Daniel Menezes
É sintomático que os principais lances da eleição estadual no Rio Grande do Norte tenham ocorrido no momento em que as elites políticas agiam para acomodar interesses e compor os grupos de disputa. Depois da formação das chapas, o pleito se tornou em parte previsível e enfadonho.
A governadora do PT, Fátima Bezerra, articulou para retirar os principais nomes da oposição, oferecendo para o seu oponente em 2018, Carlos Eduardo Alves (PDT), o apoio pela sua candidatura ao senado. Sempre pontuando na segunda posição conforme todas as pesquisas, Carlos Eduardo era a esperança dos adversários de Fátima para impedir que o partido dos trabalhadores não permanecesse no poder a partir de 2023. A incumbente soube insuflar o medo do ex-prefeito de Natal de compor mais uma vez com o campo bolsonarista numa ambiência em que o presidente Jair Bolsonaro apresenta no RN forte rejeição.
Sem Carlos Eduardo, os adversários da governadora, agora liderados pelo postulante ao senado e ex-ministro do desenvolvimento regional, Rogério Marinho (PL), se viram obrigados a lançar o ex-vice governador Fábio Dantas (SD), da rejeitada gestão do antecessor Robinson Faria. A lógica se inverteu – Dantas ingressou para completar a chapa que canaliza recursos e energia para fazer Marinho senador. Fátima Bezerra ainda atraiu o enraizado MDB no interior do estado da tradicional Família Alves, alojando o deputado federal Walter Alves na condição de pleiteante a seu vice; e facilitando acordo com o presidente da Assembleia Legislativa, Ezequiel Ferreira de Souza, pela manutenção da parceria político-administrativa entre os dois. Ezequiel comanda o PSDB, que conta com 12 dos 24 deputados estaduais com mandato.
O ex-governador Robinson Faria, antes no PSD e hoje no PL, representa um retrovisor confortável para a governadora. Ele deixou quatro folhas salariais dos servidores parcialmente abertas e, em que pese ter prometido ser o governador da segurança na campanha de 2014, a violência no estado explodiu durante a sua administração. Ao tentar a reeleição em 2018, Robinson acabou apenas na terceira posição, com 11,85% dos votos válidos. Fátima Bezerra tem justamente como discurso fundamental a quitação dos salários dos servidores, a normalização das contas públicas e a queda dos índices de insegurança no RN.
A pesquisa do Instituto IPEC veiculada pela Rede Globo aponta para uma possível resolução do pleito já em primeiro turno em favor de Fátima Bezerra. Conforme o levantamento que ouviu 800 pessoas entre os dias 6 e 8 de setembro, com margem de erro de três pontos percentuais para mais ou para menos, considerando um nível de confiança de 95% (registro RN-05706/2022), Fátima Bezerra tem 49% dos votos, o Capitão Styvenson 20%, e Fábio Dantas 8%. Os demais seis postulantes somam 7%. A vitória de Fátima representaria a reversão de uma tendência – a última governadora a se reeleger no RN foi Vilma de Faria, em 2006.
Apesar da oposição organizada ter se aglutinado em torno de Fábio Dantas, é o Capitão Styvenson que ocupa a segunda posição, de acordo com sondagem feita pelo IPEC e demais institutos. Styvenson é senador pelo Podemos e chegou a esta condição a partir de fama que construiu como policial “linha dura” à frente das blitz de trânsito “Lei Seca” do RN. Ele se diz não político, recusou o fundo eleitoral, não procurou apoio na classe política estadual e não usa o tempo de TV e Rádio a que tem direito. Sua comunicação se restringe ao uso das redes sociais, em que discursos e lives dividem o espaço no Instagram com fotos do seu cotidiano. Sem foco em um oponente específico – ele confronta a governadora, o oposicionista Fábio Dantas, prefeitos de situação e de oposição –, sua plataforma é principalmente do combate à corrupção e do desperdício do dinheiro público.
Diante de uma disputa central carente de novidades, coube à competição pelo senado o acirramento em busca da vaga disponível a que o estado tem direito em 2022. Ainda de acordo com a já mencionada pesquisa IPEC, Carlos Eduardo lidera com 27%, Rogério Marinho o segue com 21%, e o deputado federal pelo PSB, Rafael Motta, apresenta 14%. Os demais sete postulantes somam 10%.
O dito campo lulista congrega duas candidaturas – a de Carlos Eduardo e Rafael Motta. Em que pese ter votado pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff, Motta passou a atuar fazendo forte oposição ao governo de Jair Bolsonaro e alinhado com Fátima. Jovem, o deputado federal ancora seu discurso no ataque ao apoio concedido por Carlos Eduardo ao presidente Bolsonaro, em 2018, e tenta explorar o papel como relator da reforma trabalhista desempenhado por Rogério Marinho, então deputado federal. O PT não ataca Motta de maneira direta, mas apela para um voto útil em Carlos Eduardo em prol da derrota do representante do bolsonarismo no RN, Rogério Marinho.
Como já enfatizado, a candidatura ao senado de Marinho representa o principal projeto da oposição estadual bolsonarista no Rio Grande do Norte. Como ministro do desenvolvimento regional, Marinho estabeleceu uma agenda de envio de emendas para os prefeitos potiguares. Ele se diz o candidato das águas. Isto porque, segundo ele, parte da transposição do Rio São Francisco chegou através da gestão de Jair Bolsonaro, do qual era o ministro da pasta responsável pela obra. Entretanto, apesar da inegável maior quantidade de recursos de estrutura de campanha, apoios da classe política e das elites estaduais, o ex-ministro segue na segunda posição.
Digno de nota ainda é a competição pelas oito cadeiras de deputado federal a que o Rio Grande do Norte tem direito. Além de cinco dos atuais parlamentares da bancada lutarem pela reeleição, o pleito ainda conta com a participação de três ex-governadores em busca de um assento na casa do povo, prefeitos de cidades importantes do RN, os presidentes das duas principais câmaras municipais do estado e outras lideranças políticas locais de relevo. O temor de não se reeleger federal levou, por exemplo, Rafael Motta a tentar “cair para cima” em disputa pelo senado.
O RN é um estado em que o PT vence a competição presidencial desde 2002. Em âmbito estadual, a onda antipolítica que varreu o país em 2018 enfraqueceu as famílias Alves e Maia, posicionando o ex-governador, ex-presidente do senado e ex-ministro Garibaldi Alves numa vexatória quarta posição em sua tentativa de se manter no senado e gerando a acachapante derrota do ex-governador e ex-senador Agripino Maia, que tentou uma vaga na câmara federal. Ao que tudo indica, o PT manterá sua hegemonia através das vitórias estaduais de Fátima Bezerra e de Lula em terras potiguares. Resta a dúvida se a base bolsonarista conseguirá fazer um representante de peso através de Rogério Marinho. Um indicativo do que está por vir é que a guerra cultural, que já não fez morada confortável em 2018 por aqui, ao contrário do restante do país, e caminha para se encastelar em algumas representações proporcionais.
Daniel Menezes é doutor em Ciências Sociais (UFRN), professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da UFRN.