por Alexandre Arns Gonzales
Alexandre Arns, Helena Martins e Maria Alice S. Ferreira
Publicado no GGN
A pandemia de coronavírus e a corrupção foram os principais temas que marcaram o primeiro debate do segundo turno entre os candidatos à Presidência da República no domingo, 16 de outubro. O debate foi promovido por um pool de veículos – Band, jornal Folha de S. Paulo, portal Uol e bateu recorde de audiência. Além dos dois temas que apareceram entre os candidatos e os internautas com mais força, há destaque também para o assunto “pedofilia” e “pintou um clima”, a partir do vídeo de Jair Bolsonaro relatando, em entrevista, um episódio com meninas venezuelans. Sem contar também a avalanche de desinformação que circuou durante o debate, especialmente levada à cena pelo candidato Jair Bolsonaro. Um resumo desse conjunto foi apresentado por Jair Bolsonaro nos minutos (quase seis) que o atual presidente teve para falar, sozinho, no penúltimo bloco do debate. Naquele momento, Jair Bolsoanro desfilou o cabedal de fake news que já inunda as redes sociais, como fechamento de templos, proposição de banheiro unissex, menção a grupos criminosos e avaliações enviesadas sobre a política internacional latino-americana, sem que houvesse a possibilidade de checagem.
Na TV, a audiência da Band ultrapassou a da Record e chegou a se aproximar da audiência da Globo, especialmente na segunda metade do debate.
Com muito engajamento nas redes, o debate na Band foi apontado como a live jornalística com mais visualizações no YouTube no Brasil, segundo anunciou a emissora. No Twitter, foram mais de 670 mil mensagens com a #DebatenaBand até 22h15.
Bolsonaristas demoram a se engajar nas redes
Pressionado por dias de críticas sobre possível caso de pedofolia de Bolsonaro, o campo bolsonarista demorou a começar a se engajar no debate. Durante o primeiro e o segundo blocos, em que Lula teve melhor participação, o campo dadireita tentou dar vazão às falas de Bolsonaro. Nikolas Ferreira, o deputado federal mais votado do país, por Minas Gerais, teve mais reações em um tweet em que critica o que seria o uso político das mortes da esposa de Lula e de sua sogra e também mobilizou suas redes ao comentar o sorriso de Lula. A a postagem com a fala de Jair Bolsonaro saudando, ironicamente, a jornalista Vera Magalhães, teve ampla repercussão Perto do fim do debate, refletindo a expectativa em torno do tempo livre para Bolsonaro falar, depois de Lula ter esgotado o seu tempo, críticas a falas com palavras equivocadas de Lula mobilizaram as redes, culminando com post tentando subir a hashtag #LulaVergonhaNacional.
No campo lulista, André Janones engajou os internautas com informações de bastidores, especialmente com uma foto de Sérgio Moro e Jair Bolsonaro no estúdio, e fazendo alusões à estratégia do debate. O deputado também trouxe à tona a questão da pedofilia, comentando que Lula estava com um broche que é símbolo de campanha contra a exploração sexual infantil. O post com maior adesão de Janones referia-se a Bolsonaro como miliciano.
“Covid” foi o mais comentado do debate
Carla Zambelli,deputada federal reeleita e uma das principais apoiadoras de Jair Bolsonaro, utilizou a estratégia de contagiar seus seguidores com um certo clima de entusiasmo e otimismo durante o debate. A deputada publicou memes com o rosto de Lula, vídeos de luta e vídeos editados do próprio debate para passar a mensagem de que Bolsonaro havia se saído muito melhor do que Lula. Além disso, a deputada também publicou um gráfico sobre o desmatamento (citado por Bolsonaro durante o debate) fazendo comparações. Esse dado, porém, foi contestado pelo Observatório do Clima.
Alexandre Frota, ex-aliado de Bolsonaro, também utilizou memes e vídeos com trechos do debate em seu feed. Frota, no entanto, publicou vários tuítes desmentindo informações ditas por Jair Bolsonaro durante o debate, como os dados sobre o desmatamento e a afirmação de que ele, Bolsonaro, não seria o “pai” do orçamento secreto.
