por Eduardo Barbabela
Helena Martins, Eduardo Barbabela, Thayla Souza, Alexandre Arns Gonzales*
Publicado no Congresso em Foco
O relato de Jair Bolsonaro de que “pintou um clima” entre ele e garotas venezuelanas, as quais o presidente associou à prostituição, repercutiu em diversas esferas. A situação fez Bolsonaro gravar uma live na madrugada de domingo, depois um vídeo, ao lado de Michele Bolsonaro, sobre o tema. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão polêmica por vetar menção à fala do presidente por parte da campanha de Lula, o que impediu o candidato de trazer a polêmica à tona no debate da Band abertamente. Nas redes, André Janones comemorou a repercussão, que pareceu conter ataques bolsonaristas. O Observatório das Eleições monitorou as menções ao caso no Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, bem como em grupos bolsonaristas no WhatsApp, a fim de averiguar se o tema furou a bolha, o que poderia ampliar a rejeição de Bolsonaro nesta apertada reta final.
Foram monitoradas as conversas sobre o tema entre os dias 14 (sexta-feira) e 18 (terça-feira). Para tanto, buscamos menções a: “pedofilia”, “pedófilo”, “meninas venezuelanas”, “pintou um clima” e “assédio”. Os dados apontam que o tema gerou repercussão. A discussão foi bem mais frequente nas redes do campo lulista, mas também alcançou o bolsonarista, forçando-o a responder. O campo bolsonarista tende a não replicar conteúdos críticos ao candidato, como é evidente no caso dos grupos de WhatsApp, mas, neste caso, não foi possível silenciar nas redes abertas.
No Twitter, foram 1.048.576 mensagens sobre o tema, entre postagens únicas e replicações. Os maiores números de reações e compartilhamento foram registrados nas postagens de Felipe Neto, Jones Manoel, Janja Lula, Marina Silva, Maurício Ricardo e Levi Kaique, todos críticos à fala de Bolsonaro. O único comentarista de direita que ganhou destaque foi o próprio filho Carlos Bolsonaro, com o compartilhamento de um vídeo, acompanhado da frase “Meninas venezuelanas: compartilhe e restabeleça a verdade diante da simples verdade!”, o que mostra que o bolsonarismo teve que ser reativo em relação ao tema.
No Instagram, o campo que está apoiando o ex-presidente Lula predominou com larga vantagem. Das dez postagens que mais repercutiram, oito foram associadas a críticas a Bolsonaro (das páginas e perfis Quebrando Tabu, Mídia Ninja, Guilherme Boulos, Seremos Resistência e Manuela D’Ávila), uma jornalística (Folha de S. Paulo) e uma bolsonarista (Pedro Delfino). Quando somadas, as interações das páginas monitoradas, foram 943.078 lulistas, 88.103 bolsonaristas e 81.442 em veículos noticiosos. A diferença dos números indica que o campo lulista falou bem mais sobre o assunto, mas que ele teve repercussão, ainda que menos expressiva, fora dessa bolha.
Outra rede em que o bolsonarismo não levou vantagem foi o YouTube, no qual 268 contas trataram sobre o tema. O número de visualizações foi de quase vinte milhões. O total de engajamento ultrapassou 1,3 milhões de interações. Canais jornalísticos tiveram maior projeção, como mostra a tabela abaixo:
Das dez publicações com maior engajamento, temos vídeos veiculados pelo Portal do José, TV 247, Rádio Band News (com comentário crítico de Reinaldo Azevedo) e UOL. Houve, portanto, prevalência de conteúdos vinculados ao campo lulista ou de grupos de comunicação que criticaram a fala do presidente. Dos associados ao bolsonarismo, os canais pertencentes ao youtuber OiLuiz TV e ao programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, tiveram ampla repercussão.
Confirmando a presença maior da direita no Facebook, o que este Observatório já demonstrou em outros momentos da eleição, foi nessa única rede que o bolsonarismo teve protagonismo. Foram registradas 1,4 milhão de menções. A página “Desmascarando” teve o maior número de interações: 99.360. Crítica a Bolsonaro, ela se apresenta como de comentário político, tendo linguagem simples, de tom exagerado e com recursos de edição típicos da internet. O político bolsonarista Vagner Nagelstein aparece em segundo lugar, com 97.917 interações em postagens que buscam mostrar que a fala de Bolsonaro teria sido editada. A projeção e a diferença das duas contas expressam a polarização em torno do tema no Facebook. Considerando as dez principais páginas, foram 578.423 interações, sendo que o campo lulista interagiu menos (178.032) que o bolsonarista (274.578), porém mais do que as páginas de sites noticiosos (125.813). Se nos determos às dez publicações com maior número de interações no Facebook sobre o tema, a distância se torna ainda maior: são três páginas lulistas (156.773) contra sete bolsonaristas (298.449).
Outro espaço de projeção do bolsonarismo foi o buscador do Google. No domingo, às vésperas do debate, as tendências de busca no YouTube associadas ao Lula foram “Lula beija criança” e “Lula pedófilo”. Ao Bolsonaro são “vídeo Bolsonaro pintando um clima” e “Bolsonaro falando que pintou um clima”. Como o gráfico abaixo mostra, as buscas associando Lula a problemas tiveram picos maiores, no domingo, do que as que trataram do fato informado pelo próprio Bolsonaro, mas o volume geral de buscas associando ambos foi equivalente.
As pesquisas mais frequentes sobre a Lula e a Bolsonaro são expostas a seguir.
O que vemos é que houve uma tentativa de relacionar Lula ao que na verdade estava posto para Bolsonaro, uma estratégia que teve sucesso, dada a presença de temas que não estavam na pauta nas buscas. Não obstante, as buscas sobre Lulas foram mais diversas, ao passo que Bolsonaro foi completamente vinculado ao possível caso de pedofilia.
Quase impenetráveis, os grupos bolsonaristas no WhatsApp não deram destaque ao tema, ao contrário. Monitoramento do Farol Digital, grupo da UFC parceiro do Observatório das Eleições, revela que, entre 00:00 do dia 14 e 11:00 do dia 18, 183 mensagens de um universo de 17.774 mensagens contendo texto trataram do assunto. Não são consideradas aqui as mensagens apenas com mídia (vídeo, áudio). Elas foram enviadas por 107 números distintos, sendo distribuídas em 72 grupos. O pico das menções foi no domingo, 17, depois o assunto foi praticamente inexistente nos grupos.
Essa situação é indicativa de como os grupos de WhatsApp, por serem mais fechados, são importantes para manter a circulação de informações mais controlada, mantendo os adeptos encerrados em discursos que reiteram seus posicionamentos. Isso ocorre nas redes sociais, por força da mediação algorítmica que resulta na conformação de bolhas, mas nelas há zonas de intersecção ou, como no caso de Jair Bolsonaro e Carlos Bolsonaro, a necessidade de tratar de um tema que inegavelmente ganhou merecida dimensão pública.
Importa ter em vista que furar a bolha não significa ganhar votos. O levantamento mais recente do Datafolha já capta o debate da Band e o episódio da pedofilia, bem como outros casos que ganharam repercussão, como a participação de Bolsonaro e seus apoiadores em Aparecida e no Círio de Nazaré. Como a pesquisa mostra, apesar de tudo isso, não houve variações significativas nas intenções de votos. As poucas mudanças levaram à ampliação da margem de Bolsonaro, que tem mobilizado recursos públicos em prol de sua eleição, por meio de diversas políticas. Assim, a mobilização em torno do tema parece funcionar como uma barreira de contenção para mais ações de desinformação por parte do bolsonarismo, que teve que suspender a artilharia para dar respostas.
*Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.
Eduardo Barbabela é pesquisador do Manchetômetro e do Observatório das Eleições 2022. Doutor em Ciência Política pelo IESP UERJ.
Thayla Souza é graduada em Ciência Política pela UnB e pesquisadora bolsista do Observatório das Eleições 2022 em parceria com o Instituto de Ciência Política (IPOL-UnB).
Alexandre Arns Gonzales é bolsista de pós-doutorado pesquisador colaborador do Instituto de Ciência Política (IPOL) da Universidade de Brasília.
por Eduardo Barbabela
Maria Alice S. Ferreira, Rachel Callai Bragatto, Eduardo Barbabela e Francisco Kerche
Publicado no GGN
Que as redes sociais não se comportam da mesma maneira não é algo novo. Enquanto o Twitter é terreno fértil para os debates políticos ou futebolísticos, o Instagram parece ancorar discussões comportamentais e de estilo de vida, ecoando celebridades dos mais diversos campos. No YouTube, a polarização ganha espaço faz tempo e o Facebook, entre o esvaziamento e a replicação de outras redes, parece ser o novo CEP digital: se não está lá, não existe – porém não aguarde grandes novidades ou exclusividades por ali.
Mas como os grandes debates nacionais transitam nessas diferentes redes sociais? Há diferença no engajamento, interações e visualizações? Ainda que não sejam possíveis grandes generalizações, foram essas perguntas que guiaram a exploração da repercussão das viagens do presidente Bolsonaro para acompanhar o enterro da rainha Elizabeth II, do Reino Unido, e a sua participação na ONU na semana passada, dois dos eventos que mais repercutiram na agenda política.
