As eleições de 2022 em Santa Catarina: um sistema partidário hegemonizado pelo bolsonarismo

As eleições de 2022 em Santa Catarina: um sistema partidário hegemonizado pelo bolsonarismo

Julian Borba e Gregório U. Leal Silva

 

Em artigo publicado em agosto último, um dos autores desse artigo afirmava que a eleição de 2022 em Santa Catarina era uma disputa entre a jovem política que envelheceu e a velha política que queria rejuvenescer. Os resultados do primeiro turno indicam que a velha política saiu vencedora, com dois de seus representantes, pertencentes a lados ideológicos opostos, alçados ao segundo turno. A distinção entre o velho e o novo, porém, é insuficiente para captar os significados dos resultados eleitorais do primeiro turno, que, ao nosso ver, passa pela hegemonia da direita e alinhamento das elites e do eleitorado local ao bolsonarismo. No presente artigo buscaremos avançar na interpretação dos resultados do primeiro turno de 2022 a partir da análise do desempenho eleitoral dos partidos e blocos ideológicos e da configuração resultante do sistema partidário. A partir desses dados, buscaremos, na parte final, fazer algumas projeções meramente especulativas sobre o segundo turno das eleições para governador. 

Nosso argumento principal é de que o sistema partidário resultante de 2022 é menos fragmentado e mais polarizado ideologicamente, apontando para o ocaso das oligarquias tradicionais no estado. Essa polarização, porém, continua sob o domínio dos partidos localizados à direita, fazendo com que os candidatos do PL no segundo turno, ao Governo e à Presidência, sejam favoritos na disputa eleitoral no estado.

O sistema partidário em vigência (pós 1980) foi caracterizado, em Santa Catarina, pela hegemonia dos partidos de direita e centro. Nas eleições de 2018, a “onda Bolsonaro” varreu o estado, sendo eleito para governador o candidato do PSL, Carlos Moisés (até então um desconhecido quadro da reserva do Corpo de Bombeiro Militar). O partido também elegeu a primeira e segunda maiores bancadas da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa (Alesc), respectivamente. 

Em 2022, foram dez candidatos ao governo. Além do governador que tentava a reeleição (agora filiado ao Republicanos) com um vice do MDB, havia entre os candidatos competitivos nomes bastante conhecidos da política catarinense: Espiridião Amin (PP, duas vezes governador, atualmente senador), Gean Loureiro (União Brasil, ex-prefeito de Florianópolis), Jorginho Mello (PL, senador), Décio Lima (PT, ex-deputado e presidente estadual do PT) e Jorge Boeira (PDT, ex-deputado). Na eleição presidencial, Bolsonaro obteve mais de 62% dos votos válidos no primeiro turno. Em 2018, obteve 65,82% no primeiro turno e 75,92% no segundo, o maior percentual de votos entre os estados da federação.  

Os resultados do primeiro turno para o governo estadual, conforme pode ser verificado na Tabela 1, apontaram para a continuidade da força eleitoral dos partidos de direita, cujos candidatos, juntos, obtiveram mais de 80% dos votos, o maior percentual desde 1998. O congestionamento de candidaturas nesse campo ideológico (quatro candidatos competitivos), porém, fez com que passasse ao segundo turno apenas uma candidatura desse grupo (Jorginho Mello, PL), que disputa com o candidato do PT (Décio Lima), mesmo este tendo obtido menos de 18% dos votos totais. 

A classificação ideológica dos partidos foi feita com base em Krause, Machado e Miguel (2017). A direita inclui PPB e PSC em 1998, PP em 2002, PP e PTC em 2006; PP e DEM em 2010; PSD e PRP em 2014; PSD, PSL e PATRIOTAS em 2018; e União Brasil, Republicanos, PP, PL e NOVO em 2022. 

O centro inclui o MDB/PMDB em 1998, 2002, 2006 e 2018; o PSDB em 2014; a REDE em 2018; e o PROS em 2022. 

A esquerda compreende o PT em todos os pleitos; o PV e PSTU em 1998; PPS, PSB e PSTU em 2002; PDT, PSB e PSOL em 2006; PCB, PMN, PSTU, PV e PSOL em 2010; PCB, PPL, PSTU e PSOL em 2014; e PSTU e PSOL em 2018; e PDT e PSTU em 2022.

