por Helena Dolabela
Helena Dolabela
A Amazônia é o epicentro da agenda de segurança climática e hídrica do planeta. Espaço de proporções continentais, maior fronteira de recursos naturais composto de rede de bacias hidrográficas e enorme diversidade biológica e cultural, é fundamental na prestação de serviços ambientais como equilíbrio ecossistêmico, sumidouro de carbono e provedor de corredores de umidade. Tem papel incontornável no debate sobre o futuro de humanos e não humanos na sociedade global contemporânea. A sua proteção é tão urgente quanto óbvia, mas não parece ainda ter encontrado ressonância – à altura do colapso climático – na pauta eleitoral.
Já publicamos nesse Observatório um artigo sobre a inclusão da pauta de mudança climática nos planos de governo dos candidatos à Presidência em 2022. Afirmamos que este tema, intrinsecamente relacionado à proteção da Amazônia brasileira, está presente nas diretrizes e propostas de governos para o futuro. No entanto, advertimos que era preciso ir além e acompanhar a direção e a coerência dos discursos e ações dos presidenciáveis ao longo da campanha eleitoral.
Havia uma grande expectativa em relação ao primeiro debate televisionado com os candidatos à Presidência da República. Uma real oportunidade de dar visibilidade às visões e propostas dos candidatos em relação à Amazônia brasileira. Mas não foi o que aconteceu. Durante o debate, nem pela parte dos jornalistas nem pelos próprios candidatos o tema teve qualquer centralidade. De holofotes baixos, o presidente Lula fez a única pergunta sobre a crise climática para o candidato Felipe D`Ávila (Novo) numa dupla tentativa de criticar a política de destruição da floresta do atual presidente Bolsonaro e exaltar a sua política passada contra o desmatamento e a favor da cooperação internacional, mas sem polemizar a respeito. A resposta do candidato do partido Novo, que só enxerga mercado a sua frente, foi: “meio ambiente nós vamos resolver com mais mercado”. Ele ainda criticou a “retaliação” ao Brasil por parte dos governos estrangeiros que bloqueiam a compra de soja e carne proveniente de áreas desmatadas: E sentenciou: “O agronegócio é o que mais sofre com o desmatamento”. Por fim, se mostrou aberto ao diálogo com os organismos estrangeiros para o crescimento econômico e a retomada de investimentos internacionais.
A jornalista Eliane Brum, autora do livro Brasil, construtor de ruínas: um olhar sobre o Brasil, de Lula a Bolsonaro no qual está embasada a ideia da Amazônia como “centro do mundo”, se posicionou nas redes sociais após o debate: “a palavra Amazônia não foi pronunciada, nem a palavra “indígena”, nem a palavra “racismo”. Meio ambiente foi mencionado de forma superficial, mas cobriram o agronegócio de elogios e uma candidata fez propaganda para o Ferrogrão (…) Parecia um teatro de uma outra época, sobre um Brasil de outro tempo. A desconexão dos candidatos e das candidatas com o que realmente é importante, com o que define nosso presente e o que definirá o nosso futuro é aterradora”.
Na semana seguinte, uma movimentação da candidatura Lula começou a preencher esse vazio político-eleitoral. No dia 29 de agosto, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teve um encontro com deputados do Parlamento Europeu durante o qual foi discutido, entre outros temas, a proteção da floresta amazônica. Lula reafirmou o compromisso com a soberania da Amazônia e pronunciou-se favorável ao apoio da União Europeia em investimentos, ciência e tecnologia e projetos para a exploração da biodiversidade da Região Amazônica. Este encontro sinaliza um deslocamento em relação à política externa bolsonarista na questão ambiental que levou a retrocessos diplomáticos com forte impacto no combate ao desmatamento, conservação ambiental e fomento a atividades econômicas sustentáveis.
Estes acenos eleitorais para fora de D´Ávila e Lula na tentativa de recuperar a credibilidade do país na questão ambiental e retomar a cooperação internacional junto à União Européia – ainda que por espectros diferentes – também têm aparecido no discurso da candidata Simone Tebet. Esta candidata tem se dedicado a “colar” em sua candidatura uma imagem positiva de gestora experiente e comprometida com o desenvolvimento sustentável e economia verde. Em recente entrevista realizada para o canal da CNN, ela criticou a posição do Brasil como “pária internacional”, reafirmando a importância de um alinhamento na questão ambiental junto à União Europeia. A justificativa invocada é a sua importância para a manutenção e a expansão do agronegócio – o que se mostra mais convergente com a posição do candidato do Novo.