Essa repercussão, porém, se deu de forma diferente em cada mídia social. O Observatório das Eleições monitorou em quatro redes sociais as principais menções relacionadas às viagens de Bolsonaro. Para isso, captou dados de todas as postagens e publicações no período de 17 a 20 de setembro que usavam os termos relacionados à viagem, como: “bolsonaro rainha”, “bolsonaro viagem”, “bolsonaro ONU”.
No Facebook, os dados analisados mostram que as postagens sobre o tema com maiores interações foram de atores alinhados ao bolsonarismo e publicações do próprio presidente Jair Bolsonaro.
As interações são métricas que consideram os números de reações, comentários e compartilhamentos para avaliar o sucesso ou não das publicações nas redes sociais. Já as visualizações medem quantas pessoas visualizaram o conteúdo em seu feed ou na página da publicação, mesmo que não tenham reagido a ele.
Em relação às interações, destacam-se as páginas de Carla Zambelli, que aparece com três dentre as dez postagens com maior engajamento, gerando cerca de 180 mil interações, e de Eduardo Bolsonaro com duas postagens somando um engajamento de mais de 140 mil cliques.
Apenas uma publicação crítica a Bolsonaro aparece entre as com maior interação. Trata-se de uma postagem do “Brasil de Fato” repercutindo uma projeção surgida em Nova Iorque criticando o atual presidente da República.
No que se refere às visualizações no Facebook, duas páginas do grupo UOL – UOL e UOL Notícias – se destacaram com mais de 700 mil visualizações cada no período analisado. Nas posições seguintes temos quatro páginas bolsonaristas: “Bolsonaro TV”, “Bolsonaro Presidente 2022”, “Folha Política” e “Notícias do Brasil”, todas com mais de 520 mil visualizações (gráfico 1). Na sétima posição, temos a página da BBC Brasil, sucursal brasileira da empresa britânica, que acompanhou todos os movimentos do cortejo fúnebre de Elizabeth II. Em seguida, temos mais três páginas alinhadas com o Bolsonarismo: “Apoiadores do Dr. Serginho”, “Professor Paschoal” e a “Jovem Pan News”.
Portanto, dentre as dez páginas do Facebook que tiveram maior número de visualizações, sete delas possuem publicações favoráveis a Bolsonaro, somando quase três milhões de visualizações, enquanto as demais páginas possuem quase 1,9 milhão de visualizações. Essas outras três páginas são de empresas de comunicação tradicionais, fornecendo informações de caráter jornalístico e, portanto, de natureza distinta das demais.
Nesse sentido, podemos perceber que o Bolsonarismo dominou a narrativa dentro do Facebook, superando inclusive conteúdo noticioso sobre a morte da rainha e a Assembleia da ONU.
Ao olharmos para a repercussão da viagem nas páginas do Instagram, percebemos que a cobertura sobre a presença de Bolsonaro no enterro da Rainha e na Assembleia da ONU, pelo menos no top dez de interações, também ficou desequilibrada, com quatro páginas com postagens pró-Bolsonaro ou alinhadas com o presidente (gráfico 2). Carla Zambelli destaca-se mais uma vez com duas postagens dentre as com maiores níveis de engajamento, gerando 600 mil interações. Porém, foi possível identificar uma grande repercussão de perfis noticiosos, como a Folha de São Paulo. Além disso, aparecem outros canais, como a Mídia Ninja, identificada com o campo do lulismo.
Quando avaliamos as páginas com maior número de visualizações no Instagram, notamos um equilíbrio maior entre as páginas bolsonaristas e as contrárias ao presidente (gráfico 3). Entre as páginas com conteúdos favoráveis ao atual presidente da República temos um total de quatro: Portal R7, Jornal da Record, Eduardo Bolsonaro e Jovem Pan News. As quatro páginas juntas somam mais de 3,5 milhões de visualizações, quantidade superior à soma das seis páginas não bolsonaristas (3,3 milhões). Entretanto, podemos perceber que essa distância não é tão discrepante quanto era no Facebook, demonstrando que existe uma disputa pela narrativa no Instagram entre as principais páginas no topo.
As duas publicações das páginas da Record (Jornal da Record e Portal R7) são as que possuem o maior número de visualizações no período, mais de 1,46 milhões de visualizações. As duas veiculam o mesmo vídeo, uma reprodução da passagem de Bolsonaro pela Inglaterra e um grupo de apoiadores ovacionando o atual presidente. Apenas como comparação, a terceira posição é do jornal O Povo com mais de 500 mil visualizações com um vídeo sobre a publicação de Bolsonaro comparando a gasolina no Brasil e na Inglaterra.
