Clara Araújo, Lucas Okado e Marcus Chevitarese
Publicado no Nexo Jornal
Os resultados das eleições para a Câmara dos Deputados e assembleias legislativas sugerem que as pressões das mulheres e as legislações aprovadas entre 2018 e 2022 estão surtindo algum efeito. Conforme mostra o gráfico abaixo, as candidaturas femininas à Câmara dos Deputados cresceram, passando de 32,3% em 2018 para 34,7% em 2022. Já entre as eleitas, embora bem aquém do patamar mínimo desejável de 30% e mais distante ainda da paridade almejada, a tendência de crescimento se manteve. O total de eleitas para a Câmara dos Deputados passou de 77 em 2018 para 91 em 2022, o que corresponde a 17,7% do total de cadeiras da Câmara.
Gráfico 1 – Evolução das Candidaturas e Bancada Feminina (2014 – 2022)
É provável que os ganhos desses segmentos nas duas casas legislativas estejam, também, relacionados com as medidas de ação afirmativa e de aprimoramento das cotas aprovadas, em especial as PECs (Propostas de Emenda à Constituição) 117 e 111. Essas emendas definiram a distribuição mínima de 30% dos recursos para mulheres e pessoas negras, bem como a contagem em dobro dos votos recebidos por estes candidatos para o cálculo da distribuição dos Fundos Eleitoral e Partidário.
Essas medidas ajudam a explicar os resultados, mas uma hipótese adicional, a ser testada em etapa posterior, é que a necessidade dos partidos de cumprirem a cláusula de barreira se articula com os fatores indicados acima e, provavelmente, contribuem para explicar não só o crescimento como também os perfis políticos das candidaturas e sua relação com as chances dos e das eleitas.
Para que pudessem angariar votos e, ao mesmo tempo, cumprir as exigências mencionadas, os partidos tiveram que ampliar o universo de candidatos e investir em candidaturas com potencial de eleição. Candidatos testados nas urnas, seja na forma de reeleição ou possuidores de algum cargo eletivo, por exemplo, integram estes perfis. Embora as mulheres componham também esses cálculos gerais dos partidos, elas tendem a estar em desvantagem, porque ocupam menos cargos eletivos.
As candidaturas com baixo capital político (sem cargo eletivo) são a grande maioria dos concorrentes. Em 2014, representavam 86,9% do total de candidaturas, passando para 88,9% em 2022. Este dado, isolado, não diz muito sobre a chance de serem eleitas. Candidatos com algum capital político se distribuem entre o restante. E sua elegibilidade aumenta de acordo com o nível do cargo eletivo ocupado.
Quando os perfis são desagregados por tipo de capital político e sexo, vê-se que a proporção de mulheres “sem cargos” é sistematicamente maior que a de homens “sem cargos” no período analisado. Dado que a proporção de homens detentores de cargos eletivos é maior, as candidaturas masculinas são proporcionalmente maiores à medida que o cargo cresce de importância política. Candidatos homens correspondem a 6,8%, 5,9% e 54%, respectivamente, ante a 1,3%, 1,6% e 1,5% de candidatas no período analisado. A “reeleição” cresce também entre as mulheres, mas em menor proporção: 3,6 candidatos para uma candidata.
Ultrapassada a etapa de seleção, os investimentos feitos em cada candidatura levam em consideração critérios como o quociente eleitoral, os objetivos dos partidos no cenário eleitoral e o potencial de votos de cada candidato. O sucesso de cada candidatura depende de vários fatores, mas sabe-se que políticos com maior capital eleitoral possuem mais chances de sucesso eleitoral. Ou seja, a chance de sucesso eleitoral de cada candidato é maior à medida que a hierarquia do cargo que ele ocupa cresce.
Considerando as categorias de candidatos sem qualquer cargo, candidatos com outros cargos que não o de deputado estadual ou federal, candidatos ao cargo de deputado federal que são deputados estaduais e candidatos à reeleição nos anos de 2014 a 2022, fica visível a inversão das chances eleitorais, conforme o gráfico abaixo.
Quando os perfis são desagregados por tipo de capital político e sexo, vê-se que a proporção de mulheres “sem cargos” é sistematicamente maior que a de homens “sem cargos” no período analisado. Dado que a proporção de homens detentores de cargos eletivos é maior, as candidaturas masculinas são proporcionalmente maiores à medida que o cargo cresce de importância política. Candidatos homens correspondem a 6,8%, 5,9% e 54%, respectivamente, ante a 1,3%, 1,6% e 1,5% de candidatas no período analisado. A “reeleição” cresce também entre as mulheres, mas em menor proporção: 3,6 candidatos para uma candidata.
