Duas entre 215 candidaturas coletivas registradas no Brasil foram eleitas: o que houve?

Duas entre 215 candidaturas coletivas registradas no Brasil foram eleitas: o que houve?

Bárbara Lopes Campos e Mariane dos Santos Almeida Costa

Publicado no JOTA

 

As eleições de 2022 foram as primeiras realizadas após a aprovação, pelo  Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da menção do grupo ou coletivo de apoiadores no registro do nome de urna do candidato ou candidata. A   Resolução nº 23.3675, do TSE, representou um marco jurídico importante no monitoramento desta inventividade política no país. A partir de dados do TSE, foi possível identificar 215 candidaturas coletivas ao Legislativo no pleito de 2022. No entanto, mesmo diante dessa abertura jurídica e expressão numérica no ato de registro, apenas duas candidaturas mapeadas conquistaram cadeiras parlamentares a partir dos resultados eleitorais. “Paula da Bancada Feminista” e “Monica do Movimento Pretas” foram eleitas deputadas estaduais em São Paulo, pelo PSOL, com 259.771 e 106.781 votos respectivamente. 

As 215 candidaturas coletivas identificadas alcançaram todas as regiões do país (ver Figura 1). Concentraram-se nas regiões do Nordeste e do Sudeste, em especial para cargos de deputado(a) federal e estadual, a partir de São Paulo, Maranhão e Pernambuco, conforme mostramos em texto anterior, neste mesmo Jota. O número dessas candidaturas superou o visto nas eleições gerais anteriores, e ampliou-se sua distribuição espacial. Ainda, as candidaturas identificadas pelo registro do nome de urna concentram-se em partidos de centro-esquerda, com forte participação do PSOL e do PT. E entre titulares das candidaturas, há mais mulheres e pessoas autodeclaradas pretas do que a média nacional. 

A partir dessas observações, podemos constatar que o perfil dessas candidaturas coletivas destoa das que conquistaram mais vitórias nas eleições de 2022. Boa parte dos eleitos situa-se ao centro e à direita radical, que ganha fôlego nas eleições de 2018, e passa a ocupar ainda mais espaço na Câmara e no Senado. Esse cenário, adverso para a esquerda – que mais aposta em candidaturas coletivas -, pode explicar, pelo menos em parte, o baixo desempenho eleitoral das candidaturas coletivas em 2022.

 

Figura 1: Candidaturas coletivas ao legislativo no Brasil (contagem de nome de urna, eleições 2022)

Assim, a estratégia de candidaturas coletivas, que tem o potencial de somar forças na corrida eleitoral e diluir os custos (financeiros, políticos, emocionais, entre outros obstáculos), além de cativar o eleitorado por meio de propostas compartilhadas e menos personalistas, parece não ter surtido muito efeito para maximizar resultados eleitorais no pleito de 2022. Para além das duas candidaturas eleitas em São Paulo, a busca pelo nome de urna não foi capaz de identificar outros mandatos eleitos que se propõem a “fazer política na coletividade” (ver Figura 2).

 

Figura 2: Desempenho eleitoral das candidaturas coletivas no Brasil (status por de nome de urna, eleições 2022)

Por outro lado, o perfil das candidaturas coletivas eleitas em 2022 corrobora com o argumento de que candidaturas coletivas ainda podem operar como uma porta de entrada para candidatas mulheres, negras, ativistas e ligadas às amplas maiorias sociais diversas do país. Ademais, a reeleição de Mônica Seixas, agora a partir da proposição coletiva “Monica do Movimento Pretas”, assim como a eleição de Bella Gonçalves e reeleição de Andréia de Jesus para deputadas estaduais em Minas Gerais, ex-integrantes da Gabinetona (PSOL), fortalecem a percepção de que a atuação política coletiva é uma estratégia potente para dar início à carreira política, ou para a formação de lideranças políticas de mulheres no país.

Saiba mais: Um balanço das quatro eleições com Candidaturas coletivas no Brasil: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/um-balanco-de-quatro-eleicoes-com-candidaturas-coletivas-no-brasil-24082022

 

Bárbara Lopes Campos é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora de Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas – PPC). 

Mariane dos Santos Almeida Costa é mestranda de Direito Eleitoral pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Candidaturas LGBTQIA+ permanecem invisíveis na justiça eleitoral

Candidaturas LGBTQIA+ permanecem invisíveis na justiça eleitoral

Cleyton Feitosa*

Publicado no Midia Ninja

 

Em 16 de agosto recebi a newsletter da Nexo com o assunto “Recorde de Diversidade”. Em seguida, acessei a reportagem da Folha de São Paulo sobre o mesmo assunto: o aumento inédito de candidaturas de mulheres e negros nas eleições nacionais desse ano. Imediatamente fui frustrado com o gritante silêncio a respeito das candidaturas de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers, intersexos, assexuais e outras identidades não-heterossexuais e não-cisgêneras (LGBTQIA+) nessas matérias.

A partir disso, recorri diretamente à base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para verificar se o silêncio sobre essas candidaturas teria sido das reportagens ou do órgão oficial e, de fato, a responsabilidade pela lacuna dessa informação não havia sido do jornalismo (embora este, também, nada tenha falado sobre a questão, ainda que sob o título de “Recorde de Diversidade”).

As informações do TSE que permitem analisar a presença de grupos vulneráveis nas eleições são compostas por gênero, cor/raça, faixa etária, pessoas com deficiência e nome social. Logo, é possível saber quantas mulheres, negros/as, indígenas, jovens, idosos/as, pessoas com deficiência. A informação sobre o “nome social”, que mais se aproximaria da questão LGBTQIA+, e poderia indicar pessoas trans que estão pleiteando mandatos  em 2022, é incompleta porque nem toda pessoa trans utiliza o nome social após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2018 que passou a permitir retificação do nome civil em cartórios sem a necessidade de cirurgias ou decisões judiciais. Assim, não existe, de fato, informação relativa à orientação sexual e à identidade de gênero das candidaturas. 

A ausência desses dados produz efeitos indesejáveis, entre os quais destaco a invisibilidade desse perfil de candidaturas. Tal invisibilidade impõe obstáculos a pesquisadores e a ativistas do movimento social, que têm feito esforços para registrar a presença do segmento em artigos e relatórios. Redes nacionais e organizações que integram o movimento, como a ABGLT, Aliança Nacional LGBTI+, ANTRA, Vote LGBT, entre outras, têm buscado mapear essas candidaturas a partir da elaboração de formulários virtuais e divulgação de relatórios com os resultados. 

No entanto, pelos limites da comunicação e dos métodos de levantamento, muitas vezes os números são díspares de uma rede para outra. Gustavo Gomes da Costa Santos, da UFPE, e Pedro Barbabela, da UFMG, têm desenvolvido importantes análises sobre candidaturas LGBTQIA+ no Brasil, com artigos científicos publicados em periódicos sobre o tema. Eles refletem sobre essas dificuldades de obter a quantidade real de candidaturas “coloridas” no país.

As dificuldades percebidas por ativistas e acadêmicos poderiam ser facilmente solucionadas se a orientação sexual e a identidade de gênero dos candidatos fossem declaradas pelos partidos políticos quando apresentam candidaturas ao TSE. Isso tornaria, inclusive, essa população mais visível nas organizações partidárias, também repletas de barreiras e contradições. 

Entre os efeitos indesejáveis dessa invisibilidade estatística está a invisibilidade social e política, as quais o movimento LGBTQIA+ vem lutando para enfrentar há muitas décadas por meio da arte, cultura e disputa de narrativas na mídia.  Há mais de duas décadas, o movimento vem atuando também por meio das massivas Paradas do Orgulho nas capitais e interiores do país. Além disso, a invisibilidade numérica atrapalha políticas de inclusão, quer sejam políticas de presença – ações que almejam a presença de grupos excluídos nos espaços de decisão, nos termos da contribuição teórica de Anne Phillips –, quer sejam iniciativas de proteção contra a forte violência política que atinge em cheio candidatos/as e representantes políticos/as LGBTQIA+.