O Twitter mostra um pouco mais de equilíbrio entre os campos bolsonarista e lulista, reforçando a ideia de que o campo lulista tem ganhado força nessa mídia social (gráfico 4). Os três tweets com maior número de interações sobre o tema durante o período analisado dizem respeito a críticas a Jair Bolsonaro durante a viagem. Ao mesmo tempo, quatros contas de apoiadores de Bolsonaro aparecem com maior número de interações: os candidatos Jouberth Souza e Nikolas Ferreira, o comentarista Rodrigo Constantino e o jornalista Kim D. Paim. Os perfis oficiais de Lula e Jair Bolsonaro aparecem também entre os com mais engajamento.
Já a análise feita no Youtube mostra que grande parte dos canais com maiores índices de interação estão ligados ao campo bolsonarista, como é o caso do “Os Pingos nos Is”, por exemplo, que aparece com três vídeos publicados entre os mais vistos, somando quase quatro milhões de interações. Isso reforça a ideia de que há o predomínio de canais bolsonaristas nesta plataforma.
No entanto, chama atenção o grande número de interações no vídeo divulgado pelo canal do Lula (gráfico 5). Trata-se do vídeo “Conheça Bolsonaro”, que foi transmitido na televisão durante o horário eleitoral gratuito. Dessa forma, percebe-se que, apesar de ser um ambiente com grande atuação bolsonarista, o perfil do Lula parece ter conseguido, ao menos nesse caso, atrair um grande público e furar sua bolha. O fato do vídeo ter sido divulgado durante o horário eleitoral também pode ter ajudado a conseguir esse grande número de interações.
De forma geral, podemos perceber que a passagem de Bolsonaro pela Inglaterra e também pela Assembleia da ONU teve repercussões distintas, variando a partir de cada plataforma. Foi possível perceber um domínio da narrativa bolsonarista no Facebook e, com um pouco menos de frente, no Instagram. Apesar da esquerda conseguir emplacar alguns perfis e postagens específicos no período analisado, a direita bolsonarista conseguiu manter a narrativa mais próxima a sua perspectiva nas duas redes.
Por outro lado, a disputa entre os campos parece ter sido mais equilibrada no Twitter, com tweets mais críticos à viagem do presidente, alcançando um maior número de engajamento. Já a análise Youtube mostra o predomínio de perfis bolsonaristas entre os vídeos mais publicados, porém as interações desses vídeos não conseguem alcançar o engajamento do vídeo “Conheça Bolsonaro” do canal do Lula.
A análise reforça, mais uma vez, que o uso das mídias sociais por atores políticos pode dar resultados distintos de acordo com cada plataforma. Se, durante muito tempo, a direita e o bolsonarismo dominaram o campo digital, os dados recentes mostram uma tendência de crescimento do campo lulista em alguns desses espaços, como é o caso do Twitter e, em certa medida, do Instagram. Dessa forma, ao olhar para ações políticas no campo digital, como é o caso da campanha eleitoral, é preciso estar atento às especificidades de cada plataforma, levando em conta suas affordances e potencialidades e como elas podem impactar seus usuários. Cada mídia social tem propósitos e formatos específicos, e consequentemente, perfis distintos de usuários. As equipes que gerenciam essas campanhas parecem conhecer as plataformas e as utilizam de forma específica para seus objetivos.
Maria Alice S. Ferreira é doutora e mestra em Ciência Política pela UFMG. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT IDDC.
Rachel Callai Bragatto é jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR. Foi visiting researcher na University of California – Los Angeles. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC. Interessada em temas como democracia digital, participação política e cibercultura.
Eduardo Barbabela é doutor e mestre em Ciência Política pelo IESP UERJ. Atualmente é pesquisador do Manchetômetro (LEMEP IESP-UERJ) e do INCT/IDDC. Realiza pesquisas nos campos de representação política, comunicação política, teoria democrática, liberdade de expressão e comportamento político.
Francisco Kerche é Analista de dados do Greenpeace – BR e mestrando no programa de pós-graduação em sociologia e antropologia. Com ênfase em sociologia digital, métodos digitais e ciências sociais computacionais.
por Eduardo Barbabela
Nos últimos anos, muito se discutiu sobre o papel das redes sociais e sua importância no bolsonarismo, como um dos vetores para manter sua militância engajada. O Facebook é uma das principais redes para os apoiadores do atual presidente, na qual o movimento tem inúmeras páginas com altos números de seguidores, interações e visualizações que permitem alcançar muitos brasileiros com seus vídeos e mensagens.