Ultrapassada a etapa de seleção, os investimentos feitos em cada candidatura levam em consideração critérios como o quociente eleitoral, os objetivos dos partidos no cenário eleitoral e o potencial de votos de cada candidato. O sucesso de cada candidatura depende de vários fatores, mas sabe-se que políticos com maior capital eleitoral possuem mais chances de sucesso eleitoral. Ou seja, a chance de sucesso eleitoral de cada candidato é maior à medida que a hierarquia do cargo que ele ocupa cresce.
Considerando as categorias de candidatos sem qualquer cargo, candidatos com outros cargos que não o de deputado estadual ou federal, candidatos ao cargo de deputado federal que são deputados estaduais e candidatos à reeleição nos anos de 2014 a 2022, fica visível a inversão das chances eleitorais, conforme o gráfico abaixo.
Como podemos observar, para todo o período analisado, a taxa de sucesso eleitoral é maior conforme aumenta a visibilidade do cargo – quanto mais alta a posição do cargo ocupado na hierarquia política, mais alta a visibilidade de quem o ocupa, pois é maior seu eleitorado potencial (constituency). Enquanto deputados federais que tentam a reeleição possuem taxas de sucesso superiores a 60%, candidatos que não possuem cargos eletivos não atingem 5% de eleitos em nenhuma das três eleições analisadas, indicando que candidatos que possuem maior capital eleitoral possuem mais chances de serem eleitos.
Em quase todos os diferentes tipos de capital político, as taxas de sucesso dos candidatos masculinos são superiores às das candidatas mulheres, principalmente entre aqueles que não possuem cargos eletivos ou que estão concorrendo à reeleição. O sucesso das candidatas femininas é maior entre candidatos à reeleição em 2018. Em 2014 e 2022 comparativamente aos homens tentando reeleição estes tiveram mais sucesso, mas ainda assim, essas taxas de sucesso mantiveram-se no patamar dos 60% de chance.
Entre os ocupantes de mandatos nas assembleias legislativas estaduais que concorreram a deputado federal, em 2014 e 2022 observamos uma maior taxa de sucesso das mulheres, apesar de em 2018 terem apresentado 25% de chances de serem eleitas ante 66,3% dos homens.
As taxas de sucesso entre mulheres, segundo cor (só candidatas autodeclaradas brancas e negras) e tipo de cargos acompanham esse mesmo padrão. No entanto, o padrão de sucesso também repete desigualdades raciais. As mulheres brancas sem cargos eletivos possuem o dobro de chances de serem eleitas em comparação com as mulheres negras, 1,1% e 0,6% respectivamente.
Corroborando a importância do capital político eleitoral, as chances de mulheres negras se elevam mais do que das mulheres brancas quando as candidatas têm algum outro cargo eletivo ou são deputadas estaduais. Neste caso, as chances de sucesso de candidatas negras foram de 9,5% e 44,4%, enquanto as chances das candidatas brancas foram de 5,8% e 43,8%. No entanto, quando se trata de reeleição, as chances das brancas voltam a ser maiores: deputadas negras tiveram 54% mais chances de sucesso ante a 64% das deputadas brancas.
Com efeito, analisando-se as chances de sucesso apenas sob o ângulo do fator “candidaturas testadas” fica claro que esses candidatos têm vantagens comparativas em relação à média dos concorrentes. O tipo de capital político – aqui, o capital político eleitoral que o candidato detém na forma de cargo eletivo – faz diferença nas suas chances de eleição. E faz diferença para as mulheres. Mas como as mulheres historicamente tiveram menos acesso, tenderão a ter essas chances em graus menores do que os homens.
Nas condições particulares de adaptação das regras eleitorais o capital eleitoral parece surgir como bem importante. Investir em carreiras políticas que passem também pela eleição de mulheres para cargos como vereadores, prefeitos e deputados estaduais é estratégico, inclusive quando olhamos quem recebe ou não dinheiro, além de outros recursos eleitorais. No entanto, isso não pode ser apenas uma questão associada à disposição individual das mulheres. Depende, e muito, dos compromissos dos partidos políticos com a igualdade de gênero, que se traduza em investimentos de longo prazo.
Clara Araújo é doutora em ciências sociais e professora do PPCIS/UERJ (Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Lucas Okado é doutor em ciência política e professor do PPGCP/UFPA (Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual do Pará).
Marcus Chevitarese é doutor em ciência política e analista de dados na Câmara dos Deputados.