Daniel Estevão Ramos de Miranda

Publicado no Brasil de Fato

Como ocorreu nas demais eleições pelo país, o resultado das eleições em Mato Grosso do Sul ficou distante do cenário desenhado pelas pesquisas. O ex-governador André Puccinelli (MDB), dado como certo no segundo turno, ficou em terceiro lugar. Foram para o segundo turno Eduardo Riedel (PSDB) e, talvez, a segunda maior surpresa da eleição: o Capitão Contar (PRTB). 

O resultado mais surpreendente, no entanto, foi o de Marquinhos Trad (PSD): em sexto lugar, atrás inclusive de Giselle do PT, que praticamente nunca pontuou mais que 5% em nenhuma pesquisa. Seus aliados e apoiadores, a imprensa e até mesmo seus adversários, consideravam Marquinhos Trad, ex-prefeito de Campo Grande, um concorrente forte na disputa pela segunda vaga para o segundo turno. O eleitorado não.

A vitória do Capitão Contar no primeiro turno pode ser quase inteiramente creditada à força do bolsonarismo no estado. Filiado a um partido minúsculo, sem grandes alianças ou coligações, fez de sua campanha um palanque permanente de promoção da candidatura presidencial de Jair Bolsonaro, que por sua vez estava vinculado oficialmente à candidatura de Eduardo Riedel por meio da coligação do PL com o PSDB no estado. 

Contudo, provocado por Soraya Thronicke (União) no último debate presidencial do primeiro turno (na madrugada do dia 29 para o dia 30 de setembro), Bolsonaro declarou apoio e pediu voto para o Capitão Contar que, sem dúvida nenhuma, foi o candidato mais beneficiado por aquele debate, marcado pelo baixo nível das discussões.

É muito difícil mensurar o quanto tal apoio repercutiu nas preferências eleitorais sul-mato-grossenses, mas tendo em vista a densa e ágil atuação bolsonarista nas redes sociais, não se pode desprezar aquele evento como impulsionador da candidatura de Renan Contar para o segundo turno.

Dado que a eleição presidencial também terá um segundo turno, a estratégia de Contar é a mesma do primeiro: “casar” seu nome e número com os de Bolsonaro, o qual teve pouco mais de 794 mil votos em MS. Contar, por sua vez, obteve aproximadamente 410 mil votos a menos que Bolsonaro. Dado que a correlação entre a votação de Bolsonaro e a de Contar foi altíssima em MS, pode-se supor que a votação do Capitão Contar tende a subir significativamente na medida em que aqueles mais de 400 mil votos dados a Bolsonaro, mas não a Contar, migrem para esse último.

Ciente disso, um dos primeiros movimentos da campanha de Riedel foi justamente o de tentar neutralizar a carona da candidatura Contar nos votos de Bolsonaro. Logo no dia 5 de outubro, a senadora eleita por MS, Tereza Cristina (PP), aliada de primeira hora de Riedel, divulgou um vídeo no qual o presidente Bolsonaro informa que “por um dever de lealdade, do bom ensinamento político, ficaremos neutros em Mato Grosso do Sul neste segundo turno”. Tal declaração confere maior liberdade à campanha de Riedel para associá-lo a Bolsonaro sem ser “desmentido” pelo próprio. 

Além disso, a força de Riedel reside no interior do estado: venceu em 51 municípios (64%), resultado da capilaridade do PSDB (que elegera quase metade dos prefeitos de MS em 2018) e do apoio da máquina estadual, cujo continuísmo representa. Outra frente explorada por Riedel é a da sociedade civil, intensificando visitas e assinaturas de acordo com sindicatos, associações e setores econômicos na expectativa de reverter em votos os apoios e acordos assim feitos. 

Outro cenário de luta é a capital: Campo Grande concentra aproximadamente 1/3 do eleitorado de MS e, nela, Capitão Contar venceu com 26% dos votos, sendo que Riedel ficou em quarto lugar, com 14%. Ou seja, 60% dos votos foram dados a outros candidatos ao governo na capital. Dado que o presidente Bolsonaro teve pouco mais de 54% de votos em Campo Grande, Capitão Contar provavelmente herdará parte daqueles votos. O desafio de Riedel será o de conter este crescimento e consolidar sua força no interior do estado. 

O resultado do primeiro turno em MS foi o mais apertado de sua história, elevando a importância dos apoios no segundo. Até 11 de outubro, Marquinhos Trad e Rose Modesto, que têm um histórico de desavenças com o PSDB, apoiam Contar. O ex-governador e deputado estadual eleito em 2022, Zeca do PT, declarou apoio a Riedel, mas a aliança oficial deste último com Bolsonaro dificulta um apoio partidário mais amplo e formal do PT. Já André Puccinelli não se apressou: informou que só se posicionará após ouvir as lideranças do partido.

O resultado dessa eleição marcará não apenas a capacidade do PSDB de consolidar sua hegemonia em MS (já possui a maior bancada na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados e o maior número de prefeitos no estado), mas também de contribuir para a sobrevivência do PSDB no plano nacional, dado que esse partido vem sendo varrido eleitoralmente do país com a ascensão do bolsonarismo. Sendo assim, o resultado em MS é uma reprodução em menor escala da própria luta fratricida entre correntes distintas da direita brasileira pelas mesmas bases eleitorais.

 

Daniel Estevão Ramos de Miranda é doutor em Ciência Política e professor na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.