Relendo a entrevista do ministro Luiz Edson Fachin concedida à professora e ativista trans Jaqueline Gomes de Jesus, publicada na Revista Brasileira de Estudos da Homocultura (REBEH) por ocasião de um dossiê temático sobre participação política LGBTQIA+ que tive a oportunidade de coordenar com outros pesquisadores das Ciências Sociais, é possível ver que o TSE instituiu em 2019 um grupo de trabalho sobre Sistematização das Normas Eleitorais. Um dos temas foi a participação de minorias no processo eleitoral e, nele, houve um subgrupo de trabalho LGBTQIA+, com participação da ABGLT e da Aliança Nacional LGBTI+, que recomendaram o respeito às terminologias adequadas e às bases teóricas e políticas nas normativas do tribunal, além de treinamento para mesários e servidores da Justiça Eleitoral.

Como resultado da interação socioestatal, foi publicada a Resolução 23659/21, que trata do cadastro eleitoral, prevendo o uso do nome social e a identidade de gênero, bem como inexigibilidade de quitação militar por mulheres trans. Também foi incluída a possibilidade de preencher duas mães e dois pais no campo “filiação” do formulário Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE), avançando no reconhecimento de famílias homoparentais. Em relação ao combate à violência política contra LGBTQIA+, o ministro mencionou apenas o combate às fake news que o tribunal vem realizando.

São medidas importantes que revelam maior abertura da Justiça Eleitoral à participação social da população LGBTQIA+, mas ainda insuficientes para a promoção dos direitos políticos do segmento nas eleições brasileiras. É preciso avançar na institucionalização de políticas eleitorais que incluam verdadeiramente esses sujeitos nas disputas políticas, com foco no incentivo à LGBTQIA+ se candidatarem a cargos de representação política e gestão governamental, nas condições materiais dessas candidaturas (financiamento eleitoral público assegurado pelos partidos), na proteção eficaz contra a violência política LGBTIfóbica e no compromisso com a visibilidade da diversidade sexual e de gênero nas instituições políticas. Para tanto,  o quantitativo oficial de candidaturas é dado básico e primordial para a formação da opinião pública, para a efetiva justiça eleitoral e para a democracia brasileira.

*Cleyton Feitosa é doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasilia e mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco. Autor do livro “Políticas Públicas LGBT e Construção Democrática no Brasil”. Integrante do Grupo de Pesquisa Resocie – Repensando as Relações entre Sociedade e Estado do IPOL/UnB.

Candidaturas coletivas estão em todas as regiões, ampliam espaço para mulheres e negros e concentram-se na esquerda

Candidaturas coletivas estão em todas as regiões, ampliam espaço para mulheres e negros e concentram-se na esquerda

Bárbara Lopes Campos *

Mariane dos Santos Almeida Costa**

Publicado no JOTA

 

São 213 candidaturas coletivas registradas ao legislativo no pleito de 2022. As candidaturas estão espalhadas em todas as regiões do país, e concentram-se em partidos de centro-esquerda com forte participação do PSOL e PT. Entre titulares, há mais mulheres e pessoas autodeclaradas pretas do que a média nacional, o que reforça a percepção de que podem facilitar a inserção de grupos com difícil entrada na política. Os dados foram obtidos a partir do site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, que traz informações detalhadas sobre todos os candidatos que pediram registro à Justiça Eleitoral, suas contas eleitorais e as dos partidos políticos. 

A maioria das candidaturas destina-se a vagas do legislativo estadual: 64%. Outras 34% são para o cargo de deputado(a) federal, e 2% para o Senado – essas últimas, um fato inédito. É o caso da candidatura “Mancha Coletivo Socialista”, encabeçada por Luiz Carlos Prates (PSTU) em São Paulo; e da candidatura liderada por Rosane Ferreira (PV) no Paraná. Esta última representa uma candidatura coletiva pluripartidária, com postulantes à suplência pelo PT e pelo PCdoB.

 

Distribuição regional

 

Candidaturas coletivas foram apresentadas em todas as regiões do país, porém, as regiões do Nordeste (37%) e Sudeste (24%) concentram a maior parte destas candidaturas, em especial a partir dos estados de São Paulo, Maranhão e Pernambuco. A Figura 1, apresenta a distribuição a nível nacional e regional das candidaturas mapeadas.

 

Figura 1: Distribuição de Candidaturas Coletivas ao Legislativo no Brasil 

(Eleições 2022)

Fonte: elaboração própria, adaptado de BRASIL (1988), a partir de dados disponíveis em BRASIL (2022).

 

Apesar de a proposição de candidaturas coletivas não ter sido encontrada em todos os estados da federação, nas eleições de 2022 elas apresentam uma dispersão relativamente homogênea, corroborando com a percepção sobre um crescente número de candidaturas compartilhadas por um grupo ou coletivo nos últimos anos. Tais evidências apontam que esta modalidade de candidatura tem ganhado cada vez mais espaço no cenário político brasileiro.

Em relação aos partidos políticos aos quais as candidaturas coletivas mapeadas pertencem, o PSOL (33%) e o PT (16%) concentram as maiores quantidades (Figura 2). No que tange ao PSOL, a filiação pode significar uma escolha por um partido que possui uma maior abertura para a experimentação coletiva, em termos da proposição de candidaturas diversas e da atuação de mandatos independentes. Essa relação pode fortalecer o argumento de que, em geral, as candidaturas coletivas possuem um perfil atrelado a minorias políticas, que buscam na modalidade compartilhada uma forma de viabilizar a inserção de diversos(as) representantes de lutas sociais na arena política formal.

 

Figura 2: Partidos das Candidaturas Coletivas ao Legislativo no Brasil 

(Eleições 2022)

Candidaturas Coletivas e Gênero. Elaboração da autora.

Fonte: elaboração própria, a partir de dados disponíveis em BRASIL (2022).

 

A concentração em partidos tradicionais de esquerda, no entanto, não impede a difusão de candidaturas coletivas em partidos de outras colorações políticas: são encontrados também na centro-direita em partidos como PRTB, Patriotas, MDB e Avante, entre outros.

 

Perfil de cor/raça e gênero

 

Adentrando no perfil das candidaturas mapeadas, na Figura 3, observa-se que há uma pequena, porém, significativa diferença quanto à raça/cor dos titulares das candidaturas nas eleições de 2022. Segundo dados do TSE divulgados no dia 18 de outubro de 2022, dos 28.501 candidatos registrados para as eleições, 50% declararam-se negros, 48,7% identificaram-se como brancos, e menos de 1% como indígenas. Entre os negros, 36% disseram ser pardos, e 14% pretos. Assim, a coleta de dados das candidaturas coletivas corrobora para as informações supracitadas, com a diferença de que 36% se declararam pretos (22% a mais do que no número total); além de apresentarem uma proporção maior de candidaturas lideradas por pessoas indígenas (BRASIL, 2022).

 

Figura 3: Comparação de Raça/Cor – Total e Candidaturas Coletivas ao Legislativo no Brasil (Eleições 2022)

Raça/Cor Total Coletivas
Branca 49,3% 40%
Preto/a 14% 36%
Pardo/a 36% 21%
Indígena 0,7% 3%

Fonte: elaboração própria, a partir de dados disponíveis em BRASIL (2022).

 

Ainda, por mais que a quantidade de pessoas que se declaram brancas (40%) seja superior ao de pessoas pretas nas candidaturas coletivas, quando somados pretos e pardos, percebe-se que o total de candidaturas lideradas por pessoas negras é de 57%. Apesar de serem a maioria dos habitantes do país, com cerca de 55% da população, pessoas negras ainda são minorias quando se trata de porcentagem de eleitos no país, refletindo as dificuldades democráticas do país.

A distribuição de candidaturas coletivas por gênero (ver Figura 4) demonstra o predomínio e manutenção de candidaturas lideradas por mulheres, dado que confirma a tendência identificada em 2020. Segundo levantamento da RAPS (2019), quando consideradas as 110 candidaturas coletivas mapeadas de 1994 a 2018, apenas 13% eram representadas por mulheres. Contudo, em levantamento recente, onde foram analisadas as candidaturas coletivas para as eleições de 2020, os dados encontrados demonstram que 51,99% das candidaturas eram lideradas por mulheres, enquanto 48,01% eram lideradas por homens. 

 

Figura 4: Gênero das Candidaturas Coletivas ao Legislativo no Brasil 

(Eleições 2022)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados disponíveis em BRASIL (2022).

