Maria Tereza Ribas Sabará
Mônica Aparecida da Rocha Silva
No Brasil, a difusão do discurso antissistema e antipolítica veio de mãos dadas com o bolsonarismo. No estado do Tocantins, essa narrativa tem ressonância em um contexto em que grande parte da elite política e econômica da região está ligada à atividade agropecuária e/ou são políticos de longa experiência. Outra característica está nas escolhas eleitorais da população que, em geral, não são norteadas por fidelidade partidária ou pela opção por um determinado plano de governo, mas, sim, por uma escolha mais pragmática, sinalada por práticas clientelistas.
Dentre os candidatos a governador de maior expressão de intenção de voto em 2022, não há outsiders, mas políticos de considerável capital político e/ou ligados ao agronegócio. Ainda assim, alguns nomes surgiram como pretendentes de um processo de “desconcentração” do poder no Executivo do Estado, como Paulo Mourão (PT), Irajá de Abreu (PSD), Ronaldo Dimas (PL) e Wanderlei Barbosa (Republicanos). Não que isso faça muito sentido, uma vez que a família de Barbosa faz parte do cenário político do Tocantins desde a época da criação do Estado, ocupando majoritariamente cargos no legislativo estadual e da capital. Já Irajá de Abreu, filho da senadora Kátia Abreu, que disputa sua reeleição, vem de uma família de forte prestígio e capital político local.
De acordo com pesquisas de opinião, a disputa para governador do Tocantins deve se encerrar logo no primeiro turno. Em pesquisa do Ipec, divulgada no dia 19 de setembro de 2022, a disputa aparece centralizada em dois candidatos: Wanderlei Barbosa (Republicanos) – atual governador, desde a renúncia de Mauro Carlesse – com 45% da intenção de voto; e Ronaldo Dimas (PL), com 17% da intenção de voto. Na sequência, aparecem Irajá (PSD) com 8% e Paulo Mourão (PT) com 6%. Carmen Hannud (PCO) com 0%; Coronel Ricardo Macedo (PMB), Dr. Luciano de Castro (DC) e Karol Chaves (PSOL) que estão com 1%.
Já em relação à formação das coligações nestas eleições no Tocantins, fato curioso é uma quebra de padrão em relação à formação de grandes coligações, que por décadas condensava partidos em apenas duas a três coligações. Com exceção do candidato Wanderlei Barbosa, as candidaturas optaram por manter-se isoladas ou seguir as alianças realizadas em federação, mantendo-as enxutas. No Tocantins, a polarização nacional parece não ecoar na disputa eleitoral para governador.
Importante elemento para entender esse contexto reside nos sucessivos rearranjos forçados na dinâmica de poder local nos últimos 15 anos, sem que ao menos um governador pudesse completar o seu mandato, todos afastados por diferentes razões. Essa dinâmica tem, ao mesmo tempo, possibilitado a entrada de novos políticos que outrora não tinham espaço na querela entre duas grandes famílias que disputavam o governo, mas também aumenta os custos das transações políticas, fortalecendo práticas clientelistas, especialmente em relação ao envio de verbas via emendas parlamentares e negociação de contratos temporários no estado e municípios. Cabe reforçar que, grande parte dos empregos provém do poder público municipal e estadual, principalmente nos municípios tocantinenses mais pobres.
Isso faz o funcionalismo público ocupar um lugar central nas eleições do estado. Em geral, candidatos à reeleição possuem vantagens comparativas frente aos adversários, uma vez que não precisam se licenciar de seus cargos e ainda possuem vantagens em relação a iniciativa de orçamento e uso de recursos da máquina pública como um todo. Assim, o candidato Wanderlei Barbosa (Republicanos) tem procurado convencer a população, sobretudo servidores públicos concursados, de que tem experiência e capacidade para assumir a gestão do estado do Tocantins, ainda que tenha uma trajetória política limitada ao legislativo municipal e estadual, assumindo o governo do Estado há apenas 11 meses. Ele tem tentado, também, desvincular-se das eleições nacionais, sendo criticado pelos seus adversários pela falta de clareza em relação ao seu alinhamento federal. Mas, cabe salientar que o candidato Wanderlei Barbosa (Republicanos) deixava claro o seu alinhamento ao Presidente Jair Bolsonaro, quando era vice-governador (cargo que ocupou até meados de março de 2022).