Já Ciro Gomes, preocupado em se mostrar como o candidato que salvará a pátria da polarização e reerguerá a combalida economia brasileira por meio da reindustrialização, não explica como essa última proposta se conciliará com uma agenda ambiental que tenha compromisso com a redução dos níveis de emissão de carbono. Se manifestou sobre a crise ambiental quando provocado pelo jornalista da Rede Globo, no qual explicou a sua proposta de zoneamento econômico-ecológico e regularização fundiária na Amazônia, mas estas pautas complexas ficaram totalmente esquecidas nas suas subsequentes aparições. Definitivamente, ainda não disse o tamanho do seu compromisso com o futuro da região.
Para finalizar. No dia 5 de setembro foi celebrado o Dia da Amazônia. A data foi lembrada nas redes sociais pelos principais candidatos à Presidência, os quais se manifestaram em breves textos pela preservação da floresta amazônica no twitter, com exceção de Jair Bolsonaro. Isto não é uma grande surpresa, para quem, em sua primeira entrevista em rede nacional, propalou uma interpretação equivocada e pró-criminosos sobre a Lei de Crimes Ambientais, desautorizando a atuação de agentes do Ibama no combate à exploração mineral ilegal. Ao contrário do que ele disse, a legislação brasileira permite a destruição de produtos que estejam sendo usados em atividades de garimpo ou mineração ilegais. O plano de governo de Bolsonaro 2022, que se mostra mais aberto à questão climático-ambiental, parce ser uma peça apenas formal e que não corresponde a sua visão de mundo negacionista e retrógrada.
Como tentamos mostrar de forma breve, embora seja possível visualizar alguns avanços e distanciamentos em relação à política atual, especialmente no âmbito das relações exteriores, o balanço sobre o lugar da Amazônia na pauta eleitoral até aqui continua o mesmo: marginal, sem profundidade e desconectado da escala planetária dos desafios futuros para o país e para a humanidade. São tantas as questões internas que também precisam ser discutidas como, por exemplo, o fato bastante ignorado de que a Amazônia é um local onde eventos climáticos extremos já estão ocorrendo, com forte impacto no modo de vida dos povos tradicionais, especialmente daqueles que ainda não tiveram os seus direitos constitucionais reconhecidos por meio da demarcação de terras. A agenda é longa, complexa e tem que ser enfrentada já!
Helena Dolabela é graduada em Direito. Mestre em Ciência Política e Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora em estágio pós-doutoral do INCT-IDDC.
por Helena Dolabela
Helena Dolabela*
Publicado no Jota
Na semana que passou, a Rede Globo realizou uma rodada de entrevistas com quatro candidatos à Presidência da República. O tema da crise climática ganhou evidência na segunda entrevista, com a participação de Ciro Gomes, na qual o jornalista Willian Bonner destacou a escala planetária do problema. Após uma primeira resposta do candidato sobre as suas propostas de enfrentamento à questão, a jornalista Renata Vasconcellos afirmou que o Plano de Governo de Ciro Gomes não contemplava um “plano específico” sobre emergência climática, o que foi contestado em seguida pelo entrevistado: “está, sim, no meu plano! ”. Esse episódio parece sugerir que o tema da mudança climática pode entrar de vez no debate eleitoral, ao menos no nível federal.
Na definição da ONU, as mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima. Por um lado, como cientistas de várias áreas do conhecimento vêm comprovando, este fenômeno, quando relacionado às atividades humanas possui especificidades – como demonstrado recentemente em amplo estudo científico contendo casos brasileiros, e o cerne do seu enfrentamento é a redução das emissões de gases de efeito estufa em escala global. Isso tem levado à construção de marcos normativos e acordos diplomáticos como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e o tratado do Acordo de Paris, além do desenvolvimento de mecanismos de “financiamento dos ajustes necessários” e “adaptação aos impactos climáticos”. Por outro, sinaliza um ponto importante: não é possível tratar o tema da crise climática sem levar em conta a sua inter-relação com outras áreas como relações externas, energia, ciência e tecnologia, meio ambiente, direitos dos povos e comunidades tradicionais, entre outros. Este é o principal desafio para uma análise sistemática sobre o compromisso das candidaturas neste tema específico.
Um olhar generalizado mostra que todos os planos de governo neste ano de 2022 contemplam os desafios climáticos. Isso não representa uma grande inovação em relação aos planos de Haddad e Ciro de 2018. Já naquela oportunidade, a mudança climática tinha espaço transversal. O atual plano de Ciro defende a “floresta em pé”, conciliando-a à lavoura e à pecuária, a regularização fundiária, a redução do desmatamento e das emissões de gases e a realização de um zoneamento econômico e ecológico, especialmente na Região Amazônica. Declara-se pelo respeito, preservação e não exploração ilegal das reservas territoriais indígenas por outros grupos étnicos.