Candidaturas Coletivas. Elaboração da autora.

Os dados encontrados revelam um equilíbrio entre os representantes legais das candidaturas coletivas. Acredita-se que tais dados possam ser justificados diante do êxito eleitoral que diversas candidaturas coletivas tiveram nas últimas eleições e da aprovação da Resolução nº 23.3675, que passou a autorizar a menção do grupo ou coletivo no registro do nome de urna. 

 

Reeleições e portas de entrada na política

 

Algumas experiências inaugurais de candidaturas coletivas no Brasil se replicam em 2022. Jô Cavalcanti (PSOL) continua liderando as “Juntas” para a reeleição ao cargo de deputada estadual em Pernambuco. Enquanto isso, em São Paulo, Mônica Seixas (PSOL) se lança à reeleição a partir de uma nova candidatura coletiva: a “Monica do Movimento Pretas” .

Por outro lado, algumas integrantes de candidaturas coletivas de eleições passadas lançaram, em 2022, candidaturas próprias. É o caso de Carol Vergolino (PSOL), integrante das “Juntas”, que se lança a deputada federal por Pernambuco; assim como Erika Hilton (PSOL), ex-integrante da “Mandata Ativista” e vereadora de São Paulo, que se lança agora a deputada federal. Esse movimento pode indicar que as candidaturas e mandatos coletivos são uma estratégia potente para dar início à carreira política, ou para a formação de lideranças, de mulheres e ativistas ligadas às amplas maiorias sociais diversas do país.

Bárbara Lopes Campos é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora de Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas – PPC). 

  

Mariane dos Santos Almeida Costa é mestranda de Direito Eleitoral pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Quatro eleições com candidaturas coletivas no Brasil: um balanço

Quatro eleições com candidaturas coletivas no Brasil: um balanço

 

Bárbara Lopes Campos* 

Mariane dos Santos Almeida Costa**

Publicado no JOTA

Inovações na condução do mandato político não são um fenômeno restrito aos últimos anos. Pesquisadores da área identificaram estratégias de participação popular na atuação parlamentar, como os “mandatos abertos”, desde o período da redemocratização no Brasil. No entanto, as candidaturas com caráter compartilhado, onde o(a) eleitor(a) deposita a confiança em um coletivo, cresceram de fato no cenário eleitoral brasileiro desde 2016. Essas candidaturas passaram a assumir especificamente o compromisso, durante a campanha eleitoral, de conduzir o mandato com um grupo (ou coletivo) previamente definido de “coparlamentares”. Levantamento recente da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade mostrou que as eleições de 2016 e 2018 somam 89% das candidaturas que elegeram mandatos tidos como coletivos no país no período entre 1994 e 2018.

As eleições municipais de 2016 trouxeram a primeira experiência de candidatura compartilhada do país. João Yuji, do Podemos (Pode), foi eleito vereador em Alto Paraíso de Goiás (GO) com mais cinco “covereadores”. Nas eleições de 2018, mais duas experiências de candidaturas compartilhadas se destacaram, ambas do PSOL, dessa vez nos estados de Pernambuco e São Paulo: são as candidaturas da Juntas e da futura Mandata Ativista. Em Pernambuco, as “Juntas” foram eleitas nas urnas, registradas com o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) de Jô Cavalcanti. Estratégia parecida foi adotada pela candidatura da “Mônica da Bancada”, com o CPF de Mônica Seixas sendo utilizado para viabilizar a eleição do grupo paulista que originalmente contou com oito “codeputados(as) ativistas”. 

Em 2020, no entanto, foi registrado o maior número de candidaturas coletivas até então nos país: 313 candidaturas ao legislativo nas eleições municipais. As candidaturas coletivas representaram, naquele ano, 0,06% das candidaturas e 0,34% dos votos, obtendo – em termos percentuais – um desempenho médio de votos superior ao das candidaturas individuais tradicionais.

