Resultados eleitorais em Sergipe: dança das cadeiras e alianças políticas de base familiar

Resultados eleitorais em Sergipe: dança das cadeiras e alianças políticas de base familiar

Fernanda Rios Petrarca e Wilson José Ferreira de Oliveira

Publicado no Brasil de Fato

As eleições em Sergipe em 2022 foram marcadas por certas circunstâncias que dizem respeito tanto às condições de emergência e consolidação dos principais grupos políticos no estado e de suas relações com a política nacional quanto às dinâmicas de enfrentamento e competição entre eles. No tocante a um conjunto significativo de mudanças observadas nos resultados eleitorais, podemos citar pelo menos três alterações que chamam a atenção.

A primeira diz respeito ao grau de representação dos partidos. Seguindo uma tendência observada no Brasil recentemente, percebe-se uma pequena diminuição no grau de fragmentação dos partidos com representação nas câmaras legislativas, tanto estadual quanto federal. Enquanto em 2014 e 2018 o total de partidos com representação na Assembléia Legislativa era de 14, em 2022 esse índice diminuiu para dez. 

Essa maior concentração em algumas legendas fica mais clara quando se observa o quadro dos eleitos para a Câmara Federal. Em 2018 foram eleitos oito representantes, cada um de um partido diferente, em 2022 o quadro é relativamente distinto: dois do União Brasil e dois do PSD,  e o Republicanos, PP, PL e PT com um cada. Assim, passamos de uma situação em que eram oito os partidos com representação para outra em que são apenas seis.  Já na Assembléia Estadual os partidos com maior representação são também os mesmos, com exceção do PP e do PT. A composição ficou: o PSD com cinco deputados, o União Brasil com quatro, o Republicanos e o PL com três cada um.

A segunda mudança está associada à ampla taxa de renovação. Na Câmara Federal, do total de oito deputados federais eleitos por Sergipe, apenas três foram reeleitos, correspondendo a 62,5% a taxa de renovação. Na Assembleia Legislativa Estadual, tal índice chegou a cerca de 60%. Do total de 24 deputados eleitos, 15 são considerados “novatos”. Ambas as casas superaram os resultados eleitorais de 2018, momento em que se observou uma modificação de 50%. Contudo, tal renovação de eleitos não é sinônimo de renovação partidária. Muito pelo contrário, o que se observa é uma maior concentração dos partidos situados no espectro político do centro e centro-direita. Destaca-se o desempenho eleitoral do PSD, o qual já havia, em 2020, conquistado 20 Prefeituras sob seu comando direto e firmado alianças, tanto à direita quanto à esquerda, que se estendem por 34 dos 75 municípios sergipanos. 

Por fim, a terceira alteração diz respeito à ampliação de mulheres eleitas. O estado elegeu duas mulheres para a legislatura federal, o que representou um feito inédito na história de Sergipe, uma vez que mulheres ainda não haviam ocupado o cargo pelo estado.  Na legislatura estadual, a presença feminina é inferior e não houve significativa alteração, correspondendo a pouco mais de 20%. A mudança representativa fica a cargo de Linda Brasil, a primeira mulher trans eleita para a Assembleia Legislativa de Sergipe. 

Essas mudanças, no entanto, referem-se à quantidade e ao grau de representação, mas não estão dissociadas das condições de emergência e consolidação dos principais grupos políticos do estado. Tratando-se de um sistema político que tem por princípio as “alianças” entre grupos de “base familiar”, observa-se que em meio ao aparecimento de novos eleitos e eleitas e até certa taxa alta de “renovação”, há a continuidade da política de aliança de “base familiar”. No âmbito federal, do conjunto de oito deputados federais eleitos, seis representam grupos de “base familiar” e apenas dois correspondem a grupos de base partidária e política profissional. Já na Assembleia Legislativa Estadual, do total de 24 deputados, pelo menos 11 fazem parte de agrupamentos familiares. Tais dados reforçam a permanência e a consolidação destes grupos na política regional. 

Nesse sentido, em meio a uma taxa de 62,5% de renovação para a Câmara Federal, observa-se a continuidade desta política de “base familiar” entre os quatro mais votados: uma “novata”, filha de um estabelecido líder local, o segundo, outro “novato”, também filho de um líder emergente. Ainda entre os novatos, dois que têm como base a política no meio profissional na área de segurança pública e um explícito defensor do “bolsonarismo”, que já era deputado estadual e filho de uma família com tradição na política estadual (“os Valadares”). Por fim, entre os continuadores, dois que também representam a política de “base familiar”: “os Reis” e “os Ribeiro”. 

