As disputas estaduais no cenário da eleição de 2022 importam?
Por Luciana Santana e Marta Mendes da Rocha *
Publicado na Revista Nordeste
Este ano os eleitores brasileiros terão a oportunidade de dar cinco votos e escolher representantes para ocupar o cargo de presidente, governadores(as), senadores(as), deputados e deputadas estaduais e federais. Com exceção da escolha do presidente que se dá em um único distrito eleitoral correspondente a todo o país, nos demais casos os distritos são os estados da federação. O fato de que as eleições brasileiras são casadas e que representantes do Executivo e do Legislativo em nível nacional e estadual são escolhidos ao mesmo tempo produz impactos sobre o processo eleitoral, as preferências dos eleitores e as estratégias das elites políticas nacionais, regionais e locais. Por isso é importante analisar o processo e seus resultados a partir das clivagens regionais.
As grandes heterogeneidades sociodemográficas, econômicas, culturais e políticas que marcam o país fazem com que a competição eleitoral assuma diferentes contornos em diferentes regiões. Por outro lado, as eleições estaduais, para governador e deputados estaduais, estão fortemente conectadas às nacionais.
A “presidencialização” ou nacionalização das disputas estaduais
Desde 1994 as eleições passaram a ser casadas. Isso acabou fomentando um processo de “presidencialização” ou nacionalização da competição eleitoral em vários colégios eleitorais. Isso ocorre quando partidos e candidatos movimentam-se de modo a articular e coordenar suas estratégias nos dois níveis, de modo a otimizar os recursos de campanha e a assegurar o maior retorno eleitoral possível.
Os presidenciáveis buscam assegurar palanques nos estados e garantir o apoio dos candidatos ao Governo e ao Legislativo como cabos eleitorais estratégicos para atingir êxito eleitoral. Desta forma, o que normalmente ocorre é que as candidaturas aos governos estaduais buscam associar a sua imagem aos candidatos que se apresentam como os mais competitivos à Presidência, como uma forma de fazer emplacar sua própria candidatura no estado. Em qualquer uma das direções, há evidências de que candidatos que contam com boa aprovação popular podem transferir parte de sua popularidade para seus aliados. A costura das alianças, contudo, é cercada de complexidades uma vez que candidatos e partidos se diferenciam em relação às suas preferências por priorizar a arena nacional ou a estadual, e também porque o histórico de competição no estado pode limitar as possibilidades de alianças.
Embora possa ser desejável para uma candidatura a presidente que seu partido lance o máximo possível de candidaturas próprias para o pleito majoritário nos estados, nem sempre isso é possível. Em alguns casos, seu partido pode ser obrigado a abrir mão da cabeça-de-chapa da candidatura ou a apoiar algum candidato de outro partido ao governo estadual. Há, ainda, situações em que nenhum consenso é possível, resultando em um quadro de sobreposição de candidaturas em um mesmo campo ideológico e fragmentação de votos.
A competição política nacional e sua influência nos palanques estaduais
As eleições deste ano não serão diferentes e já estão sendo desenhadas dentro deste processo de nacionalização da competição política na maioria dos estados brasileiros. Desde que as pré-candidaturas foram divulgadas, é possível observar a movimentação de candidatos à Presidência da República na construção de palanques estaduais. O que mais tem chamado a atenção, no entanto, é que esse processo de nacionalização está centrado nas duas principais candidaturas, segundo as pesquisas de opinião, a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL).
À frente nas pesquisas, Lula tem a seu favor, como facilitador para atrair aliados e aliadas nos estados, a memória da população em relação à boa avaliação de seus governos (2003-2010), quando contou com altos índices de aprovação, e uma significativa e consolidada vantagem no Nordeste. Além disso, pode voltar a vencer a eleição em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, o que não ocorria desde 2014, e eleger, pela primeira vez, o governador do Estado.
Bolsonaro também tem se articulado e buscado atrair aliados, diferentemente do que fez em 2018 quando concorreu por um partido até então de pouca expressão, o Partido SociaL Liberal (PSL). A opção por disputar a eleição deste ano pelo Partido Liberal (PL), um partido consolidado, garante ao presidente a estrutura organizativa que ele não possuía na eleição anterior. Entre as dificuldades que Bolsonaro encontra na consolidação dos palanques estaduais está o histórico de confrontos com os governadores ao longo de todo o seu mandato como presidente, com maior tensionamento no início da pandemia quando os chefes dos executivos estaduais adotaram medidas importantes no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Além disso, os conflitos com os demais poderes e os ataques a outras instituições, especialmente à Justiça Eleitoral, a rejeição do governo nas pesquisas eleitorais, o aumento da desigualdade no país e da concentração de renda, a alta inflação, dentre outros, são aspectos que dificultam a atração de aliados e aliadas nos estados.
As dinâmicas estaduais e a importância para a eleição deste ano.
Os movimentos das elites políticas regionais e nacionais não ocorrem no vazio, e é importante considerar o contexto da competição política nos diversos estados e regiões do país. A extensão territorial do país ao lado das grandes disparidades inter e intrarregionais criam um quadro complexo no qual diferentes questões adquirem especial saliência dependendo da região.
Fica claro que a dinâmica estadual e regional importa. Para além das articulações envolvendo diferentes atores nos vários níveis da política brasileira, há que se considerar a importância em si das eleições estaduais. Uma das características do federalismo é a dispersão de poder verticalmente. Ele favorece a tradução política e institucional da diversidade que marca a sociedade brasileira. Ainda que as eleições estaduais e nacionais tendam a se afetar mutuamente, não podemos desconsiderar que há espaço para que questões da agenda estadual ou regional – como a segurança pública no Rio de Janeiro, o desmatamento na Região Amazônica, a especulação imobiliária nas grandes metrópoles do Sul e do Sudeste, o desempenho dos atuais governadores no combate à pandemia – adquiram saliência na definição das preferências dos eleitores e das estratégias dos candidatos, candidatas e partidos.
Nos próximos dias teremos a definição e o registro das candidaturas para todos os cargos em disputa. Estaremos diante de um prato cheio de dados, informações e episódios para acompanhar. Nossas análises estão apenas começando.
* Luciana Santana é professora na Universidade Federal de Alagoas e do PPGCP da UFPI. Mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Universidade de Salamanca. Líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da regional Nordeste da ABCP..
* Marta Mendes da Rocha É professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, onde coordena o Núcleo de Estudos sobre Política Local (NEPOL). Doutora em Ciência Política pela UFMG. Foi pesquisadora visitante na University of Texas at Austin. Webpage: martamrocha.com