Nacionalizar ou não as campanhas estaduais? Eis a questão!

Nacionalizar ou não as campanhas estaduais? Eis a questão!

Marta Mendes

Luciana Santana

Vítor Sandes 

Publicado no Jota

 

Antes mesmo do início do processo eleitoral, havia grande expectativa de nacionalização das disputas estaduais, isto é, de que as disputas pelo cargo de governador(a) acabassem por reproduzir o que se passa no nível nacional. Podemos dizer que a nacionalização ocorre quando os principais atores e pautas presentes na eleição para presidente passam a orientar tanto as estratégias dos atores quanto a escolha dos eleitores na eleição estadual, relegando para segundo plano as dinâmicas e as agendas locais. Isso pode ocorrer de forma intensa ou apenas parcial. 

Há boas razões para apostar na nacionalização dos pleitos estaduais. Primeiro, porque dentre as disputas majoritárias, a eleição presidencial é a que desperta mais atenção da mídia e dos eleitores, devido à importância do cargo e às prerrogativas constitucionais do presidente. É esperado, portanto, que os grandes temas e as lideranças da política nacional acabem moldando a disputa no nível subnacional dando o tom para candidatos e eleitores. Além disso, o rendimento eleitoral das candidaturas presidenciais pode se refletir no desempenho de seus aliados no nível subnacional. 

Ainda assim, nem sempre a eleição estadual é nacionalizada ou reproduz o que ocorre no nível nacional no mesmo grau. Em alguns casos, postulantes aos cargos nos estados podem, intencionalmente, buscar se desvincular dos candidatos à presidência e voltar sua atenção para os problemas e pautas do estado. Vale a pena lembrar que não existe verticalização no Brasil e que os partidos têm liberdade para fazer alianças nos estados diferentes dos acordos no nível nacional. As análises já publicadas pelo Observatório das Eleições na editoria focada nos pleitos estaduais nos ajudam a entender quando é estratégico nacionalizar a competição nos estados e quando é preferível focar na arena estadual, bem como as motivações por trás de cada estratégia.

 

Cenários de nacionalização

 

É possível observar que em alguns estados há mais incentivos para que ocorra a nacionalização devido à centralidade do colégio eleitoral e ao próprio perfil das candidaturas e do eleitorado. Este parece ser o caso do Rio de Janeiro na disputa entre Marcelo Freixo (PSB), aliado de Lula e identificado com o campo da esquerda, e Claudio Castro (PL) que, além de ser do mesmo partido do presidente, tem campanha bastante associada à Bolsonaro e às pautas defendidas pelo presidente. O Rio, além disso, é o bastião político do clã Bolsonaro.

Em São Paulo a forte associação entre os petistas Fernando Haddad e Lula, e entre Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Bolsonaro ajuda a conectar os dois pleitos. Porém, a força tradicional do PSDB no estado, com um terceiro candidato competitivo não alinhado nem a Bolsonaro nem a Lula – no caso, o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB), atenua em parte a nacionalização e impede que o cenário reproduza integralmente a disputa presidencial.

Uma das situações mais interessantes ocorre em Alagoas. A nacionalização está bastante evidente nas estratégias adotadas na disputa estadual de duas candidaturas, seja na defesa de pautas ou por reforçarem os presidenciáveis em suas campanhas. De um lado está o ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB), candidato oficial de Bolsonaro no estado, e de outro, o atual governador Paulo Dantas (MDB), candidato de Lula.  Segundo a última pesquisa Ipec, Dantas liderava com 30% das intenções de voto. Collor marcava 20% das intenções de votos, mesmo percentual do senador Rodrigo Cunha (UB) que, nesta eleição, é apadrinhado por outro aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP). Diferentemente de Collor, Cunha não alinhou sua candidatura a do presidente, embora seja beneficiário direto de votos bolsonaristas. Um dos dois deverá enfrentar Dantas no segundo turno e ambos poderão se valer estrategicamente da associação com Bolsonaro.

Em Sergipe, há claro alinhamento entre as candidaturas competitivas do pleito com a disputa presidencial, ainda que haja particularidades estaduais. Isso se deve à presença da candidatura bolsonarista de Valmir de Francisquinho (PL) – que teve sua candidatura indeferida pelo TRE-SE, mas segue fazendo campanha, enquanto recurso é analisado pelo TSE – e que tem liderado as pesquisas eleitorais, e da candidatura petista de Rogério Carvalho, que aparece em terceiro lugar. O segundo colocado, Fábio Mitidieri (PSD), seguindo a orientação do partido, não se alinhou a nenhuma das candidaturas, ainda que tenha, no momento inicial, feito acenos a Lula. Isso indica também a relevância das estratégias nacionais dos partidos nas disputas estaduais. 