Desta forma, mais do que a alta taxa de renovação na Câmara Federal, quando se considera os padrões de acesso e consolidação na política estadual e federal, o que se observa é o domínio da política “de base familiar”, formando o polo principal tanto da permanência quanto da renovação; e, por outro, o da política de base profissional e partidária.

O caso mais emblemático das continuidades que as mudanças propiciam é o de “Yandra de André”. Yandra não só está no seu primeiro mandato, sendo, portanto, uma neófita, como se tornou a personagem política sergipana a se eleger com a maior quantidade de votos. Há ainda outro elemento importante que ela representa: a participação das mulheres na política. Afinal, é a primeira vez que Sergipe elege uma deputada federal. Entretanto, Yandra é parte e representa um dos agrupamentos de base familiar do estado. Seu pai, André Moura, é um político local que acumula dois mandatos de prefeito, dois de deputado federal, foi ou é liderança do governo no Congresso Nacional e candidato ao Senado federal que- apesar de não ter sido exitoso- contribuiu para a ampliação de sua base eleitoral e fortalecimento do seu capital político. Seu avô, Reinaldo Moura, foi vereador e deputado estadual, sua avó Lila Moura, deputada de único mandato, e sua mãe, Lara Moura, é a atual prefeita de Japaratuba. Assim, apesar de ser considerada uma novata na política, o grupo do qual Yandra faz parte é bem consolidado, com ramificações diversificadas e liderando uma aliança com 22 prefeitos e quase 30 vice-prefeitos em um estado com 75 municípios. Coube a ela, nesse momento, representar o agrupamento na Câmara Federal, já que seu pai encontra-se impedido judicialmente.

Considerando que, historicamente, os grupos que conseguem maior ampliação no âmbito estadual são aqueles que conseguem uma maior articulação entre os níveis municipal, estadual e federal, os eleitos demonstram a consolidação desse padrão de fazer política, como também sua concorrência, ainda que pequena, com a entrada na política com base na inserção profissional. Um exemplo de como isso ocorre são as chamadas candidaturas “casadas”, que se manifestam quando dois membros do mesmo agrupamento disputam níveis diferentes. Esse é o caso dos “Ribeiro”. Enquanto Hilda Ribeiro ocupa o cargo de prefeita de Lagarto, a sogra disputou com sucesso o cargo de deputada estadual e o marido Gustinho Ribeiro foi reeleito deputado federal.

No que diz respeito à corrida ao governo do estado, a dinâmica se repete. De um lado, Rogério Carvalho, do PT, palanque oficial do Lula, lidera uma aliança sustentada, principalmente, nas redes de base profissional. De outro, Fábio Mitidieri- que no primeiro turno defendeu palanque neutro – consolida uma coligação, fundamentalmente, com agrupamentos políticos de base familiar. 

Nessa disputa, cabe ainda um adendo crucial, o “fator Valmir”. A manutenção da candidatura de Valmir de Francisquinho, líder das pesquisas, até o último momento, já que ele se encontrava impedido e teve o indeferimento definitivo um dia antes das eleições, deixou o cenário incerto. Ao mesmo tempo, a anulação dos seus votos pelo TSE conferiu a Fábio Mitidieri certa vantagem, uma vez que em um cenário com Valmir, ele estaria fora da disputa. Outro ponto importante do “fator Valmir” diz respeito ao lugar que o mesmo ocupa nas disputas entre os agrupamentos políticos de base familiar. A manutenção da sua candidatura contribuiu para ampliar seu capital político, em especial, e consolidar o lugar que o agrupamento representa na disputa política regional (“os Valmir”), inclusive com a eleição de seu filho para deputado federal como o segundo mais votado.

Ocupar os cargos em todos os níveis é fundamental, já que são eles que permitem não só o acesso a recursos econômicos, como aos orçamentos públicos (municipais, estaduais e federais), assim como a posição de liderança, funcionando como recurso de competição política. Dadas as condições do orçamento secreto como forma de acesso a recursos econômicos e políticos, pode-se aventar a possibilidade de conduzir a uma maior homogeneidade e maior controle destes agrupamentos.