Outro fato importante para Bolsonaro é o feriado da independência. O 7 de Setembro é um dos eventos mais comemorados, sendo utilizado pelos apoiadores do atual presidente como marco para realizar atos em favor do atual governo e também para fortalecer suas narrativas nas redes. Pensando nesses dois pontos, realizamos, no Observatório das Eleições, uma análise das postagens sobre o 7 de Setembro no Facebook para descobrir como a data foi citada nas redes e, principalmente, como os apoiadores de Bolsonaro utilizaram a data para engajar o público das redes sociais.
Analisamos a cobertura em três dias: o dia anterior, 6 de setembro, que nos possibilitou analisar se houve alguma convocação específica para atrair a participação das pessoas; o dia dos atos, 7 de setembro, para avaliar a cobertura dos atos ao vivo; e o dia seguinte, 8 de setembro, para analisar como eles aproveitaram os atos e construíram narrativas a partir deles. Utilizamos os dados de 2021 para comparar com os de agora (2022) e avaliar se houve sucesso ou não do bolsonarismo na cooptação do 7 de setembro nas redes.
Em 2021, o dia da Independência, no Facebook, apresentou dois momentos muito bem definidos. Antes do dia 7 de setembro, no dia 6, as páginas com maior número de interações e visualizações estavam equilibradas entre páginas de apoiadores de Bolsonaro e de Lula. A narrativa que dominava era a mesma: a decisão de Lula de não ir aos atos e sua mensagem para o país em comemoração ao dia. Os apoiadores do petista reproduziram sua mensagem ao povo brasileiro em suas páginas; por sua vez, o bolsonarismo alegava que a decisão de Lula refletia seu “medo de passar vergonha” nos atos e conseguiu, com essa narrativa, a publicação com o maior número de visualizações do dia, mais de 2,5 milhões.
A partir do dia 7 de setembro do ano passado, no entanto, não houve mais essa divisão entre os dois polos, e o bolsonarismo foi quem dominou os números e a narrativa. As participações de Bolsonaro nos atos cívicos de São Paulo e de Brasília dominaram a lista de publicações mais vistas do dia, embora não tenham emplacado a primeira posição, que reproduziu o hino nacional e teve mais de 10 milhões de visualizações. Na sequência das publicações mais vistas, temos seis publicações que reproduziram o mesmo vídeo da página de Jair Bolsonaro com sua participação no desfile de Brasília, e todas as seis com mais de 8,3 milhões de visualizações.
O dia 8 de setembro repetiu esse sistema. O campo bolsonarista publicizou diversos cortes de atos e falas de Bolsonaro no dia 7, sempre transmitindo uma imagem de sucesso dos atos. O vídeo dos atos do dia anterior com maior número de visualizações é o anúncio de Bolsonaro na Avenida Paulista feita por um locutor de rodeios, com 4,8 milhões de visualizações. Ao analisarmos as páginas com maior número de visualizações do dia, as duas primeiras, que somam juntas 26 milhões de visualizações, somente publicam vídeos das manifestações na perspectiva bolsonarista. Dessa forma, podemos perceber que a data foi bem utilizada pelos apoiadores do atual presidente para dominar a narrativa das redes.
A partir dessa percepção sobre os atos de 2021, propusemos analisar as postagens dos mesmos três dias de 2022. Se, no ano anterior, a esquerda conseguira competir e aparecer entre as páginas com maior número de visualizações no dia 6, em 2022, os fatos foram diferentes. No dia 6, a direita bolsonarista dominou. O topo dos rankings de páginas com mais visualizações e interações deste ano foi dominado por páginas que reproduziram a visão bolsonarista ou uma perspectiva conservadora que se associa à do presidente, mesmo que não se admita oficialmente como tal. Mesmo com essa primeira vitória, os dados não se apresentaram tão bons quanto os do ano anterior: enquanto que, no ano passado, as publicações sobre a Independência no dia 6 renderam quase 4 milhões de interações, este ano foram apenas 2,2 milhões de interações.
Nos dia das comemorações do bicentenário da Independência e no dia seguinte (7 e 8 de setembro, respectivamente), o bolsonarismo continuou a dominar os rankings totais de visualizações e interações. As postagens mais vistas se associavam diretamente à narrativa bolsonarista, porém, a um aspecto patriótico que era capaz de atrair a atenção do público. Entretanto, os números foram inferiores: a publicação no dia do bicentenário com o discurso de Bolsonaro alcançou apenas 1,5 milhão de visualizações, muito diferente dos números do ano anterior. Também notamos uma queda de interações entre os dois dias da Independência: no 7 de setembro de 2021, houve 12 milhões de interações, enquanto que em 2022 foram 10 milhões. Já no dia 8 de setembro, nova queda: de 2,5 milhões em 2021 para 1,3 milhão neste ano.