 

Nacionalização parcial

 

Há casos de nacionalização parcial nos quais essa situação não se materializa integralmente porque um dos lados, estrategicamente, resiste a isso e prefere focar em temas e agendas próprias do estado ou mais sensíveis para a população local.  Dois exemplos são o Piauí e o Rio Grande do Sul. No Piauí, o candidato Rafael Fonteles (PT) se esforça para nacionalizar a disputa buscando fortalecer sua associação com Lula que, na última pesquisa Ipec  de setembro, apareceu com 69% de intenção de voto, contra 15% de Bolsonaro, a maior diferença entre todos os estados. Do outro lado, Sílvio Mendes (União Brasil), ex-prefeito de Teresina, tem como vice a deputada federal Iracema Portella (PP) e o apoio do senador Ciro Nogueira (PP), atual ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro. Apesar do vínculo evidente com Bolsonaro, Mendes vem tentando estadualizar a disputa, o que pode ser compreendido pela força de Lula no estado e pelos altos índices de reprovação de Bolsonaro. 

No Rio Grande do Sul, Onyx Lorenzoni (PL), ex-ministro de Bolsonaro, trabalha pela nacionalização, mobilizando não apenas a figura do presidente, mas as pautas centrais da extrema-direita. Porém, o atual governador Eduardo Leite (PSDB) se esforça no sentido oposto,  preferindo focar nos problemas e questões locais, distanciando-se das polêmicas e controvérsias nacionais. Ele lidera as pesquisas e pode se tornar o primeiro governador reeleito na história gaúcha, mas, para isso, pode ter que mudar sua estratégia em um eventual segundo turno presidencial. Para superar a extrema-direita terá que contar com os votos da esquerda e, neste caso, o quadro pode acabar mais nacionalizado.

Outra situação de nacionalização parcial ocorre quando, mesmo havendo candidatos competitivos formalmente vinculados às principais candidaturas presidenciais, uma das partes tenta descolar sua imagem do aliado, escondê-lo no processo ou, para usar uma expressão popular, “faz corpo mole na campanha”. Isso já ocorreu em outras eleições brasileiras e, em 2022, parece se repetir em alguns cenários. 

No Espírito Santo, o atual governador Renato Casagrande (PSB), que lidera as pesquisas de intenção de voto com chances de vencer no primeiro turno, não tem feito campanha ostensiva para Lula, apesar da aliança formal entre PT e PSB. Isso porque ele precisa manter o apoio de eleitores que não votariam em Lula de jeito nenhum em um estado onde Bolsonaro foi muito bem votado em 2018. Algo parecido ocorre no Mato Grosso. O governador Mauro Mendes (UB) lidera com 60% das intenções de votos segundo a última pesquisa Ipec e deve ser reeleito no primeiro turno. Apesar da afinidade com pautas bolsonaristas, Mendes não incorporou o presidenciável à sua campanha, angariando, assim, apoio de eleitores que preferem outros candidatos a presidente. A candidata alinhada à Lula, Márcia Pinheiro (PV), aparece em um distante segundo lugar nas pesquisas, com 15%. 

 

Cenário de estadualização da disputa

 

Por último, estão os casos nos quais a eleição estadual parece seguir uma lógica própria porque, dentre outras razões, os candidatos mais competitivos habitam o mesmo campo ideológico. Isso vem ocorrendo nos estados onde candidatos da direita e da extrema-direita dominam o pleito. Em Goiás, depois do forte apoio ofertado a Bolsonaro em 2018, Ronaldo Caiado (UB) busca fazer uma campanha descolada da eleição presidencial. Seu rompimento com Bolsonaro deu-se por ocasião da pandemia quando o governador discordou da abordagem negacionista do presidente. Depois dele aparecem outros dois candidatos também da direita e próximos de Bolsonaro. O mesmo parece acontecer em Rondônia e Santa Catarina, estados nos quais os candidatos de direita e extrema-direita competem na associação de sua imagem com a de Bolsonaro e a centro-esquerda e esquerda não possuem candidatos com chances de irem para o segundo turno.  

