A (anti)pauta ambiental na eleição de 2022 ao governo de Rondônia
João Paulo S. L. Viana e Melissa Volpato Curi
Publicado no GGN
Em Rondônia, com a aquiescência do governo federal, a agenda dos poderes executivo e legislativo tem se pautado por ataques ao meio-ambiente sob forte influência do agronegócio, madeireiros e atividades de mineração. No mês de setembro de 2022, o estado foi responsável por 12% dos incêndios no País, o que garantiu o título de detentor da pior qualidade do ar no mundo. Em recente estudo desenvolvido pelo Iyaleta Pesquisa, Ciências e Humanidades, Porto Velho posiciona-se no topo entre as capitais brasileiras com os piores índices de saneamento básico e água tratada. Esses são apenas alguns exemplos que demonstram o quadro preocupante da questão ambiental em Rondônia.
Diante dessa realidade, torna-se fundamental uma análise da pauta ambiental nos planos de governos dos candidatos ao executivo rondoniense. A ordem da análise tem como base o resultado do primeiro turno da eleição, que colocou no segundo turno dois candidatos bolsonaristas, o atual governador Marcos Rocha (União) e o senador Marcos Rogério (PL), cumprindo desde logo mencionar a forte semelhança entre os programas ambientais dos dois candidatos. Como recorda o jornalista Francisco Costa, em recente matéria publicada no portal Amazônia Real, “o único diferencial (entre os programas de ambos) é o mapeamento das Unidades de Conservação com objetivo de reduzir as áreas protegidas para expansão da fronteira do agronegócio”.
Marcos Rocha (União)
Em sua tentativa de reeleição, o conjunto de propostas ambientais do governador Marcos Rocha frisa, inicialmente, a promoção de políticas públicas que tenham como foco a sustentabilidade. Posteriormente, enfatiza a necessidade de agilizar a política de regularização fundiária junto à União, por intermédio de um processo de “digitalização”.
Como principais pontos, elencam-se o levantamento dos potenciais de ativos das Unidades de Conservação do estado; instituição dos planos estadual de resíduos sólidos e hídricos; regulamentação da lei de política de governança climática e serviços ambientais; melhoria do sistema de outorga e licenciamento ambiental de Rondônia (Solar); implementação da política estadual de resíduos sólidos; continuidade da ação governamental do Cadastro Ambiental Rural (CAR); continuidade da ação governamental de regularização ambiental (PRA); fortalecimento do projeto floresta plantada para imóveis rurais cadastrados e implementação dos planos de manejos existentes.
Não há nenhuma linha no programa de Marcos Rocha referente aos povos da floresta, especialmente, indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas.
Marcos Rogério (PL)
O programa do candidato do PL inicia afirmando que Rondônia é um dos estados que possui o maior número de reservas ambientais do mundo. Menciona a importância da sustentabilidade como fator de competitividade no mundo e expõe o objetivo de tornar as florestas “um poderoso ativo econômico”. Ao enfatizar a questão da regularização fundiária, com base em dados do Imazon, salienta que aproximadamente 30% das terras seriam não destinadas, o que além da falta de controle prejudicaria os proprietários dessas áreas que seriam “tolhidos” dos benefícios de um imóvel titulado. Não obstante, a proposta de Rogério é polêmica, pois ao defender a regularização da propriedade rural por autodeclaração estaria, em tese, favorecendo grileiros com terras adquiridas por invasões.
Como ações estratégicas, além da regularização fundiária, enumera a certificação de reservas ambientais para venda de créditos de carbono; implantação de políticas públicas de proteção aos animais; criação de um selo verde para fortalecimento do branding de produtos e serviços e recuperação de áreas degradadas. Assim como o plano de governo de Marcos Rocha, o documento de Marcos Rogério não faz menção alguma aos povos tradicionais e comunidades indígenas.
Perspectivas para o meio ambiente pós-eleições de 2022 em Rondônia
Nos dois casos, constatamos a inabilidade de reconhecer o território, suas populações originárias e tradicionais e a oportunidade de implementar uma política de desenvolvimento no estado de fato focada na sustentabilidade.
A ausência de planos de governo que se estruturem em uma proposta de desenvolvimento fundamentada na sustentabilidade social, ambiental e econômica, pilares do desenvolvimento sustentável demostra a ínfima importância que a justiça socioambiental e uma economia que promova a redução da desigualdade social têm no estado. A preocupação, em última instância, é o crescimento econômico nos moldes atuais, que inviabiliza a distribuição de renda e explora predatoriamente os recursos naturais. O meio ambiente natural aparece mercantilizado para atender aos interesses do capital econômico e de uma elite que se beneficia diretamente com a sua exploração.
Nas propostas dos dois primeiros colocados no primeiro turno, Marcos Rocha (UNIÃO) e Marcos Rogério (PL), não há, por exemplo, nenhuma preocupação com a preservação das terras indígenas e o bem-estar de populações ribeirinhas e comunidades tradicionais. Não há uma proposta séria e responsável para impedir a mineração em terras indígenas e combater o desmatamento, pautas que dão notoriedade internacional negativa ao estado, ou uma preocupação com as populações que foram impactadas pelas hidrelétricas. Não existe uma política para o desenvolvimento do extrativismo, do manejo florestal e de implementação de cadeias produtivas sustentáveis no estado, que são potenciais socioambientais e econômicos locais de grande relevância.
Muito aquém do que se exige para o desenvolvimento de uma região localizada na Amazônia brasileira, as propostas de governo estão apresentando mais do mesmo, mas agora com um fator de maior preocupação – a formação de uma ideia ambiental de ultradireita, que distorce dados científicos para legitimar interesses econômicos, que confunde a opinião pública com informações confusas e irrelevantes e que pretende transformar pautas ambientais e humanitárias, que estão acima de ideologias partidárias, em questões meramente políticas.
João Paulo S. L. Viana é cientista político, doutor em Ciência Política pela UNICAMP; professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Atualmente é pesquisador e coordenador estadual do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL).
Melissa Volpato Curi é advogada e antropóloga, doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP; mestra em Geociências pela UNICAMP; com pós-doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). É consultora ambiental e pesquisadora do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL).