Flávia Biroli, Marlise Matos e Breno Cypriano*
Publicado no Congresso em Foco
Em 2022, as mulheres são 35% das pessoas que se candidataram à Câmara dos Deputados, um aumento tímido em relação aos 32% de 2018 e 29% de 2014. As mulheres negras, o grupo demográfico mais numeroso no país, seguem minoria na política e é entre as mulheres pretas que o percentual de candidaturas mais aumentou: de 3% em 2014, passaram a ser 4% em 2018 e, em 2022, são 6% das candidaturas ao legislativo federal. É preciso fiscalizar o cumprimento, pelos partidos, da legislação que, desde 2018, determina um mínimo de 30% do fundo eleitoral partidário para as candidaturas de mulheres e garante isonomia para as candidaturas negras.
Ao mesmo tempo, a violência política não pode comprometer a cidadania política e mesmo a vida das mulheres, chamando a um compromisso coletivo com a democracia, com investigação e punição dos culpados, nos termos da legislação específica existente desde 2021. Com apoio dos partidos e mais segurança, é possível que se ampliem as taxas de sucesso eleitoral, que têm sido baixas entre as mulheres: 3% em 2014 e 2018, contra 11% e 8% no caso dos homens, nos mesmos pleitos. Esse é o quadro geral em que as mulheres concorrem.
Mas quem são as mulheres candidatas? Seu perfil tem se modificado ao longo dos anos? Para responder a essas perguntas, verificamos os registros de candidaturas observando idade, conjugalidade e escolaridade. A média de idade das pessoas que concorrem à Câmara dos Deputados tem aumentado nos últimos pleitos. A diferença entre mulheres e homens fica em torno de 3 pontos percentuais, com um leve aumento nessas eleições. Em 2014, a idade média delas era de 45,5 anos, a deles de 48,8. Em 2018 e 2022, ela foi, respectivamente, de 46,4 e 46,9 anos no caso delas e de 48,9 e 50 anos no caso deles. As médias de idade das candidaturas de mulheres e homens negros em todos os pleitos foram menores do que as candidaturas de mulheres e homens brancos. Cabe destacar uma tendência na série temporal de aumento nessa diferença: entre as mulheres, de 2014 a 2022 vai de 0,27 para 1,52 anos, enquanto entre os homens passa de 1,28 para 2,42 anos. Quando observamos apenas as candidaturas à reeleição, a idade média em geral se eleva, mas a delas foi levemente superior a deles em 2014 e 2018, algo que se inverteu em 2022, em que eles têm em média de 53,3 e elas de 51,7 anos.
Quando observamos conjugalidade, os perfis são mais diferenciados em termos de gênero do que por idade.
As mulheres que disputam uma vaga na Câmara dos Deputados são predominantemente solteiras, enquanto os homens predominantemente casados. Entre as que disputaram eleições em 2014, 39% eram casadas. Esse percentual subiu para 41,2% em 2018 e voltou a 39% em 2022. Entre eles, houve leve queda no percentual de casados, mas permanecem os 20 pontos percentuais acima do delas: 63,3% de candidatos homens eram casados em 2014, 61% em 2018 e 59,5% em 2022. O percentual de candidatas mulheres divorciadas e separadas judicialmente, por sua vez, se ampliou nesse período, partindo de 15,8% e 15,5% em 2014 e 2018, para chegar a 18,3% em 2022. Entre eles, esses percentuais são mais baixos e mais estáveis, ficando próximos a 12% em todas as eleições. Entre as pessoas que buscam a reeleição, o percentual de casados aumenta, chegando a 74% entre os homens e 49,2% entre as mulheres, em 2022. Chama a atenção, no entanto, que entre os homens que buscam reeleger-se, o percentual de divorciados e separados se mantenha estável em 2022, reduzindo-se o percentual de solteiros. Já no caso delas, o percentual de divorciadas e separadas foi dos 18,3% mencionados acima para 20,6%.
O perfil conjugal não é, no entanto, homogêneo entre as mulheres. Entre as candidatas brancas, em 2022, 41,2% são mulheres casadas, 21,6% divorciadas e separadas e 32,7% solteiras. Já as mulheres negras têm mais concentração de solteiras (43,6%) e menos de casadas e divorciadas ou separadas (37,1% e 15,4%, respectivamente). Se tomamos os estudos e dados disponíveis sobre divisão sexual do trabalho e usos do tempo, podemos levantar como hipótese que a sobrecarga de trabalho assumida pelas mulheres com o casamento, em especial quando elas têm filhos, é um obstáculo adicional para a sua participação na política, sem que o mesmo aconteça para os homens. Códigos culturais de natureza patriarcal podem também se traduzir em maior apoio familiar para eles, quando decidem trilhar a carreira política.
Por fim, analisamos o perfil de gênero e raça em termos de escolaridade. Na população brasileira, as mulheres hoje têm níveis de educação formal superiores aos homens. Apesar disso, entre as candidaturas ao cargo de deputado federal, elas se apresentam com níveis médios de instrução levemente menores que os deles, nos três pleitos considerados. Em 2014, 44,7% das mulheres e 53,9% dos homens tinham nível superior completo. Em 2018, o percentual de pessoas com superior completo aumenta e a diferença entre o contingente de mulheres e de homens candidatos com esse nível de instrução diminuiu um pouco: com 50,3% e 57,2% com superior completo. Já em 2022, o percentual de mulheres candidatas que completaram a universidade ficou bem próximo ao de candidatos, sendo 57,8% no caso delas e 58,6% no deles.
Se, entre as candidaturas em geral, o percentual de pessoas com ensino superior é mais do que o dobro daquele da população brasileira, quando observamos apenas as candidaturas à reeleição, dois aspectos chamam a atenção. Em primeiro lugar, a fatia de candidaturas com nível superior completo salta para a casa dos 80% para elas e para eles. Em segundo, em 2022, o percentual de mulheres candidatas à reeleição com ensino superior completo foi maior que o deles, sendo de 90,5% para elas, contra 81,7% para eles. Tal elevação pode indicar que para manter-se na carreira política elas precisam contar com maior qualificação (e, se pensamos na educação como um indicador de posição socioeconômica, também renda), num patamar mais elevado do o deles.
Mas a questão racial é fundamental aqui. A diferença de pontos percentuais de candidaturas com ensino superior completo é de 15,2 entre as mulheres brancas e negras, em favor das primeiras, e de 17,1 entre os homens brancos e negros, também explicitando o acesso maior dos brancos aos níveis mais altos de instrução.
As diferenças de gênero e raça aparecem mais acentuadamente quando se trata de candidaturas à reeleição que são, em geral, de pessoas mais velhas, geralmente casadas e, sendo mulheres, mais escolarizadas; revela-se, assim, o perfil predominante do provável parlamento que virá a se constituir. O problema está no afunilamento que leva às formas atuais de sub e sobrerrepresentação.
Flávia Biroli é doutora em História pela Unicamp (2003). É professora do Instituto de Ciência Política da UnB, pesquisadora do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (2018-20). É autora, entre outros, de Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil (Boitempo, 2018) e Gênero, neoconservadorismo e democracia (com Maria das Dores C. Machado e Juan Vaggione, Boitempo, 2020).
Marlise Matos é professora associada de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM) e do Centro do Interesse Feminista e de Gênero (CIFG) da UFMG. Co-presidenta do RC32 Gênero e Sociedade da Associação Internacional de Sociologia (ISA) 2022/2023.
Breno Cypriano é doutor em Ciência Política pela UFMG, pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM) e associado à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política.