O revés pré-anunciado nas eleições do Tocantins, inclusive, se expressa neste alinhamento com as candidaturas nacionais. O candidato Ronaldo Dimas (PL), que ocupa o segundo lugar na última pesquisa realizada pelo Ipec, é o nome de Bolsonaro na sucessão do Tocantins, tendo articulado importantes palanques para a família Bolsonaro no estado. E, apesar de sua coligação enxuta, é apoiado por grandes nomes da política tocantinense: o senador Eduardo Gomes (PL), que tem grande prestígio entre os prefeitos; e o ex-governador Marcelo Miranda (MDB), candidato a deputado estadual, que apesar de ter sido afastado, ainda guarda grande popularidade no estado. Ronaldo Dimas promete “governar de braços dados com os ministérios evangélicos” e de “incluir evangélicos nos espaços de tomada de decisão”. Esse discurso tem surtido efeito, uma vez que ele tem conseguido ampliar o apoio das igrejas evangélicas.
Estes dois candidatos ao governo tentam captar o eleitor bolsonarista. Já a maior esperança para uma frente progressista, capaz de movimentar importantes palanques e facilitar a corrida presidencial do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), partia da possibilidade de união entre os candidatos Paulo Mourão (PT) e Irajá de Abreu (PSD). Ainda em setembro, havia articulação para esse acordo, com menções durante as convenções e de posicionamentos públicos da senadora Kátia Abreu (Progressistas), mãe de Irajá. Os dois candidatos, juntos, somam apenas 14% das intenções de voto na última pesquisa divulgada. Paulo Mourão (PT) é o candidato responsável pelo principal palanque da candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Tocantins, mas não tem conseguido grande expressão em nível estadual.
Os partidos de esquerda no Tocantins tem um grande desafio, qual seja, a dependência de trajetória: o fato de que a disputa pelo poder executivo estadual gravita em torno de grandes famílias políticas e de partidos como PMDB e PSDB, e que há pouquíssimo espaço no executivo e legislativo estadual para candidaturas de esquerda. Como já mencionamos anteriormente, na V Série especial da ABPC, publicado também no Estadão (https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/conjuntura-politica-e-o-enfrentamento-a-pandemia-do-novo-coronavirus-no-tocantins/), as eleições municipais no Tocantins, também, reforçaram a sua trajetória histórica de predominância da liderança local partidária de centro e direita. O DEM, MDB e PSD foram os partidos que saíram mais vitoriosos nas eleições municipais no Tocantins em 2020, concentrando juntos 51% das prefeituras. Um maior alcance, passaria possivelmente pelo estabelecimento de um corpo de alianças mais robusto.
Os gráficos, a seguir, dentre outras realidades, evidencia o comportamento do eleitor tocantinense em relação a eleição do presidente Bolsonaro, em 2018.
Os dados eleitorais indicam também que, no Tocantins, há uma preferência pelas candidaturas nacionais do PT frente aos seus principais desafiantes, o PSDB de 2002 a 2014 e o PSL em 2018. Essa preferência não se manifesta com os candidatos ao legislativo, o que se percebe pela pequena presença de representantes tocantinenses de esquerda nos legislativos estaduais e federais. Soma-se a isso a inexistência de candidato petista com relevante expressão de votos ao governo do estado do Tocantins desde a sua criação. O PT estadual tem oscilado entre coligações por aproximação ideológica e seu relacionamento com o MDB. Mesmo assim, os candidatos à Presidência do Brasil pelo PT conseguiram se sobressair no estado do Tocantins, o que sugere uma articulação estadual muito desconexa do cenário nacional.
Ainda que em constantes conversões e com a “despolarização” da política em nível local, a lógica da disputa no Tocantins parece ter sofrido poucas alterações no pleito de 2022, especialmente ao olhar para seu alcance nacional.
Autoras:
Maria Tereza Ribas Sabará é Mestre em Desenvolvimento Regional (PPGDR), professora da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins) e participa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento (GEPPD).
Mônica Aparecida da Rocha Silva é doutora em Ciências Sociais, professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR), da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento (GEPPD).