A partir da eleição, as iniciativas estruturadas nesse modelo de coparticipação contam com o protagonismo de “coparlamentares” na gestão dos mandatos, que, apesar de possuírem formatos e alcances diversos, envolvem a incorporação destes na equipe do gabinete, sua participação na rotina parlamentar, a definição de dinâmicas decisórias entre eles e a distribuição de responsabilidades e deveres políticos. Nesse sentido, esses mandatos são mais despersonalizados e trazem inventividades que desafiam o rito parlamentar tradicional.

Historicamente, a disputa eleitoral no Brasil possui um caráter personalista e individualista, a partir da projeção de lideranças políticas vagas. O domínio dos espaços de poder, e das estratégias eleitorais, geralmente asseguram a perpetuação das elites políticas nos cargos legislativos. Na dimensão da representação política descritiva, a democracia brasileira conta sistematicamente com a exclusão de mulheres e de populações marginalizadas. Isso evidencia como as aparentes “democracias raciais” na América Latina, são palco de gritantes desigualdades, o que no Brasil se traduz na exclusão política de pessoas pretas, pardas, amarelas e indígenas.

Nesse sentido, as candidaturas coletivas possuem um potencial de diversificar o cenário da representação política, trazendo importantes contribuições democráticas. Experiências que emergem a partir de 2016 compartilham da percepção sobre a necessidade de subverter os atuais arranjos de proposição de candidaturas praticadas pelas instituições partidárias, centralizados em suas respectivas lideranças. A possibilidade de compartilhar os fardos da candidatura, da campanha e, eventualmente, do mandato, também se torna uma motivação importante para mulheres e grupos minoritários, uma vez que minimiza a aversão de ter que “fazer sozinha” ou de “encarar a política”. 

Entendemos os mandatos coletivos inspirados nas demandas por maior representatividade como sendo “tecnologias sócio-políticas inovadoras” que provocam mudanças no campo político brasileiro ao diversificar os quadros de parlamentares eleitas/os, desafiar o personalismo e o individualismo das candidaturas, “hackear” a institucionalidade política e, por fim, promover dimensões não menos significativas de “reencantamento” político. 

Ao mesmo tempo, essas iniciativas enfrentam desafios em relação à sua viabilidade jurídica. A tentativa de impugnação da candidatura coletiva “Nossa Cara” (PSOL) pelo Ministério Público do Ceará nas eleições municipais de 2020 – candidatura coletiva eleita em Fortaleza/CE nas eleições municipais de 2020 –; assim como a impugnação do registro do nome da candidatura coletiva liderada por Layla Jéssica Pessoa de Andrade (PT) pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TER-PE) – pré-candidata pelo Município de João Alfredo/PE – revelam as incertezas e inseguranças que cercam as experiências na falta de uma regulamentação própria. 

 

O aspecto jurídico e o cenário para as candidaturas coletivas 

 

O ordenamento jurídico brasileiro não prevê a existência formal de candidaturas coletivas. Ou seja, dentro do conjunto de normas, resoluções e procedimentos que regulam o exercício da ocupação de cargos eletivos, não há determinações expressas de quais normas ou procedimentos devem ser observados para registrar candidaturas ou exercer mandatos coletivos. Mesmo porque, para a legislação brasileira, apenas uma única pessoa pode ser denominada como mandatária de um cargo eletivo. Ao mesmo tempo, a legislação brasileira não veda a possibilidade de que o candidato indique, desde a campanha, que, caso eleito, desenvolverá seu mandato de forma que os demais integrantes de sua chapa exerçam poder deliberativo.

Diante da inexistência de uma norma jurídica aplicável a toda situação suscitada pelas iniciativas coletivas, tem-se uma lacuna jurídica. Na ausência de norma específica para fundamentar quaisquer análises quanto às iniciativas coletivas, desde 2018 o Tribunal Superior Eleitoral, bem como os Tribunais Regionais Eleitorais, vêm se manifestando incidentalmente em casos de pedido de registro de candidaturas com inclinações coletivas. Diante de lacunas jurídicas, o Poder Judiciário deve proceder com a tentativa de solucionar a demanda tomando por base outros mecanismos hermenêuticos. 