O Google Trends, na véspera do debate, apontava que as principais buscas relacionadas ao termo “Bolsonaro” nas últimas 24 horas eram “bolsonaro pintou um clima” e “bolsonaro pedófilo”, em razão da repercussão de um vídeo com sua fala, em entrevista a um podcast, dizendo que “pintou um clima” entre ele e “umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos”. Com relação ao termo “Lula”, nas últimas 24 horas após o debate, as principais buscas relacionadas eram “mané garrincha” e “mané garrincha posse Lula”. A busca por esses termos leva, como primeiro resultado, um tuíte de Roger Rocha, que criticava o fato de o Google apresentar, como programação de atividades no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, uma festa pela posse de Lula.
Com relação às buscas no YouTube, o Google Trends apresentou um padrão similar ao Google com relação ao termo “Bolsonaro”. No YouTube, as principais buscas relacionadas ao termo “Bolsonaro” nas 24 horas anteriores ao debate eram “vídeo bolsonaro pintando um clima” e “bolsonaro falando que pintou um clima”. Em contrapartida, as buscas relacionadas a “Lula” no YouTube eram “lula beija criança” e “lula pedófilo”.
Após o debate, nas 24 horas posteriores, as principais buscas relacionadas a “Bolsonaro” e “Lula” padronizaram, segundo o Google Trends. No Google, relacionadas a “Bolsonaro”, predominaram buscas por “desmatamento governo lula e bolsonaro”, “desmatamento jair bolsonaro”; relacionadas a “Lula” predominaram “desmatamento 2003 e 2006” e “desmatamento da amazônia governo lula”. No Youtube, as buscas eram sobre o próprio debate; relacionadas a “Bolsonaro” foram “debate lula e bolsonaro na band ao vivo” e “debate lula e bolsonaro ao vivo”, e relacionadas a “Lula” foram “debate lula e bolsonaro 16/10” e “debate lula e bolsonaro na band ao vivo”.
Alexandre Arns é pesquisador colaborador do Instituto de Ciência Política da UnB, doutor e mestre em Ciência Política
Helena Martins é doutora em Comunicação pela UnB, professora da Universidade Federal do Ceará
Maria Alice S. Ferreira é pesquisadora do INCT IDDC. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.
por Alexandre Arns Gonzales
Helena Martins, Eduardo Barbabela, Thayla Souza, Alexandre Arns Gonzales*
Publicado no Congresso em Foco
O relato de Jair Bolsonaro de que “pintou um clima” entre ele e garotas venezuelanas, as quais o presidente associou à prostituição, repercutiu em diversas esferas. A situação fez Bolsonaro gravar uma live na madrugada de domingo, depois um vídeo, ao lado de Michele Bolsonaro, sobre o tema. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão polêmica por vetar menção à fala do presidente por parte da campanha de Lula, o que impediu o candidato de trazer a polêmica à tona no debate da Band abertamente. Nas redes, André Janones comemorou a repercussão, que pareceu conter ataques bolsonaristas. O Observatório das Eleições monitorou as menções ao caso no Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, bem como em grupos bolsonaristas no WhatsApp, a fim de averiguar se o tema furou a bolha, o que poderia ampliar a rejeição de Bolsonaro nesta apertada reta final.
Foram monitoradas as conversas sobre o tema entre os dias 14 (sexta-feira) e 18 (terça-feira). Para tanto, buscamos menções a: “pedofilia”, “pedófilo”, “meninas venezuelanas”, “pintou um clima” e “assédio”. Os dados apontam que o tema gerou repercussão. A discussão foi bem mais frequente nas redes do campo lulista, mas também alcançou o bolsonarista, forçando-o a responder. O campo bolsonarista tende a não replicar conteúdos críticos ao candidato, como é evidente no caso dos grupos de WhatsApp, mas, neste caso, não foi possível silenciar nas redes abertas.
No Twitter, foram 1.048.576 mensagens sobre o tema, entre postagens únicas e replicações. Os maiores números de reações e compartilhamento foram registrados nas postagens de Felipe Neto, Jones Manoel, Janja Lula, Marina Silva, Maurício Ricardo e Levi Kaique, todos críticos à fala de Bolsonaro. O único comentarista de direita que ganhou destaque foi o próprio filho Carlos Bolsonaro, com o compartilhamento de um vídeo, acompanhado da frase “Meninas venezuelanas: compartilhe e restabeleça a verdade diante da simples verdade!”, o que mostra que o bolsonarismo teve que ser reativo em relação ao tema.
