento em setembro, inclusive entre os bolsonaristas. As categorias intermediárias de resposta mantiveram-se estáveis. 

Portanto, em que pese o patamar de pessoas afirmando não ter nenhuma confiança na honestidade da contagem de votos ser alto no Brasil, o resultado temporal sugere que o cenário que antecede a eleição de 2022 é mais favorável no que diz respeito à validação dos procedimentos democráticos eleitorais pelo público, se comparado à contextos anteriores. 

 

Valéria C. Cabrera é doutora em Ciência Política pela UFPel e pós-doutoranda no Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp.