Fernanda Rios Petrarca
Wilson José Ferreira de Oliveira
Semelhante ao que se observa no Brasil, a política sergipana se caracteriza pela forte fragmentação, marcada por partidos divididos internamente em múltiplos agrupamentos que disputam seu controle e liderança. Em tal situação, uma das características centrais é a composição sustentada, de uma parte, em redes de base familiar e, de outra, em redes de lideranças pessoais formadas na política profissional. Assim, é comum esses grupos políticos se definirem ou pelo nome da família, como “os Alves”, “os Valadares”, “Os Franco”, “Os Amorim”, ou pelo nome da liderança e sua base, como “o grupo” “de Jackson”, “de Belivaldo Chagas”, “de André Moura”, e assim por diante. Isso porque a estrutura de poder e de dominação passa por esses agrupamentos que disputam a liderança dos partidos, dos blocos e lutam para preencher os cargos em todos os níveis (federal e estadual). A capacidade de liderança depende dos cargos eletivos, que funcionam como recurso de competição política regional.
Desde a primeira eleição para o governo do estado, após a redemocratização do país, em 1983, até o último pleito, Sergipe elegeu o sucessor. A exceção dessa regra foi o primeiro mandato do governo de Marcelo Deda (PT) em 2007, o qual foi marcado por uma ruptura com o bloco político que comandava o estado desde a década de 1970. Esse bloco, resultado da aliança entre vários agrupamentos, teve os “Franco” como liderança e elegeu sucessores até 2007. O contexto da eleição de Deda foi marcado por uma diluição deste bloco, provocando uma ruptura nessa continuidade e desenhando, para o estado, uma nova forma de composição dos agrupamentos que abriu a oportunidade para novas lideranças.
A eleição de Deda foi marcada pela emergência de um novo bloco político que se manteve articulado até a eleição de 2018. Assim como os anteriores, Deda se reelegeu. Com a sua morte precoce, seu vice, Jackson Barreto (PMDB), tornou-se governador e também se reelegeu. Como num movimento contínuo, a última eleição, em 2018, elegeu Belivaldo Chagas (PSD), vice de Jackson Barreto e primeiro vice de Marcelo Deda. Entretanto, nas eleições de 2022, o bloco se dissolveu. O PT lançou candidatura própria, com Rogério Carvalho à frente e com o apoio de Jackson Barreto (PMDB). Belivaldo Chagas (PSD) rompeu com sua vice, Eliane Aquino (PT), e lançou apoio a Fábio Mitidieri (PSD) como seu sucessor.
O resultado dessa dissolução já pode ser sentido nas pesquisas eleitorais, asquais mostram um cenário bem diferente para 2022. O quadro abaixo nos revela os quatro candidatos mais competitivos, segundo a última pesquisa do IPEC divulgada em 22 de setembro de 2022.
É nesse contexto que Valmir de Francisquinho, do Partido Liberal (PL), apresenta-se como o candidato da oposição no estado. Apesar de oficialmente representar a coligação com Jair Bolsonaro, sua estratégia é a dissociação da imagem do atualpresidente. Seus programas de rádio, TV e redes sociais não fazem menção a Bolsonaro, e suas mensagens vão, muitas vezes, na direção oposta, como a defesa das vacinas, o controle da pandemia e o diálogo, inclusive, com sindicatos. Isso ocorre porque o desempenho de Lula no estado é alto, representando 56% das intenções de voto, contra 26% de Jair Bolsonaro. Isso faz com que Francisquinho se descole o tempo inteiro do presidente, construindo uma posição autônoma e defendendo um voto mais pessoal. Esse movimento não é, contudo, recente. Em maio do corrente ano, quando Bolsonaro esteve no estado para inauguração de uma obra, Valmir não esteve presente. Sua coligação traz, ainda, o nome de Eduardo Amorim (PL) para o Senado e é apoiada, em grande medida, em Itabaiana, município em que foi prefeito e que é um dos maiores colégios eleitorais do estado, e nos municípios em que o grupo dos “Amorins” tem base eleitoral. Mas, apesar de ter conseguido homologar a sua candidatura e de ter apresentado desempenho nas pesquisas, ela está suspensa por ordem do Tribunal Superior Eleitoral. O órgão manteve a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe de decretar a inelegibilidade de Valmir e de seu filho, Talysson de Valmir (PL), por abuso de poder político e econômico pelo período de oito anos, a contar das eleições de 2018.