Deste modo, os dados da legislatura deste ano reforçam a consolidação de um padrão de dominação da política estadual que perpassa a lógica de base familiar. Nessa direção, candidaturas bem sucedidas, como aquelas sendo recordes de votos, são também as que conseguem combinar de maneira mais promissora recursos econômicos vastos, alianças políticas diversificadas de base familiar no âmbito estadual e inserção nos diferentes níveis da política nacional.

 

Fernanda Rios Petrarca é doutora em Sociologia, professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe e coordenadora do Laboratório de Estudos do Poder e da Política (LEPP/UFS). Instagram: @leppufs. Twitter: @leppufs

 

Wilson José Ferreira de Oliveira é doutor em Antropologia, professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe e coordenador do Laboratório de Estudos do Poder e da Política (LEPP/UFS). 

Xadrez Eleitoral em Sergipe: das peças às movimentações no tabuleiro político

Xadrez Eleitoral em Sergipe: das peças às movimentações no tabuleiro político

Fernanda Rios Petrarca

Wilson José Ferreira de Oliveira

 

Semelhante ao que se observa no Brasil, a política sergipana se caracteriza pela forte fragmentação, marcada por partidos divididos internamente em múltiplos agrupamentos que disputam seu controle e liderança. Em tal situação, uma das características centrais é a composição sustentada, de uma parte, em redes de base familiar e, de outra, em redes de lideranças pessoais formadas na política profissional. Assim, é comum esses grupos políticos se definirem ou pelo nome da família, como “os Alves”, “os Valadares”, “Os Franco”, “Os Amorim”, ou pelo nome da liderança e sua base, como “o grupo” “de Jackson”, “de Belivaldo Chagas”, “de André Moura”, e assim por diante. Isso porque a estrutura de poder e de dominação passa por esses agrupamentos que disputam a liderança dos partidos, dos blocos e lutam para preencher os cargos em todos os níveis (federal e estadual). A capacidade de liderança depende dos cargos eletivos, que funcionam como recurso de competição política regional.

Desde a primeira eleição para o governo do estado, após a redemocratização do país, em 1983, até o último pleito, Sergipe elegeu o sucessor. A exceção dessa regra foi o primeiro mandato do governo de Marcelo Deda (PT) em 2007, o qual foi marcado por uma ruptura com o bloco político que comandava o estado desde a década de 1970. Esse bloco, resultado da aliança entre vários agrupamentos, teve os “Franco” como liderança e elegeu sucessores até 2007. O contexto da eleição de Deda foi marcado por uma diluição deste bloco, provocando uma ruptura nessa continuidade e desenhando, para o estado, uma nova forma de composição dos agrupamentos que abriu a oportunidade para novas lideranças.

A eleição de Deda foi marcada pela emergência de um novo bloco político que se manteve articulado até a eleição de 2018. Assim como os anteriores, Deda se reelegeu. Com a sua morte precoce, seu vice, Jackson Barreto (PMDB), tornou-se governador e também se reelegeu. Como num movimento contínuo, a última eleição, em 2018, elegeu Belivaldo Chagas (PSD), vice de Jackson Barreto e primeiro vice de Marcelo Deda. Entretanto, nas eleições de 2022, o bloco se dissolveu. O PT lançou candidatura própria, com Rogério Carvalho à frente e com o apoio de Jackson Barreto (PMDB). Belivaldo Chagas (PSD) rompeu com sua vice, Eliane Aquino (PT), e lançou apoio a Fábio Mitidieri (PSD) como seu sucessor. 

O resultado dessa dissolução já pode ser sentido nas pesquisas eleitorais, asquais mostram um cenário bem diferente para 2022. O quadro abaixo nos revela os quatro candidatos mais competitivos, segundo a última pesquisa do IPEC divulgada em 22 de setembro de 2022. 

É nesse contexto que Valmir de Francisquinho, do Partido Liberal (PL), apresenta-se como o candidato da oposição no estado. Apesar de oficialmente representar a coligação com Jair Bolsonaro, sua estratégia é a dissociação da imagem do atualpresidente. Seus programas de rádio, TV e redes sociais não fazem menção a Bolsonaro, e suas mensagens vão, muitas vezes, na direção oposta, como a defesa das vacinas, o controle da pandemia e o diálogo, inclusive, com sindicatos. Isso ocorre porque o desempenho de Lula no estado é alto, representando 56% das intenções de voto, contra 26% de Jair Bolsonaro. Isso faz com que Francisquinho se descole o tempo inteiro do presidente, construindo uma posição autônoma e defendendo um voto mais pessoal. Esse movimento não é, contudo, recente. Em maio do corrente ano, quando Bolsonaro esteve no estado para inauguração de uma obra, Valmir não esteve presente. Sua coligação traz, ainda, o nome de Eduardo Amorim (PL) para o Senado e é apoiada, em grande medida, em Itabaiana, município em que foi prefeito e que é um dos maiores colégios eleitorais do estado, e nos municípios em que o grupo dos “Amorins” tem base eleitoral. Mas, apesar de ter conseguido homologar a sua candidatura e de ter apresentado desempenho nas pesquisas, ela está suspensa por ordem do Tribunal Superior Eleitoral. O órgão manteve a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe de decretar a inelegibilidade de Valmir e de seu filho, Talysson de Valmir (PL), por abuso de poder político e econômico pelo período de oito anos, a contar das eleições de 2018.

Enquanto Valmir de Francisquinho abre a corrida com folga tentando esconder Bolsonaro, os outros dois candidatos, Rogério e Mitidieri, seguem quase empatados e buscam associar sua imagem à do ex-presidente Lula. Rogério Carvalho, do PT, é o palanque oficial de Lula na campanha. Atual senador pelo estado, ele representa a coligação da Federação Partidária (PV, PT e PCdoB) com o MDB e o PSB. A aliança com dois importantes agrupamentos políticos sergipanos é a marca a ser destacada nessa coligação, que conta com o apoio do MDB, na figura de Jackson Barreto, e do PSB, a partir da liderança do ex-governador e senador por trêsmandatos, Antônio Carlos Valadares, e de seu filho, que concorre ao Senado. Enquanto no cenário nacional o MDB segue com candidatura própria, em Sergipe, ele monta palanque com o PT. Isso se deve, em parte, à liderança de Jackson Barreto dentro do partido e de sua aliança com o PT desde o governo de Marcelo Deda (PT). 

A coligação liderada por Fábio Mitidieri representa a sucessão de Belivaldo Chagas e é a que mais expressa os desafios de equilibrar a dinâmica dos compromissos locais com as alianças nacionais. Fábio Mitidieri é deputado federal e uma importante liderança regional, conhecida por conduzir não só o PSD no estado, mas também “os Mitidieri” como agrupamento político. Sua coligação traz o nome de Laércio Oliveira, liderança local e representante do governo Bolsonaro em Sergipe, como senador, e tem ainda o apoio do prefeito de Aracaju, do PDT. Na tentativa de atrair um eleitorado diversificado (conservador e progressista) e contrabalançar suas alianças nesses diferentes agrupamentos no estado, Mitidieri sustenta que “o voto não é agarrado” e defende abertamente, nos seus programas de rádio e TV, o voto no ex-presidente Lula.

Por fim, o senador Alessandro Vieira se lança como oposição ao bloco PT/PSD. Como ex-delegado, esteve à frente de diversas investigações de corrupção, lançando seu nome na esteira do lavajatismo e apresentando-se como uma rota alternativa à chamada “velha política”. Duas são as grandes dificuldades de sua candidatura: a capacidade de sustentar sólidas alianças regionais com agrupamentos políticos mais amplos e a apresentação de uma pauta para além da chamada “luta contra a corrupção”, diante dos desafios da fome e do desemprego. 

Apesar da tendência em Sergipe de se reeleger o sucessor, a fotografia atual indica uma rota diferente das observadas em pleitos anteriores. Quais seriam, então, os fatores que levam a um movimento em direção ao situacionismo e por que a tendência é a ruptura disso em 2022?

Em nossa avaliação, a compreensão dessas movimentações implica dar conta de um sistema político fundado em “alianças personificadas” entre lideranças de agrupamentos diversificados. A chance de recondução ao cargo ou a eleição do sucessor depende de alianças com agrupamentos fortes dentro do estado, que se organizam a partir de um grande bloco e que, por essas condições, conseguem preencher outros cargos nos níveis municipal, estadual e federal. A ruptura na continuidade ocorre quando o bloco se dissolve e as alianças se quebram, expondo a fragmentação, as divisões internas, e abrindo a oportunidade para novas lideranças. Foi esse movimento que gerou as condições para a eleição de Deda em 2007, dando origem a um novo bloco, resultado da aliança entre PT, PMDB e PSD. E é justamente a ruptura desse bloco no pleito atual que está pavimentando o terreno para um novo desenho das relações de força.