No Instagram, o campo que está apoiando o ex-presidente Lula predominou com larga vantagem. Das dez postagens que mais repercutiram, oito foram associadas a críticas a Bolsonaro (das páginas e perfis Quebrando Tabu, Mídia Ninja, Guilherme Boulos, Seremos Resistência e Manuela D’Ávila), uma jornalística (Folha de S. Paulo) e uma bolsonarista (Pedro Delfino). Quando somadas, as interações das páginas monitoradas, foram 943.078 lulistas, 88.103 bolsonaristas e 81.442 em veículos noticiosos. A diferença dos números indica que o campo lulista falou bem mais sobre o assunto, mas que ele teve repercussão, ainda que menos expressiva, fora dessa bolha.
Outra rede em que o bolsonarismo não levou vantagem foi o YouTube, no qual 268 contas trataram sobre o tema. O número de visualizações foi de quase vinte milhões. O total de engajamento ultrapassou 1,3 milhões de interações. Canais jornalísticos tiveram maior projeção, como mostra a tabela abaixo:
Das dez publicações com maior engajamento, temos vídeos veiculados pelo Portal do José, TV 247, Rádio Band News (com comentário crítico de Reinaldo Azevedo) e UOL. Houve, portanto, prevalência de conteúdos vinculados ao campo lulista ou de grupos de comunicação que criticaram a fala do presidente. Dos associados ao bolsonarismo, os canais pertencentes ao youtuber OiLuiz TV e ao programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, tiveram ampla repercussão.
Confirmando a presença maior da direita no Facebook, o que este Observatório já demonstrou em outros momentos da eleição, foi nessa única rede que o bolsonarismo teve protagonismo. Foram registradas 1,4 milhão de menções. A página “Desmascarando” teve o maior número de interações: 99.360. Crítica a Bolsonaro, ela se apresenta como de comentário político, tendo linguagem simples, de tom exagerado e com recursos de edição típicos da internet. O político bolsonarista Vagner Nagelstein aparece em segundo lugar, com 97.917 interações em postagens que buscam mostrar que a fala de Bolsonaro teria sido editada. A projeção e a diferença das duas contas expressam a polarização em torno do tema no Facebook. Considerando as dez principais páginas, foram 578.423 interações, sendo que o campo lulista interagiu menos (178.032) que o bolsonarista (274.578), porém mais do que as páginas de sites noticiosos (125.813). Se nos determos às dez publicações com maior número de interações no Facebook sobre o tema, a distância se torna ainda maior: são três páginas lulistas (156.773) contra sete bolsonaristas (298.449).
Outro espaço de projeção do bolsonarismo foi o buscador do Google. No domingo, às vésperas do debate, as tendências de busca no YouTube associadas ao Lula foram “Lula beija criança” e “Lula pedófilo”. Ao Bolsonaro são “vídeo Bolsonaro pintando um clima” e “Bolsonaro falando que pintou um clima”. Como o gráfico abaixo mostra, as buscas associando Lula a problemas tiveram picos maiores, no domingo, do que as que trataram do fato informado pelo próprio Bolsonaro, mas o volume geral de buscas associando ambos foi equivalente.
As pesquisas mais frequentes sobre a Lula e a Bolsonaro são expostas a seguir.
O que vemos é que houve uma tentativa de relacionar Lula ao que na verdade estava posto para Bolsonaro, uma estratégia que teve sucesso, dada a presença de temas que não estavam na pauta nas buscas. Não obstante, as buscas sobre Lulas foram mais diversas, ao passo que Bolsonaro foi completamente vinculado ao possível caso de pedofilia.
Quase impenetráveis, os grupos bolsonaristas no WhatsApp não deram destaque ao tema, ao contrário. Monitoramento do Farol Digital, grupo da UFC parceiro do Observatório das Eleições, revela que, entre 00:00 do dia 14 e 11:00 do dia 18, 183 mensagens de um universo de 17.774 mensagens contendo texto trataram do assunto. Não são consideradas aqui as mensagens apenas com mídia (vídeo, áudio). Elas foram enviadas por 107 números distintos, sendo distribuídas em 72 grupos. O pico das menções foi no domingo, 17, depois o assunto foi praticamente inexistente nos grupos.
Essa situação é indicativa de como os grupos de WhatsApp, por serem mais fechados, são importantes para manter a circulação de informações mais controlada, mantendo os adeptos encerrados em discursos que reiteram seus posicionamentos. Isso ocorre nas redes sociais, por força da mediação algorítmica que resulta na conformação de bolhas, mas nelas há zonas de intersecção ou, como no caso de Jair Bolsonaro e Carlos Bolsonaro, a necessidade de tratar de um tema que inegavelmente ganhou merecida dimensão pública.
Importa ter em vista que furar a bolha não significa ganhar votos. O levantamento mais recente do Datafolha já capta o debate da Band e o episódio da pedofilia, bem como outros casos que ganharam repercussão, como a participação de Bolsonaro e seus apoiadores em Aparecida e no Círio de Nazaré. Como a pesquisa mostra, apesar de tudo isso, não houve variações significativas nas intenções de votos. As poucas mudanças levaram à ampliação da margem de Bolsonaro, que tem mobilizado recursos públicos em prol de sua eleição, por meio de diversas políticas. Assim, a mobilização em torno do tema parece funcionar como uma barreira de contenção para mais ações de desinformação por parte do bolsonarismo, que teve que suspender a artilharia para dar respostas.
*Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.
Eduardo Barbabela é pesquisador do Manchetômetro e do Observatório das Eleições 2022. Doutor em Ciência Política pelo IESP UERJ.
Thayla Souza é graduada em Ciência Política pela UnB e pesquisadora bolsista do Observatório das Eleições 2022 em parceria com o Instituto de Ciência Política (IPOL-UnB).
Alexandre Arns Gonzales é bolsista de pós-doutorado pesquisador colaborador do Instituto de Ciência Política (IPOL) da Universidade de Brasília.
por Alexandre Arns Gonzales
Alexandre Arns Gonzales e Amanda Barcelos Mota *
Publicado no Brasil de Fato
A religião foi um instrumento de mobilização do bolsonarismo para o 7 de setembro de 2022. O monitoramento do Facebook foi realizado pela equipe do Observatório das Eleições e identificou ao menos dois tipos de conteúdos que mais produziram interações em torno da data.
Um enfatiza a importância da mobilização cívica da data para demonstrar a força social de Jair Bolsonaro e denunciar a teoria conspiratória de que ele é perseguido pela imprensa e pelo Poder Judiciário – STF e TSE. O outro interpreta o passado do país a partir do culto e da valorização da exploração colonial cristã portuguesa no Brasil.
Sobre a importância da mobilização cívica, as publicações que se sobressaíram, em termos de engajamento, foram de contas de figuras políticas do bolsonarismo, com destaque para a deputada federal Carla Zambelli e o próprio Jair Bolsonaro. Essas contas compartilharam vídeos de crianças de colégios públicos cantando o hino da independência e marchando ao som de banda militar. A página de Jair M. Bolsonaro se destacou com uma publicação, no dia 30 de agosto, trazendo uma mensagem breve dizendo que a data é “de todos os brasileiros” e serve para “relembrar nossa independência e renovar nossa luta pela liberdade!”.
A publicação de mais destaque da deputada Carla Zambelli foi publicada no dia 6 de agosto e trata a data de mobilização como uma demonstração de força de Bolsonaro contra ministros do STF. A conta publicou um vídeo da própria deputada em entrevista para algum podcast, em que afirma que a mobilização servirá para “mostrar pro mundo que a imprensa tá mentindo, que as pesquisas estão mentindo”.
Sobre a valorização da colonização cristã, as publicações com maior engajamento foram de contas que já tinham um histórico de publicações dedicadas ao tema da religião. Convém salientar que, embora essas contas tenham realizado chamados para participação no 7 de setembro, as taxas de engajamento das convocatórias foram menores do que as de seus conteúdos tradicionais. O histórico de publicações dessas contas contempla temas, assuntos e questões como reprodução de trechos de discursos de pastores durante cultos, defesa da heteronormatividade, supostos relatos pessoas que se converteram à fé cristã ou convites para realização de uma determinada oração “contra inveja”.
Contudo, em algumas das publicações religiosas em que não há explicitamente convocação para a data da independência, há um enlace entre a religiosidade e o aspecto político. Essas publicações são vídeos de apresentações de músicas gospel com participação da Michelle Bolsonaro ou uma música carregada de elementos de valorização patriótica.
Por fim, o tipo de conteúdo que se sobressaiu na véspera do 7 de setembro e que, de modo mais acabado, sintetiza a instrumentalização da religião para disputa política dos sentidos e significados da data foi a divulgação do vídeo da ex-atriz Cássia Kiss, por meio dos canais do Centro Dom Bosco, e que foi replicado por outras páginas.
No vídeo, ela diz que o “Brasil foi uma terra povoada por católicos portugueses e fundado à sombra de uma santa missa tradicional” e complementa que “graças aos nossos antepassados, nos tornamos um país católico de dimensões continentais”. O discurso valoriza a ascendência europeia católica, decorrente da exploração colonial, invisibilizando a existência anterior dos povos indígenas no território, bem como da migração forçada, por meio da escravidão dos povos africanos.
O vídeo é um chamamento para a vigília, que se realizou às 4 horas da manhã do dia 7 de setembro, carregado de mensagens para reafirmar a narrativa, ou seja, os discursos mencionados acima. No chat ao vivo do Youtube, comentários dos fiéis deixavam em evidência os temas que estão bastante presentes na narrativa bolsonarista: contra o comunismo, pela liberdade, contra os “inimigos da pátria” e mesmo pedindo a vitória de Jair Bolsonaro.
Entre os comentários de destaque, houve um, pago (Super Chat) pela candidata Carla Zambelli, sintetizando o discurso da maioria dos comentários dos que acompanhavam a transmissão: “Orando pelo Brasil, pelo Presidente, por nossa LIBERDADE e pela saúde de todos os brasileiros”.
Esse discurso encontra guarida e reforço na política oficial do governo federal para celebração do bicentenário da independência política do Brasil.
Nesse contexto, trazer o coração embalsamado de Dom Pedro I para marcar a celebração consiste, além do menosprezo das lutas populares que consolidam a história do país, a valorização das estruturas oriundas da exploração colonial como elemento virtuoso na formação das condições atuais de exercício de soberania do país. Assim, nas palavras do Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Carlos Alberto França, Dom Pedro I é retratado como uma pessoa de “genuíno altruísmo” e alçado à figura de “nosso libertador”.
O monitoramento no Facebook
As contas do Facebook foram monitoradas por meio da ferramenta CrowdTangle, no período de 1º de julho a 1º de setembro, a partir da busca pelo termo “7 de setembro”. Foram coletadas 23.835 publicações. Desse material, foram selecionadas as 10 contas com maiores taxas de engajamento: Césio Salvaro, Elisa Robson, Samir Ahmad, Daniel Santos, Carla Zambelli, Luciano Hang, Prefeitura de Criciúma, Bolsonaro Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro.
Tendo sido identificado o uso religioso nesse universo de publicações, aplicamos então o filtro para selecionar as 10 com maiores taxas de engajamento usando os termos “cristão”, “cristã” e “cristianismo”, e encontramos as seguintes: Sou católico e sou feliz, Aleteia português, Papa Francisco – Amigos e Amigas, Centro Dom Bosco, Jornal da Cidade Online, Jovem Pan News e Jovens Católicos.
Entre os dias 1 e 7 de setembro, as páginas no Facebook que realizaram publicações chamando para participação do 7 de setembro religioso, embora tenham obtido expressivo engajamento em suas convocatórias, tiveram maiores engajamentos em outras publicações, aquelas que não estavam ligadas ao evento, mas mantinham o cunho religioso e a devoção.
Convém salientar que essas páginas têm em seu histórico de publicações com engajamento a reprodução de trechos de discursos de pastores, durante cultos, tratando de alguma passagem da Bíblia ou o convite à realização de alguma oração. Elas desempenham, em termos de engajamento, mais interações do que aquelas voltadas à mobilização do dia 7 de setembro religioso, mas têm uma conexão moral, por compartilharem os mesmos valores.
Dessa forma, como já dissemos, se estabelece uma ligação entre a religiosidade e o posicionamento político, deixando subentendido como os fiéis devem votar ou mesmo participar de eventos de importância ao apoio do atual presidente, candidato à reeleição, por este defender “Deus, Pátria e Família”.
por Alexandre Arns Gonzales
Por Alexandre Arns Gonzales
Publicado no GGN
O debate presidencial na rede Bandeirantes apresentou, assim como em 2018, a estrutura da Sala Digital montada e patrocinada pelo Google. Entre os diferentes recursos oferecidos pela plataforma, foram apresentadas as perguntas mais buscadas, nos últimos sete dias, sobre cada um dos candidatos que participavam do debate. Por exemplo, “quem está na frente: Lula ou Bolsonaro?”, “quem é o vice do Lula?”, “quantos anos tem o Lula?”, “quanto tempo Lula ficou preso?”, “Lula foi inocentado?”, “o que Bolsonaro fez de bom para o Brasil?”, “o que é o centrão de Bolsonaro?”, “qual o partido de Bolsonaro?” e “o que o mundo fala sobre Bolsonaro hoje?”.
