Mauro Petersem Domingues
Rodolfo Kinupps Neto
Publicado no GGN
Neste artigo, analisamos o cenário das eleições gerais de 2022 no Espírito Santo, considerando cada cargo em disputa. Em função de grandes diferenças registradas nos resultados de pesquisas eleitorais do período e mesmo correndo risco de viés, optamos por nos apoiarmos nos dados de pesquisa do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) realizada entre os dias 19 e 21 de setembro de 2022.
Governo estadual
O cenário na disputa ao governo mostra Renato Casagrande (PSB), candidato à reeleição, com 53% das intenções de voto na consulta estimulada e, assim, com grande chance de vencer no primeiro turno. Seu adversário mais direto é o ex-deputado federal Carlos Manato (PL), que aparece com 18%. Dois outros candidatos, Audifax Barcelos (Rede) e Guerino Zanon (PSD), aparecem ambos com 7% cada, e Capitão Vinicius Souza (PSTU) aparece com 1%. Os candidatos Aridelmo Teixeira (Novo) e Claudio Paiva (PRTB) não chegaram a 1% das intenções de voto. Com 7% dos entrevistados apontando a intenção de voto em branco ou nulo, e outros 8% sem definir preferência, o cenário parece fortemente favorável à vitória de Casagrande já no primeiro turno.
Segundo informações veiculadas pela imprensa local, ato recente em favor da candidatura de Casagrande reuniu o apoio de 74 dos 78 prefeitos do estado. Dos municípios de maior expressão eleitoral, somente o prefeito de Vitória, capital do estado, não apoia Casagrande e está com Manato. Tanto Lorenzo Pazolini, prefeito de Vitória, como Carlos Manato apoiam a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência. Já Renato Casagrande tem o apoio do PT no estado e, oficialmente apoia a candidatura de Lula, embora mantenha esse apoio de forma discreta, uma vez que Bolsonaro tem forte apoio no estado, com 39% das intenções de voto, tecnicamente empatado com Lula, que tem 38%. Em um cenário tão dividido, não interessa a Casagrande enfatizar o apoio a Lula para não afastar o eleitorado antipetista. Ao mesmo tempo, não lhe é possível abrir mão dos votos dos adeptos de Lula.
De fato, uma das principais armas que tanto Manato quanto Zanon têm utilizado nessa campanha é enfatizar os vínculos entre Casagrande e Lula, na esperança de atraírem as simpatias do eleitorado antipetista. Se Manato tem sido o nome de referência do bolsonarismo no estado, mais recentemente, também Zanon tem procurado se identificar com o atual presidente, o que pode ser visto inclusive em seu material impresso de campanha.
Audifax Barcelos, ex-prefeito de Serra, município mais populoso e com o maior eleitorado do estado, que também já foi deputado federal, parece ter, nessa eleição, objetivos mais locais. Barcelos vem mantendo com Sérgio Vidigal (PDT), atual prefeito de Serra, uma rivalidade que os faz se alternarem no comando do município. Tendo perdido as eleições passadas para o rival, Barcelos parece usar do palanque de candidato a governador como forma de manter a fidelidade de seus eleitores no município e reavivar a memória de seu nome junto ao eleitorado local, o que lhe possibilita a chance de voltar a ser eleito para o comando da prefeitura daqui a dois anos.
O cenário atual se explica, em linhas gerais, por vários fatores. Primeiramente, pela forte liderança de Casagrande, incontestavelmente o maior nome da política do estado desde que o ex-governador Paulo Hartung desistiu de disputar cargos e passou aos bastidores da política, apostando na viabilidade da chamada “terceira via” no plano nacional. Em segundo lugar, pelo reflexo, no plano estadual, do fracasso das tentativas de viabilizar essa “terceira via”, que reduziu a disputa nacional às candidaturas de Lula e Bolsonaro. Em terceiro lugar, à boa avaliação da administração de Casagrande à frente do governo estadual, o que lhe dá uma vantagem de se colocar acima das disputas ideológicas, defendendo sua reeleição. Um quarto fator é a presença do ex-senador Ricardo Ferraço (PSDB) na chapa de Casagrande. Apesar de derrotado nas eleições de 2018 para o Senado, Ferraço é tido como uma liderança emergente no estado e com fortes relações com o ex-governador Paulo Hartung. Ao oferecer a Ferraço a vaga de vice-governador em sua chapa, Casagrande esvaziou um possível palanque de oposição ao centro e fortaleceu sua própria posição, ampliando o espectro político da aliança governista. Por fim, o fato de Casagrande ter o apoio de Lula e da aliança liderada pelo PT faz com que ele não tenha adversário eleitoral à esquerda, podendo atrair os votos dos eleitores centristas, que prefeririam uma terceira via, e empurrando as candidaturas de oposição para a direita, que passam a disputar entre si os votos bolsonaristas.