Fonte: TSE (organizados por Borba, Borges, Carreirão e Graça até 2018 e pelos autores para 2022). 

 

Trata-se de um quadro marcado por uma hegemonia de direita, interpretação esta que é corroborada pela análise da distribuição ideológica das bancadas no legislativo federal e estadual. Em 2018, a direita elegeu 56,3% dos deputados federais, o centro 25,1% e a esquerda 18,8%.  Na Assembleia Legislativa esses números foram de 47,5%, 27,5% e 25%, respectivamente. Em 2022 o bloco de direita elegeu 65% dos deputados estaduais. Para os partidos de centro e de esquerda esses números foram de 20% e 15%, respectivamente. 

No que concerne à ocupação dos assentos da Câmara dos Deputados, a direita obteve 62,5% e os outros dois blocos obtiveram 18,8% cada. As deputadas mais votadas no estado (nas duas casas) são típicas representantes da agenda bolsonarista e foram eleitas pelo PL (partido que obteve a maior bancada em ambas as casas legislativas). No Senado, o eleito foi Jorge Seif, também do PL, candidato fortemente ligado a Jair Bolsonaro (foi secretário de Pesca do seu governo), sendo popularmente conhecido como “06”, expressão utilizada para designar os filhos do presidente. Parte importante da campanha de Seif foi feita na companhia de Luciano Hang (um dos empresários mais próximos do atual presidente, dono de uma rede de lojas, e conhecido popularmente como “Veio da Havan”). 

Outro ponto que merece destaque é o fato de que a eleição de 2022 marcou o ocaso das tradicionais famílias políticas do estado, como os Bornhausen e os Amin, que não elegeram nenhum dos seus membros. Ou seja, parece que a direita que emerge das urnas é mais ideológica, especialmente ligada às pautas morais (religião e gênero) e da segurança pública (políticas “mano dura”) e menos vinculada aos grupos tradicionais da política do estado.

Se a distribuição ideológica dos votos para os poderes Executivo e Legislativo permite identificar um domínio da direita no sistema partidário catarinense, os dados sobre o Número Efetivo de Partidos no legislativo (Tabela 2, abaixo), indicam  dois aspectos. Enquanto as eleições de 2018 podem ser vistas como sendo a radicalização de um processo de fragmentação do sistema partidário, especialmente impulsionado pelo crescimento do desempenho de novos partidos de direita e redução expressiva das forças mais tradicionais, em 2022, houve uma estabilização desse quadro, com uma leve queda do NEP, tanto para a Câmara dos Deputados quanto para a Assembleia Legislativa. Interessante destacar que no plano nacional, a redução do Número Efetivo de Partidos na Câmara dos Deputados foi bastante significativa, reduzindo pela metade quando compara-se 2018/2022: 16,46 na eleição de 2018 para 9,27 em 2022. Tais resultados estão associados ao fato desta ser a primeira eleição com a proibição de coligações para o Legislativo.

Considerando os dados apresentados até aqui, é possível conjecturar que os desafios para o candidato petista no segundo turno das eleições para governador são imensos. Sua chegada ao segundo turno parece ter se dado mais pelo congestionamento de candidaturas de direita que acabaram dividindo entre si os votos de um eleitorado que é majoritariamente ligado a este campo, permitindo que Décio Lima, com pouco menos de 18% do eleitorado tenha conseguido avançar na disputa. Além disso, seu oponente obteve o apoio de grande parte dos partidos derrotados no primeiro turno (exceção do PDT, que seguiu o alinhamento nacional e apoiou o PT). 

Para os cientistas políticos, resta a necessidade de se debruçarem sobre as condições sob as quais Santa Catarina se apresenta como um dos principais redutos do bolsonarismo no país. A título de especulação, mencionamos dois elementos que consideramos relevantes: existência de uma path dependence que liga a tradição oligárquica do estado com a preferência do eleitorado por partidos de direita, juntamente com as características demográficas e econômicas, marcada pela ausência de grandes centros urbanos e pelo peso do agronegócio na economia local.

 

Julian Borba é Professor Titular do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Ufsc. Pesquisador do CNPq. 

 

Gregório U. L. Silva é Doutorando no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Ciência Política da Ufsc, área de Ciência Política, onde desenvolve tese sobre Clivagens na América Latina.