Nesse sentido e a partir dessa estrutura, caberia perguntar: qual o interesse do Google com as eleições? Qual o propósito da Sala Digital? Além de uma política com o objetivo de trabalhar uma imagem pública da empresa, acredito que a empresa visa, também, instrumentalizar o seu serviço de busca como uma ferramenta de disputa eleitoral, tanto no âmbito da definição de relevância de diferentes agendas no debate público, quanto na definição das referências de fonte de informações sobre essas agendas. Quando a empresa apresenta as métricas das buscas como um recurso para analisar a relevância dos temas, o Google está orientando o uso do seu serviço para uma lógica de disputa de engajamento similar às das demais mídias digitais, como Twitter, TikTok, Facebook, Instagram e YouTube.
Outro episódio do processo eleitoral que exemplifica a instrumentalização das métricas do Google foi durante as sabatinas das candidaturas presidenciais no Jornal Nacional. Na primeira entrevista, no dia 23 de agosto, com Jair Bolsonaro, a imprensa repercutiu o “aumento repentino” de buscas por “Bolsonaro imita falta de ar”, que se tornou a principal busca associada ao nome do Presidente da República e candidato à reeleição. No dia 25 de agosto, na entrevista com Luis Inácio Lula da Silva, os registros de “aumento repentino” de buscas associados ao nome do candidato foram relacionados à própria entrevista, como “entrevista Lula Jornal Nacional”. Contudo, a imprensa repercutiu a ascensão, no Twitter, da discussão sobre a produção de arroz orgânico do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), destacado por Lula durante a sabatina. Inserindo o termo “MST” no Google Trends, a ferramenta registrou “aumento repentino” por “MST arroz orgânico”, tanto na noite da entrevista com Lula quanto na manhã do dia 27 de agosto.
O Google apresenta os resultados de buscas com base nos seus interesses de negócios, cuja principal fonte de receita financeira são os anúncios digitais. Essa receita, por sua vez, é usada, em partes, para financiar canais de comunicação ativos na disputa eleitoral, muitos deles ligados à reprodução de notícias falsas sobre as eleições e as urnas eletrônicas.
Portanto, diferentemente do que disse o representante do YouTube na rede Bandeirantes – “nós somos apenas plataforma, quem produz conteúdo de qualidade é o jornalismo profissional” – o Google e YouTube não são “apenas plataformas”, são financiadoras tanto do “jornalismo profissional”, quanto da propaganda golpista desinformativa contra as eleições. Portanto, estimulam o desenvolvimento da desinformação e vendem seus serviços como solução.
As medidas de transparências descritas no Projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, contribuiriam para fortalecer o escrutínio público sobre as decisões dessas empresas. Para além das ameaças relacionadas à produção e à distribuição de conteúdo desinformativo, o modelo de negócio de empresas como Google está influenciando a organização e a dinâmica do conjunto do processo eleitoral. O escrutínio desse tipo de poder não pode se resumir a ações de relações públicas das próprias empresas.
Alexandre Arns Gonzales é Pesquisador colaborador do Instituto em Ciência Política (IPOL) da UnB e bolsista de pós-doutorado pelo CNPq. É doutor em Ciência Política pela UnB, mestre pela UFRGS e graduado em Relações Internacionais pela UNIPAMPA.
por Alexandre Arns Gonzales
O papel das mídias sociais na construção da comunicação eleitoral – tendo em vista o interesse das empresas no crescimento de seus negócios
Alexandre Arns Gonzales*
A eleição brasileira de 2022 coloca o papel das mídias digitais em evidência, não somente pela relevância que cada tipo de mídia tem na construção da comunicação eleitoral, mas também pelo fato de que essas mídias constituem uma infraestrutura de serviços de propriedade de empresas com interesses econômicos e políticos. Não são serviços isentos dos interesses de crescimento dos seus negócios.