Nesse último caso, pesa o fato de que, fora do eleitorado de direita ou extrema-direita, a imagem pública de Carlos Manato não é muito positiva. Mesmo estando sem mandato há quase quatro anos – uma vez que abriu mão de tentar a reeleição à Câmara dos Deputados para disputar o governo nas eleições de 2018 –, Manato apresenta uma taxa de rejeição de 26%, maior que os 22% de Casagrande, mesmo com o governador estando à frente do estado há quase quatro anos. Ao encarnar tão plenamente o mais extremo bolsonarismo, Manato acaba por capturar essa bolha sem, no entanto, ser capaz de agregar outros segmentos conservadores ou mesmo de centro-direita. Se isso lhe confere a condição de segundo mais votado para governador no estado, ao mesmo tempo esvazia o espaço para uma candidatura alternativa de centro-direita que pudesse rivalizar com Casagrande.
Um possível segundo turno na eleição para governador pode trazer dificuldades adicionais para Casagrande, caso seja acompanhado também por um segundo turno nas eleições presidenciais, uma vez que, para presidente, o eleitorado capixaba se mostra muito mais dividido. Esse cenário abre a possibilidade de que uma candidatura de oposição, no plano estadual, se beneficie da polarização nacional. E de que a estratégia de Casagrande de não se envolver fortemente com a candidatura de Lula acabe levando a um descontentamento do eleitorado lulista e à consequente perda de apoio na eleição para o governo estadual.
Senado Federal
A única vaga ao Senado encontra-se disputada hoje pela atual senadora Rose de Freitas (MDB) e pelo ex-senador Magno Malta (PL). Freitas estabeleceu aliança com Casagrande e, tal como ele, esconde em sua campanha a preferência para a presidência da República. Já Malta é explícito em seu alinhamento com Bolsonaro. A última pesquisa do Ipec aponta uma virada de Freitas sobre Malta: a senadora lidera a corrida com 31% das intenções de voto, e Malta registra 27%.
Pesa contra Malta o risco de condenação no STF por ataques feitos ao ministro Luís Roberto Barroso. Se condenado pelo crime de calúnia, o candidato corre o risco de, mesmo eleito, não poder ser diplomado. Sendo um fato de domínio público, a simples presença desse risco pode afetar o comportamento do eleitorado. Uma eventual ausência de Malta nas eleições tende a favorecer a vitória de Freitas, mas, ao mesmo tempo, pode fazer migrar votos para o terceiro colocado na corrida, o atual deputado estadual Erick Musso (Republicanos), que hoje conta com 8% das intenções de voto.
Câmara dos Deputados
Na Câmara dos Deputados, todos os dez candidatos pelo estado concorrem à reeleição. Nas eleições de 2018, houve uma renovação de 60% da bancada. Neste ano, apesar de os detentores de mandato estarem fortalecidos pelo acesso a recursos de campanha e de não haver no horizonte uma grave crise do sistema partidário, como a que marcou o pleito passado, é razoável supor que, em função das mudanças na composição das alianças eleitorais, alguns dos atuais deputados não alcancem a reeleição. Alguma renovação deve ocorrer, mas nada parecido com a de 2018.
Assembleia Legislativa
Na Assembleia Legislativa, dos 30 deputados atuais, 22 se lançaram à reeleição, e sete buscam a Câmara dos Deputados e um o Senado Federal. A legislatura atual não foi marcada por nenhum grande desgaste político ou escândalo, o que leva a crer em uma forte taxa de reeleição entre os pleiteantes. A se manter a distribuição ideológica atual, a direita teria uma quase maioria na Casa, com cerca de 14 deputados, o centro seguiria esvaziado, com cerca de seis representantes, e a esquerda teria cerca de dez deputados.
Mauro Petersem Domingues é Cientista Social e Mestre em Ciência Política. Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo.
Rodolfo Kinupps Neto é Cientista Social, Cientista Político e Especialista em Políticas Públicas. Professor da rede estadual de ensino do Espírito Santo.