Glauco Peres da Silva
Jornal GGN
No momento em que o país se organiza para a disputa do segundo turno na eleição presidencial e para governadores em algumas unidades federativas, já é possível identificar alguns padrões no resultado da disputa de primeiro turno em alguns estados. Em São Paulo, em particular, emerge das urnas uma perspectiva que pode servir de parâmetro para avaliar a configuração do sistema eleitoral nacional nos próximos anos.
Isto pode ser identificado pela grande novidade: a derrota do PSDB na disputa pelo governo do estado. Na continuidade mais longeva do país, a sigla permaneceu vitoriosa desde 1994 no comando do estado e agora não conseguiu sequer disputar o segundo turno. Na tabela a seguir, vemos o resultado do primeiro turno em 2018 e em 2022.
A votação do PSDB se reduz em um terço, caindo para 18,4% dos votos válidos em 2022. O partido passa a compor a terceira força no estado. Para o segundo turno, passam o representante de um novo eleitorado à direita, o ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), com 42,3% dos votos válidos, e o ex-prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), com 35,7%.
É interessante notar que este arranjo mostra três forças políticas que se posicionam distintamente no espectro político. Eleitoralmente, o PT é o partido que organiza o campo da esquerda. Desde as disputas presidenciais dos anos 1990, o partido se consolidou como a alternativa eleitoralmente viável para as disputas majoritárias no país. A votação obtida por Haddad indica essa permanência, mesmo após o período turbulento atravessado pela legenda nos últimos dez anos. Por outro lado, a direita tem encontrado um eleitorado que, ao menos nas duas últimas eleições nacionais, auto define-se como de direita e tem votado de acordo. Na eleição para governador em São Paulo em 2018 ainda não estava claro qual era esse candidato identificado com esse campo e foi Dória quem tirou proveito. Agora em 2022, o movimento liderado pelo presidente Bolsonaro permitiu que o neófito na política, Tarcísio de Freitas, alcançasse uma marca expressiva na eleição deste ano: venceu o primeiro turno com expressiva votação. Mesmo sem haver um partido que organize eleitoralmente o campo, a direita parece ter encontrado um eleitorado alinhado e que está para além da associação fácil à figura do atual presidente.
Já o centro é hoje ocupado pelo PSDB. Obtendo um resultado muito inferior ao tradicional, o partido tem diante de si um espaço mais claro eleitoralmente em que agora não é apenas o contendor do PT, mas pode se identificar como um partido de centro, posição com a qual está associada sua atuação no Congresso Nacional já há algum tempo. Neste sentido, o sistema partidário paulista com três forças claras pode ser o prenúncio de uma configuração que se reproduzirá nacionalmente. Porém, outros partidos povoam estes espaços e será preciso alguns esforços de aproximação, como já visto em outros estados, como a ocorrida entre MDB e PSDB no Rio Grande do Sul, por exemplo.
Estes movimentos serão reforçados pelas novas regras eleitorais que provocaram redução do número de partidos. Na disputa para o cargo de deputado federal por São Paulo, a tabela mostra esta mudança de maneira clara.
Em 2018, o número de partidos efetivos era de 12,8 e foi reduzido para 8,2 neste ano. Se as duas maiores bancadas agora são das siglas que disputam a eleição majoritária do estado, a federação da qual o PSDB faz parte obteve um resultado pouco pior do que em 2018. Isto sugere que para permanecer como a força de centro, o partido precisará de esforços. Chama a atenção o aumento da bancada de uma sigla à direita: em 2018, o PSL provocou uma avalanche de novos nomes com o discurso antissistema; e agora a bancada apoiada pelo atual presidente obteve expressiva marca de 17 cadeiras (24,3%) no estado. Novamente, nota-se a capacidade de mobilização deste eleitorado, ainda que carente de um partido que reduza as alternativas à sua disposição. Junto com a federação a qual integra, o PT obteve 40% dos representantes de São Paulo na Câmara dos Deputados, sinalizando a concentração das forças eleitorais que se posicionam coordenadamente no espectro ideológico.
Comportamento ainda mais claro ocorre na Assembleia Legislativa estadual. A tabela a seguir mostra os resultados.
As três forças mencionadas obtiveram juntas 42,4% dos votos, equivalente a 52,1% das cadeiras. A ordem permanece a mesma: a direita à frente, seguida pela esquerda, com o centro na terceira posição. A concentração do número de partidos – de 13,4 para 8,2 partidos efetivos entre 2018 e 2022 – possibilita que esta organização ocorra.
Porém, sabemos que estes efeitos dependem em última instância da disputa para a eleição presidencial. O que ocorre nestas disputas mencionadas estará associado à organização provocada pelo arranjo em torno do prêmio maior da política nacional. Neste sentido, é necessário observar como se deu a disputa eleitoral para presidente em São Paulo. A tabela a seguir mostra a votação das principais forças em 2018 e em 2022.
As três forças mencionadas obtiveram juntas 42,4% dos votos, equivalente a 52,1% das cadeiras. A ordem permanece a mesma: a direita à frente, seguida pela esquerda, com o centro na terceira posição. A concentração do número de partidos – de 13,4 para 8,2 partidos efetivos entre 2018 e 2022 – possibilita que esta organização ocorra.
Porém, sabemos que estes efeitos dependem em última instância da disputa para a eleição presidencial. O que ocorre nestas disputas mencionadas estará associado à organização provocada pelo arranjo em torno do prêmio maior da política nacional. Neste sentido, é necessário observar como se deu a disputa eleitoral para presidente em São Paulo. A tabela a seguir mostra a votação das principais forças em 2018 e em 2022.
No campo à direita, Bolsonaro vence nos dois pleitos. O número de votos é similar, mas representam porcentagens distintas. A esquerda é liderada pelo PT em ambos os pleitos. Já o centro foi ocupado pelo MDB. Ainda que com uma candidatura mais próxima à pauta da centro-direita, foi o MDB que conseguiu organizar-se para apresentar uma candidatura que emergiu tarde para tornar-se uma alternativa de fato viável.
Estes resultados são, evidentemente, circunstanciais. Ainda que seja o maior colégio eleitoral do país, a organização do sistema depende de muitas outras variáveis e considerações. A disputa eleitoral em São Paulo mostra a manutenção do PT como a alternativa eleitoral à esquerda; a ascensão e permanência de um eleitorado à direita, ainda sem um partido de referência que o guie; e PSDB e MDB como partidos ao centro que podem se aproximar para ocupar com maior clareza o espaço que os analistas já atribuem a eles. A redução do número de partidos contribui para que possamos acompanhar melhor esta movimentação das siglas e seus acordos. Vamos acompanhar a evolução do sistema partidário nas próximas disputas.
Glauco Peres da Silva é mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas-SP (2009). É professor livre-docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.