A Justiça Eleitoral, ao firmar memorandos de cooperação com as empresas, reconhece a sua relevância, enquanto atores influentes no processo eleitoral do país. Neste ano, foram formalizados com oito empresas o compromisso delas com a integridade eleitoral: Google e Facebook (hoje rebatizado de Meta) e suas respectivas subsidiárias, Twitter, TikTok, Kwai, LinkedIn, Telegram e Spotify.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do TSE
Embora o serviço de cada empresa seja diferente em suas funcionalidades e especificidades, os chamados “Memorandos de Entendimentos” firmados têm um padrão comum em suas diretrizes. Esse padrão está estruturado em três eixos: 1) disseminar informações oficiais e confiáveis; 2) capacitar as equipes dos órgãos da Justiça Eleitoral e os eleitores para compreensão do fenômeno da desinformação e comportamento inautêntico; e, por fim, 3) adotar medidas preventivas e repressivas em casos de desinformação.
As medidas previstas nos documentos, bem como as descritas no Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação, refletem o acúmulo obtido a partir das políticas ensaiadas desde 2018, primeiro ano em que houve esse tipo de cooperação.
O ineditismo, em 2018, da cooperação das empresas com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ocorre em um contexto em que a contradição da “promessa” está exposta: ao invés de assegurar os meios para aprimorar as eleições e a participação da cidadania, as mídias digitais e o modelo de negócios viabilizaram o emprego de técnicas para desestabilização dos processos eleitorais.
Quem firmou, em 2018, o compromisso de “combater a desinformação” foram Google e Facebook, mas o Twitter também participou dos diálogos iniciais com o TSE. O Twitter, junto com as outras duas empresas, apresentou ao Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, criado pelo TSE, as medidas que a empresa pretendia implementar à época para tratar o fenômeno da desinformação. Contudo, a empresa não assinou o memorando, justificando mais tarde à imprensa que não considerou possível implementar suas políticas em tempo para as eleições.
Ainda assim, tanto Google, Facebook e Twitter participaram do Fórum Nacional da Propaganda Eleitoral nas Mídias Digitais, realizado no dia 1º de março daquele ano, gravado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Mato Grosso. Já naquela ocasião, o dilema da transparência era abordado pelas empresas e a justificativa apresentada era que a exposição de informações sobre o funcionamento de seus algoritmos e ferramentas poderiam ser abusadas pelos atores maliciosos. Em 2020, durante uma oficina do Google com servidores da Justiça Eleitoral, visando as eleições municipais, a justificativa pela falta de transparência.
Na perspectiva dos interesses privados das empresas, o argumento é coerente e, por isso, não se pode esperar que o avanço desta discussão ocorra de modo voluntário por parte delas. A cobrança por transparência sobre a tomada de decisão das empresas no que diz respeito à definição dos critérios para a moderação de conteúdo, bem como da remoção, suspensão ou sanção sobre determinado conteúdo ou conta, não diz respeito somente a garantir ao usuário acesso a informações sobre o serviço que ele está utilizando.
A transparência é necessária para orientar o debate público sobre o papel que essas empresas e seus serviços desempenham em processos políticos, como as eleições, e construir mecanismos de controle pelo interesse público sobre elas, sobretudo se optam por priorizar seus lucros em detrimento da integridade eleitoral.
Por exemplo, documentos tornados públicos por Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, informam que a empresa estimava que estava removendo menos de 5% do conteúdo identificado como discurso de ódio. Em depoimento ao congresso estadunidense, Haugen relatou que medidas para intervir nestes conteúdos foram apresentadas à presidência da empresa, mas a decisão foi por não implementá-las porque afetariam as métricas gerais de engajamento da empresa e, consequentemente, os rendimentos financeiros.
Esse caso exemplifica a importância de mecanismos que tragam informações acerca de como as medidas são tomadas, como atuam no trabalho humano e como funcionam as ferramentas de automação na moderação; mas destaca, também, a necessidade de mecanismos de auditoria dessas informações. A própria Justiça Eleitoral poderia exigir a instituição de mecanismos que avançassem na direção de tornar pública estas informações para as eleições no Brasil. Os acordos da Justiça Eleitoral com as empresas já são um avanço no tema da transparência das plataformas digitais nas eleições, mas são insuficientes para fiscalizar efetivamente o compromisso que elas assumiram.
**Alexandre Arns Gonzales – Doutor em Ciência Política, pesquisador colaborador do Instituto em Ciência Política (IPOL) da UnB e bolsista de pós-doutorado pelo CNPq