Leonardo Barros Soares e Helena Dolabela
Publicado no Jota
Passado pouco mais de uma semana depois dos resultados do primeiro turno das eleições 2022, já é possível fazermos um balanço de seu significado para a pauta do meio ambiente. E aqui já adiantamos nosso diagnóstico: não é possível dourar a pílula – a nova composição do Congresso, das assembleias estaduais e o perfil político dos governadores eleitos, especialmente nos estados da Amazônia, não nos permite otimismo. As políticas públicas e todo o arcabouço legal e institucional em torno do meio ambiente no país saem severamente vulnerabilizadas do pleito.
Comecemos pela expressiva votação de Jair Bolsonaro. Na hora da verdade, quase metade dos votantes optou por apoiar um projeto político que atuou fortemente para o desmantelamento das salvaguardas constitucionais em torno do meio ambiente. Desmatamento recorde, monstruosas queimadas, expansão irrefreada do garimpo ilegal em terras indígenas, inação criminosa no episódio do derramamento de petróleo na costa do Nordeste não foram suficientes, aparentemente, para reduzir o apoio eleitoral ao atual presidente.
O voto para presidente tornou-se uma espécie de plebiscito sobre a vigência ou não da democracia no país. A temática ambiental ficou “escanteada” ao longo da campanha e, embora algumas pesquisas de opinião apontem a ampla adesão da população à proteção da floresta amazônica e a rejeição da exploração desenfreada dos bens naturais, estes elementos não parecem ter pesado na escolha dos cidadãos. Será uma tarefa futura da ciência política construir hipóteses para explicar esse fenômeno.
A nova composição da Câmara dos Deputados continuou falseando o chamado “teorema de Tiririca”, que vaticinava que “pior que está não fica”. Ficou, e muito. Uma avalanche conservadora, fruto da maior bancada que o dinheiro pode comprar, tem condições de se tornar ainda mais efetiva em seus desígnios de desregulamentação da política ambiental brasileira do que a legislatura 2019-2022. Destaque para a expressiva votação que o ex-ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, recebeu em São Paulo. Dada sua identificação radical com o projeto de terra arrasada do governo Bolsonaro, talvez não seja exagero dizer que essa forma de ver o mundo foi chancelada por boa parte do eleitorado nacional. Além disso, chamamos a atenção para a eleição de Silvia Waiãpi, a primeira indígena bolsonarista eleita pelo Amapá, que pode ser uma ferrenha defensora de projetos que visem desmontar o que ainda resta de proteção para as terras indígenas.
O Senado, por sua vez, tradicionalmente uma casa revisora mais restritiva e que exerce um importante papel de contenção em algumas propostas mais agressivas da Câmara dos Deputados, será composta por um perfil majoritariamente conservador, alinhado com a proposta anti ambiental de Bolsonaro. Isso significa dizer que, mesmo na hipótese de vitória de Lula, estão abertas as portas para a passagem de projetos de lei e emendas constitucionais que podem desfigurar, de forma irreversível, os direitos ambientais presentes na Carta Magna.
O panorama estadual tampouco é promissor. Em Minas Gerais, Zema, notório aliado de mineradoras no estado, foi reeleito já em primeiro turno. Em Roraima, Antonio Denarium, também reeleito em primeiro turno, continuará com sua política de incentivo ao garimpo ilegal em território Yanômami. A exceção ao combo direitista dos governadores eleitos nos estados da Amazônia é a reeleição de Helder Barbalho (MDB) no Pará que contempla um plano de governo com diretrizes e ações para a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
As assembleias legislativas, que devem decidir sobre questões ambientais estaduais, espelham, em larga medida, a divisão entre esquerda e direita do nível federal. A ver, em cada região, como ficará essa disputa já reconhecidamente desequilibrada em matéria ambiental e que prenuncia dias difíceis para as reservas naturais e os biomas sob responsabilidade dos estados.
É bem verdade que a eleição de uma representante do porte de Marina Silva para a Câmara Federal em São Paulo e de duas lideranças indígenas expressivas – Sônia Guajajara e Celia Xacriabá – deve ser comemorada por todos aqueles que desejam a reversão do atual quadro de descalabro ambiental em que nos encontramos. No entanto, não devemos nos enganar – a bancada pró-meio ambiente no Congresso é minoritária e deverá enfrentar dificuldades nos embates legislativos. O mais provável é que o alinhamento entre Arthur Lyra e as bancadas conservadoras seja reeditada, com efeitos potencialmente devastadores para o meio ambiente.
Reza a lenda que, certa feita, o presidente Fernando Henrique Cardoso teria respondido à pergunta de um repórter sobre como estava o Brasil dizendo que o país ia “de mal a menos mal”. Essa tirada sociológica, infelizmente, não é possível de ser repetida quando estamos falando do futuro da política ambiental, pois tudo parece estar indo de mal a pior. Só vamos ter certeza após o próximo dia 30 de outubro.
Agora é esperar pelo segundo turno presidencial. Se Bolsonaro ganhar, conforme já escrevemos em outros espaços, é difícil imaginar o grau de destruição do meio ambiente a que poderemos chegar. Não por acaso, a eleição presidencial de 2022 no Brasil é vista como decisiva para a questão climática por vários especialistas de todo o mundo, especialmente em função da aproximação acelerada do ponto de não retorno da devastação amazônica.