Em suma, houve uma diminuição no número de interações com publicações sobre a Independência em comparação ao ano anterior em todo o Facebook, mas principalmente entre os apoiadores do presidente, grupo que mais utiliza a data e seus símbolos para divulgar suas ideias.
Apesar de o domínio bolsonarista nas redes ainda persistir, os dados da comparação demonstraram que, de 2021 para 2022, o movimento em apoio ao atual presidente perdeu capacidade de conseguir atrair o interesse do público mesmo quando a agenda lhe era favorável. Se considerarmos as diversas denúncias do uso de robôs por parte dos apoiadores de Bolsonaro para inflar os dados das publicações e gerar mais engajamento, a queda nos números torna-se ainda mais evidente.
Não é exagero afirmar a perda de força do movimento bolsonarista, embora ele ainda seja muito forte e relevante nas redes sociais. No entanto, mesmo em um momento aguardado, com uma agenda que o favorecia, o bolsonarismo demonstrou que, embora atuante, não tem a mesma potência de antes.
Eduardo Barbabela: Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IESP UERJ. Atualmente é pesquisador do Manchetômetro (LEMEP IESP-UERJ) e do INCT/IDDC. Realiza pesquisas nos campos de representação política, comunicação política, teoria democrática, liberdade de expressão e comportamento político.
por Eduardo Barbabela
Helena Martins e Eduardo Barbarela*
O primeiro debate entre candidatos à Presidência da República, transmitido pela Band, no domingo, 28, foi também a primeira oportunidade de conferirmos o confronto direto entre Lula e Jair Bolsonaro nas redes. Neste ambiente, tanto no Facebook quanto no Instagram houve maior número de interações em postagens do campo bolsonarista, segundo dados do monitoramento do Observatório das Eleições, que acompanhou, além da movimentação geral, 44 perfis de destaque das redes bolsonarista e lulista nas 12 horas que se seguiram ao confronto.
Tabela 1. Presença dos campos Lulista e Bolsonarista no Facebook, 12 horas após o fim do debate
|
Total de Interações |
Total de Postagens |
Média |
Bolsonarismo |
2.512.134 |
193 |
13.016,24 |
Lulismo |
741.727 |
177 |
4.190,548 |
No Facebook o bolsonarismo dominou, com mais de 2,5 milhões de interações em 193 postagens, gerando uma média de 13 mil interações por publicação, contra uma média de 4,2 mil interações por postagem do campo lulista nas doze horas que sucederam o debate da Band. O campo bolsonarista emplacou as quinze publicações com maior quantidade de interações no período analisado. Dessas 15, nove foram publicações da página de Jair Bolsonaro, que emplacou as quatro primeiras posições. A publicação com maior número de interações foi do presidente agradecendo a audiência dos espectadores do debate da Band. O post teve 177 mil reações, 23 mil comentários e 5 mil compartilhamentos. Uma imagem de bastidor também havia sido a mais “viralizada” na entrevista de Bolsonaro ao Jornal Nacional.
Tabela 2. Presença dos campos Lulista e Bolsonarista no Instagram, 12 horas após o fim do debate
|
Total de Interações |
Total de Postagens |
Média |
Bolsonarismo |
4.029.175 |
45 |
89.537,22 |
Lulismo |
2.819.755 |
125 |
22.558,04 |
No Instagram, o bolsonarismo também dominou quanto ao total de interações e na média de interações, porém o lulismo conseguiu superar no número de publicações. O Bolsonarismo publicou 45 posts com mais de 4 milhões de interações, em uma média de quase 90 mil interações por postagens; o lulista, por sua vez, conseguiu 2,8 milhões de interações em 125 mil publicações, uma média de 22,5 mil interações por post. Nesta rede, apesar de Bolsonaro também liderar, não tivemos o domínio que vimos no Facebook: o campo lulista emplacou a terceira posição com o próprio Lula. O post com maior número de interações foi de agradecimento pela audiência no debate, que também foi o mais compartilhado no Facebook. No Instagram, o post teve mais de 1,3 milhões de likes e quase 60 mil comentários.