Em 2018, foi protocolado, junto ao TRE-PE, pedido de registro de candidatura de Jô Cavalcanti e nome de urna declarado como “Juntas” para o cargo de Deputada Estadual por Pernambuco. Houve manifestação favorável do Ministério Público Federal, posteriormente confirmado pelo ministro Alexandre de Moraes em decisão monocrática, deferindo o pedido de registro de candidatura nos termos apresentados no requerimento inicial.

No precedente firmado no RE 0600101-37.2020.6.17.0088, o termo “Juntas” foi considerado precário para identificar com clareza a pessoa do candidato que efetivamente concorrera ao cargo pleiteado. Decidiu, ainda, que o nome do candidato na urna ou as manifestações de propaganda deveriam guardar direta relação com a pessoa que pediu o registro de candidatura. Reforçou que candidato é unicamente aquele que preenche as condições de elegibilidade, que tem seu nome aprovado em convenção partidária e tem deferido o registro.

O precedente considerou, também, que a Constituição não prevê nenhuma forma de exercício coletivo do direito de sufrágio, na medida em que a dimensão coletiva dos direitos políticos se manifesta por meio dos partidos políticos, sem a previsão de outro tipo de legitimação associativa. Para o desembargador relator do caso, o nome de urna que sugere uma candidatura de natureza coletiva não tem condão para trazer a candidatura compartilhada à existência, somente a lei teria esta capacidade. Nesta interpretação, o nome de urna é algo informal e assim deveria ser interpretado.

Ocorre que, em 16 de dezembro de 2021, o plenário do TSE aprovou, por unanimidade, Resolução nº 23.3675, alterando o art. 25 da Resolução TSE nº 23.609, que passou a autorizar, em caso de candidatura coletiva, a menção do grupo ou coletivo de apoiadores na composição do nome de urna do candidato ou candidata. Nos seguintes termos:

Art. 2º O art. 25 da Resolução-TSE nº 23.609, de 18 de dezembro de 2019, para a vigorar acrescido dos seguintes §§ 2º a 4º, renumerando-se o atual parágrafo único como § 1º:

“Art. 25. …………………………………………………………………………….. §1º……………………………………………………………………….. §2º No caso de candidaturas promovidas coletivamente, a candidata ou o candidato poderá, na composição de seu nome para a urna, apor ao nome pelo qual se identifica individualmente a designação do grupo ou coletivo social que apoia sua candidatura, respeitado o limite máximo de caracteres.

  • 3º É vedado o registro de nome de urna contendo apenas a designação do respectivo grupo ou coletivo social.
  • 4º Não constitui dúvida quanto à identidade da candidata ou do candidato a menção feita, em seu nome para urna, a projeto coletivo de que faça parte” (NR).

 

O relator da resolução, ministro Edson Fachin reforçou que “a chamada candidatura coletiva representa apenas um formato de promoção da candidatura, que permite à pessoa que se candidata destacar seu engajamento em movimento social ou em coletivo”. Para o ministro, tal engajamento não é suficiente para confundir o eleitor, mas visa esclarecer sobre o perfil da candidata ou candidato.

Ainda, destaca-se que a regulamentação da candidatura coletiva não coincide com a do mandato coletivo. Apesar de um ser consequência do outro, o primeiro está relacionado ao processo eleitoral propriamente dito, enquanto, o segundo se refere ao exercício das competências e atribuições do cargo eletivo.

Nesse sentido, vale ressaltar que desde 2017 tramita na Câmara dos Deputados uma proposta de Emenda à Constituição (PEC 379/2017), “que permite a existência de mandatos coletivos para cargos do Legislativo (vereador, deputado estadual, distrital, federal e senador)”. De acordo com a proposta, se aprovado, a regulamentação do mandato – a ser compartilhado por mais de uma pessoa – será feito por lei.

As eleições 2022 constituem a primeira corrida eleitoral a ser realizada após a aprovação da Resolução nº 23.3675, representando um marco importante no monitoramento de candidaturas coletivas, principalmente as que incluem a menção de grupos ou coletivos no registro do nome de urna. Vale, ainda, observar se o potencial eleitoral dessas candidaturas se manterá, tendo em vista os parâmetros dos últimos resultados eleitorais

*Bárbara Lopes Campos é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora de Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas – PPC). 

**Mariane dos Santos Almeida Costa é mestranda de Direito Eleitoral pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).