Já o de Lula, propõe uma transição ecológica com base nos “conhecimentos tradicional e científico”, a transformação das atividades produtivas, o reflorestamento e a conservação dos ecossistemas e a diversificação da matriz energética. Reforça o compromisso com a proteção dos direitos e territórios tradicionais, garantindo a posse das terras e combatendo atividades predatórias, a defesa da Amazônia contra a “política de devastação” e crime ambiental, o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente e da FUNAI. Expressa, ainda, o cumprimento das metas de redução de emissão de gás carbono assumidas na Convenção de 2015 em Paris, e ressalta os custos econômicos (redução do PIB), sociais e humanos do não enfrentamento da emergência climática.
Foto Bruno Kelly/Amazônia Real.
As maiores novidades estão no atual plano de Bolsonaro, o qual apresenta uma guinada em relação ao anterior, e o plano de Tebet, candidata pela primeira vez na disputa eleitoral para a Presidência. A candidata tem dado destaque à defesa de uma “economia verde” que incorpora ações para mitigação das mudanças climáticas. No seu plano de governo estão incluídas diretrizes como o compromisso com o Acordo de Paris e o REED+ (Acordo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), a intenção de “acelerar e antecipar o alcance de metas de redução de gases de efeito estufa e de reflorestamento” e implementar mecanismos de compensação como o mercado de carbono. Partindo de uma crítica severa à atual política ambiental – “nunca se destruiu tanto como agora” – pretende a retomada e o fortalecimento de instituições como Ibama, ICMBio, INPE, e também FUNAI. Ainda são mencionadas a transição para uma matriz energética limpa, a agricultura de baixo carbono e o apoio à agricultura familiar. Manifesta-se, claramente, pelo cumprimento rigoroso da legislação na defesa dos direitos dos povos originários e na proteção de seus territórios.
O plano de Bolsonaro 2022 apresenta o Brasil como parte da “solução para vários desafios do planeta”, entre eles, a “mudança climática”. Embora represente uma mudança de rumo, traz algumas inconsistências. O “Eixo Sustentabilidade Ambiental” aborda o uso da tecnologia no controle e fiscalização das queimadas ilegais, desmatamento e crimes ambientais, modelos produtivos sustentáveis, justiça ambiental e desenvolvimento sustentável da Amazônia. Sobre a Amazônia brasileira exalta a sua soberania e a “cobiça externa” e caminhos para desenvolvimento sustentável, dando continuidade às ações de combate aos crimes ambientais. Sustenta a utilização de energia limpa e “soluções climáticas” como combustíveis limpos, veículos elétricos e híbridos, e “mercado de carbono”, entre outros. O Brasil aparece, ainda, dentro da política externa como “País Verde Desenvolvido”. Não há, contudo, qualquer menção ao cumprimento das metas para redução de emissões de carbono estabelecidas no Acordo de Paris.
Essa visível mudança de orientação para uma maior abertura na questão climática parece se explicar pela repercussão negativa da política ambiental do atual governo não apenas no Brasil, mas também no exterior, e o aumento exponencial dos focos de queimadas e desmatamento ilegal. Não há dúvidas de que o atual plano de governo Bolsonaro é mais robusto e enfrenta pela primeira vez a questão da mudança climática, mas isso se dá a partir de uma visão de Estado de viés libertário, ou seja, com forte ênfase na sua não-intervenção como está expresso no princípio da “liberdade para o uso responsável dos recursos naturais” por parte de todos, incluindo indígenas, quilombolas, ribeirinhos. No rol das atividades para o etnodesenvolvimento inclui a exploração mineral. Especialmente em relação a este aspecto, apresenta uma grave inconsistência uma vez que os territórios indígenas são verdadeiras barreiras verdes contra o desmatamento e a favor da regulação do clima. Somam-se a estas incongruências, a ausência de demarcação de territórios originários e a proposta de concessão de florestas para a iniciativa privada.
Ao que tudo indica a temática da mudança climática terá um espaço maior do que já teve em outras campanhas e debates eleitorais, mas esta previsão ainda está por se confirmar. Uma coisa, no entanto, é certa: esta é uma temática ampla e vai bem além do uso de palavras em voga como “soluções climáticas”, “descarbonização”, “baixo impacto de carbono”. O seu enfrentamento depende de coerência nas propostas e ações que são transversais a várias políticas. É a isso que estaremos atentos daqui para frente.
*Helena Dolabela é advogada, mestre em Ciência Politica e doutora em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora em estágio pos-doutoral no INCT-IDDC. Membro da equipe do Observatório das Eleições 2022.