No Twitter, a disputa é acirrada entre os dois campos, mas no debate eles dividiram a atenção com Simone Tebet e Ciro Gomes, que tiveram mais menções positivas do que Lula. O tema corrupção foi o assunto mais comentado entre usuários do Twitter. Entre 21h, quando o debate teve início, e 23h50, foram mais de 2,7 milhões de tweets sobre eleições. Interessante notar que o tema foi explorado no debate, especialmente contra o ex-presidente Lula, mas não figura, nestas eleições, entre as principais preocupações da população. Segundo a última pesquisa Quaest, economia (37%), questões sociais (20%) e saúde/pandemia (16%) são, em geral, as preocupações mais frequentes.
Mesmo nas redes sociais, segundo levantamento deste Observatório, democracia, religião, pandemia e economia estão entre os principais temas abordados nas publicações nesta primeira fase da campanha eleitoral. É possível, portanto, inferir que o debate da Band ampliou a repercussão do tema da corrupção. Um tema que, por enquanto, parece atingir mais negativamente o ex-presidente Lula, apesar das denúncias contra Bolsonaro.
O bolsonarismo, portanto, até aqui ganha no Facebook e no Instagram, mas enfrenta uma disputa mais acirrada neste. No Twitter o jogo é mais duro, com certa projeção da esquerda. As redes sociais são a principal fonte de informação sobre política para os grupos entre 16 e 24 anos e 25 a 34 anos. Entre 35 a 44 anos, as redes dividem centralidade com a TV. Esta lidera com folga apenas na faixa etária acima de 45 anos. O resultado dessa presença do bolsonarismo nas redes também é identificado pela pesquisa. Entre eleitores que pretendem votar em Bolsonaro, 43% usam as redes para se informar, percentual que chega a 25% quando a fonte é a televisão. Os percentuais indicam a importância que as redes possuem para o bolsonarismo – e a necessidade de o lulismo disputá-las.
* Eduardo Barbabela é doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ. Pesquisador do IESP-UERJ e subcoordenador do Projeto Manchetômetro.
*Helena Martins é professora de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da UFC e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFC. Pesquisadora do Telas e do Obscom-Cepos.
por Eduardo Barbabela
Helena Martins*
Eduardo Barbarela**
Ataques às urnas, defesa de tratamento precoce contra o coronavírus, desmatamento como resultado de causas naturais. Essas e outras alegações já fartamente repetidas – e desmentidas – vieram novamente à tona na entrevista concedida por Jair Bolsonaro (PL) ao Jornal Nacional, a primeira da série de entrevistas com os presidenciáveis. Ainda que num tom mais comedido, o candidato à reeleição manteve a estratégia de falar para seu público, sem mudar o discurso que vem desenvolvendo ao longo do mandato. Ao contrário, as teorias conspiratórias foram acompanhadas de frases rápidas replicáveis nas redes sobre “liberdade de expressão” e fazer “cumprir a lei”. Nem mesmo a suspeição sobre as eleições foi deixada de lado, apesar da insistência do âncora William Bonner em arrancar compromisso com o resultado das eleições. No máximo, Bolsonaro afirmou que “serão respeitados os resultados das urnas, desde que tenhamos eleições limpas e transparentes”.
Nas redes, a conversação sobre a entrevista foi expressiva, o que mostra a importância da TV e do Jornal Nacional, que registrou 32 pontos em média durante a participação de Bolsonaro. Logo no início, em uma tentativa de direcionar críticas que tem recebido ao interlocutor, Bolsonaro disparou contra William Bonner: “Fake news da sua parte”, afirmou, ao ser questionado sobre xingamentos contra ministros do Supremo Tribunal Federal. A resposta gerou réplica de Bonner, que insistiu na validade de sua afirmação. Nas redes, o confronto entre o presidenciável e o jornalista já estava anunciado. Antes de a entrevista começar, o Twitter registrava 34 mil postagens com a hashtag #BolsonaroNoJN e 23 mil sobre Bonner, 2o e 6o lugares no ranking dos principais assuntos às 20h23. Depois do embate, Bonner era o tema de 72,8 mil tweets. #BolsonaroNoJN, de 47,3 mil, 1o e 3o no ranking, respectivamente. Uma hora e meia após o início da entrevista, havia 446 mil tweets sobre Bonner, o assunto mais comentado de então. Em segundo, #GloboLixo, com 187 mil menções. #JornalNacional já ocupava a 3a posição, seguida de temas tratados na entrevista, como Amazônia e centrão. As hashtags e os principais posts mostram uma disputa nessa rede, com predomínio de conteúdos críticos ao atual presidente.
Dados do monitoramento do Observatório das Eleições apontam que há um desequilíbrio enorme entre os pólos políticos no Facebook. Acompanhando 44 perfis de destaque das redes bolsonarista e lulista nas 12 horas que se seguiram à entrevista, percebemos que o conjunto dos principais agentes do campo do atual presidente publicou 64 postagens, gerando 2.423.686 interações. A rede de Lula, por sua vez, publicou 57 posts e gerou 159.851 interações nessas publicações. O bolsonarismo aparece com uma média de interações 13,5 vezes maior do que a lulista.