Enquanto Valmir de Francisquinho abre a corrida com folga tentando esconder Bolsonaro, os outros dois candidatos, Rogério e Mitidieri, seguem quase empatados e buscam associar sua imagem à do ex-presidente Lula. Rogério Carvalho, do PT, é o palanque oficial de Lula na campanha. Atual senador pelo estado, ele representa a coligação da Federação Partidária (PV, PT e PCdoB) com o MDB e o PSB. A aliança com dois importantes agrupamentos políticos sergipanos é a marca a ser destacada nessa coligação, que conta com o apoio do MDB, na figura de Jackson Barreto, e do PSB, a partir da liderança do ex-governador e senador por trêsmandatos, Antônio Carlos Valadares, e de seu filho, que concorre ao Senado. Enquanto no cenário nacional o MDB segue com candidatura própria, em Sergipe, ele monta palanque com o PT. Isso se deve, em parte, à liderança de Jackson Barreto dentro do partido e de sua aliança com o PT desde o governo de Marcelo Deda (PT).
A coligação liderada por Fábio Mitidieri representa a sucessão de Belivaldo Chagas e é a que mais expressa os desafios de equilibrar a dinâmica dos compromissos locais com as alianças nacionais. Fábio Mitidieri é deputado federal e uma importante liderança regional, conhecida por conduzir não só o PSD no estado, mas também “os Mitidieri” como agrupamento político. Sua coligação traz o nome de Laércio Oliveira, liderança local e representante do governo Bolsonaro em Sergipe, como senador, e tem ainda o apoio do prefeito de Aracaju, do PDT. Na tentativa de atrair um eleitorado diversificado (conservador e progressista) e contrabalançar suas alianças nesses diferentes agrupamentos no estado, Mitidieri sustenta que “o voto não é agarrado” e defende abertamente, nos seus programas de rádio e TV, o voto no ex-presidente Lula.
Por fim, o senador Alessandro Vieira se lança como oposição ao bloco PT/PSD. Como ex-delegado, esteve à frente de diversas investigações de corrupção, lançando seu nome na esteira do lavajatismo e apresentando-se como uma rota alternativa à chamada “velha política”. Duas são as grandes dificuldades de sua candidatura: a capacidade de sustentar sólidas alianças regionais com agrupamentos políticos mais amplos e a apresentação de uma pauta para além da chamada “luta contra a corrupção”, diante dos desafios da fome e do desemprego.
Apesar da tendência em Sergipe de se reeleger o sucessor, a fotografia atual indica uma rota diferente das observadas em pleitos anteriores. Quais seriam, então, os fatores que levam a um movimento em direção ao situacionismo e por que a tendência é a ruptura disso em 2022?
Em nossa avaliação, a compreensão dessas movimentações implica dar conta de um sistema político fundado em “alianças personificadas” entre lideranças de agrupamentos diversificados. A chance de recondução ao cargo ou a eleição do sucessor depende de alianças com agrupamentos fortes dentro do estado, que se organizam a partir de um grande bloco e que, por essas condições, conseguem preencher outros cargos nos níveis municipal, estadual e federal. A ruptura na continuidade ocorre quando o bloco se dissolve e as alianças se quebram, expondo a fragmentação, as divisões internas, e abrindo a oportunidade para novas lideranças. Foi esse movimento que gerou as condições para a eleição de Deda em 2007, dando origem a um novo bloco, resultado da aliança entre PT, PMDB e PSD. E é justamente a ruptura desse bloco no pleito atual que está pavimentando o terreno para um novo desenho das relações de força.