Tabela 1. Engajamento no Facebook do lulismo e do bolsonarismo 12 horas após a entrevista
|
Nº de postagens |
Total de Interações |
Média de Interações por post |
Bolsonarismo |
64 |
2.423.686 |
37.870,09 |
Lulismo |
57 |
159.851 |
2.804,40 |
Os conteúdos com maior repercussão foram postados pela conta oficial de Bolsonaro, sem concorrente à altura. Em primeiro lugar, Bolsonaro reproduz um vídeo de seu encontro com apoiadores no Projac, em Curicica, no Rio de Janeiro. O vídeo, transmitido ao vivo após a entrevista, apresenta uma pequena fanfarra que esperava o presidente nos estúdios da Globo. Ao final, já dentro de um carro, Bolsonaro convida seus apoiadores a participarem dos eventos do dia 7 de setembro no Rio de Janeiro. A postagem obteve mais de 1,18 milhão de visualizações nas 12 horas que se seguiram à participação na Globo.
A segunda publicação com maior taxa de interações é também de Bolsonaro. Trata-se de um texto em que critica a Globo de forma irônica: “Foi uma enorme satisfação participar do pronunciamento de William Bonner Kkkkk. Na medida do possível, com muita humildade, pudemos esclarecer e levar algumas informações que raramente são noticiadas em sua emissora”. Às 8h50 do dia seguinte ao debate, o conteúdo registrava 214 mil reações, 28 mil comentários e 9,9 mil compartilhamentos. Também obteve muito engajamento o vídeo com trecho da entrevista em que o candidato afirma ter enfrentado dificuldades como guerra, pandemia e seca, mas ressalta que “nós fizemos todo o possível para que a população sofresse o menos possível”. O post, que busca dar respostas aos impactos da crise econômica que afeta os brasileiros, somava, na manhã da terça-feira, 125 mil reações, 14 mil comentários e 19 mil compartilhamentos. A postagem de Bolsonaro assistindo ao SBT nos bastidores da Globo, antes da entrevista, recebeu 7,3 mil comentários e 3,6 mil compartilhamentos.
Tabela 2. Publicações do lulismo e do bolsonarismo 12 horas após a entrevista no Instagram
|
Nº de postagens |
Total de Interações |
Média de Interações por post |
Bolsonarismo |
14 |
2.329.363 |
166.383 |
Lulismo |
27 |
3.175.032 |
117.594 |
No Instagram, a disputa foi menos desigual e com menos postagens, apenas 41. Do total de posts, 27 foram do núcleo lulista (66%), enquanto 14 foram do núcleo bolsonarista (34%). O núcleo do ex-presidente Lula conseguiu maior quantidade bruta de interações: 3.175.032, contra 2.329.363 da rede bolsonarista. No entanto, quando comparamos as médias, o resultado é pró-Bolsonaro: a rede do atual presidente teve uma média de 166.383 interações por post, enquanto a rede Lulista teve uma média de 117.594 interações por publicação.
Bolsonaro e seus apoiadores também dominaram o topo das publicações com maior número de interações no Instagram. Em primeiro lugar, está uma reprodução de um tweet do presidente agradecendo a audiência de sua entrevista no Jornal Nacional e ironizando a atuação de William Bonner. Publicações de Bolsonaro também aparecem na segunda e terceira posições.
Em suma, podemos concluir que tanto no Facebook como no Instagram, o bolsonarismo atuou de forma mais eficiente do que o lulismo. Mesmo que não seja possível avaliar se as publicações furaram as respectivas bolhas ou se as interações foram impactadas pela presença ou não de robôs, os dados demonstram que o bolsonarismo aproveitou melhor o evento para fortalecer sua narrativa dentro das redes sociais, principalmente no Facebook. No Instagram, a situação se demonstrou mais equilibrada, apesar de a rede de Bolsonaro se apresentar mais eficaz na média – a rede de Lula alcançou maior número de interações e publicou um maior número de posts. A estratégia de overposting pode ser uma alternativa para conseguir superar os altos números de seguidores que as páginas bolsonaristas têm, hipótese que se mostrará válida ou não nos próximos passos da campanha.
- Helena Martins é professora de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da UFC e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFC. Pesquisadora do Telas e do Obscom-Cepos.
- Eduardo Barbabela é doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ. Pesquisador do IESP-UERJ e subcoordenador do Projeto Manchetômetro.