A complexidade e os aspectos contextuais da política nos estados indicam que há várias motivações e trajetórias para o processo de nacionalização e estadualização dos pleitos. Os partidos nacionalmente – especialmente PT e PL que possuem as candidaturas mais competitivas – buscam criar as condições para eleger seus candidatos presidenciais na construção de palanques nos estados, o que induz à nacionalização. Mas há margem para movimentações e espaço político para outros atores, em função do histórico da competição política e das inclinações políticas do eleitorado estadual.

A disputa eleitoral e a força do lulismo no Piauí

A disputa eleitoral e a força do lulismo no Piauí

Vítor Sandes*

Publicado na revista Nordeste

 

O Piauí é o estado mais lulista do país, segundo a pesquisa do IPEC. Lula lidera as pesquisas no estado com 69%, contra 15% para Bolsonaro. Em termos estratégicos, um candidato competitivo ao governo do estado, mesmo se for bolsonarista, não deve explicitar vínculos ao atual presidente e à sua candidatura. Existem fortes incentivos para que os candidatos se ancorem na candidatura de Lula ou, ao menos, não se posicionem claramente sobre o pleito presidencial durante a campanha. 

 

Do lado fortemente alinhado a Lula, há o candidato Rafael Fonteles (PT). Seu partido tem um amplo domínio no estado do Piauí. Wellington Dias (PT) foi eleito a primeira vez para o governo do estado em 2002, no mesmo ano da primeira eleição de Lula à presidência da República. De lá para cá, Dias foi vitorioso em outros três pleitos para o executivo estadual: 2006, 2014 e 2018. Foi eleito também ao Senado Federal em 2010. 

 

Este ano, Dias será novamente candidato a senador, após se desincompatibilizar do cargo de governador. Assim, assumiu o seu lugar a vice-governadora, também do PT, Regina Sousa. No entanto, Sousa não será a candidata ao governo do estado do Piauí, mas sim o ex-secretário da Fazenda do estado, Rafael Fonteles. O candidato petista nunca disputou cargos eletivos, mas é um empresário conhecido na capital piauiense, Teresina, e tem vínculos históricos com o PT. É filho do também político histórico do partido, ex-deputado estadual e federal, Nazareno Fonteles. Como esperado, a imagem de Rafael Fonteles tem sido constantemente associada à do ex-presidente petista durante a campanha eleitoral.

 

Em oposição a Fonteles, a principal candidatura competitiva é a de Sílvio Mendes, ex-prefeito de Teresina (à época, filiado ao PSDB) por duas oportunidades (2005-2008 e 2009-2010). Foi candidato ao governo do estado em disputa contra Wilson Martins (PSB), apoiado por Wellington Dias. Em 2014, foi candidato a vice-governadorna chapa encabeçada pelo então governador Zé Filho (PMDB), tendo sido derrotado novamente, desta vez para Wellington Dias. Neste pleito, Mendes se coloca novamente na disputa estadual, desta vez pelo União Brasil. Como candidata a vice, a chapa conta com Iracema Portella, deputada federal pelo PP.

 

A presença do PP na chapa de Mendes colocaria sua candidatura como, automaticamente, alinhada à candidatura presidencial de Bolsonaro, sobretudo porque Ciro Nogueira, um dos fiadores da aliança União Brasil-PP no estado, bem como um dos maiores apoiadores da candidatura de Mendes, é o atual ministro-chefe da Casa Civil, a principal pasta política do governo Bolsonaro. 

 

No entanto, Mendes tem buscado se desvincular de Bolsonaro e, consequentemente, a disputa estadual da presidência. Do lado da candidatura petista, a busca é pela nacionalização da disputa estadual. Se isso acontecer, o candidato petista tem grandes chances de crescer nas pesquisas e se tornar mais viável eleitoralmente. As pesquisas realizadas no estado têm apontado resultados divergentes entre si. Para utilizar uma pesquisa que é aplicada nacionalmente em outros estados, a do IPEC, realizada no estado ainda no início da campanha eleitoral (entre os dias 19 e 21 de agosto), coloca Silvio Mendes em primeiro com 38%, e Rafael Fonteles com 23%, em segundo. 

 

O único candidato que defende, explicitamente, o legado bolsonarista, colocando-se como palanque para o presidente, tem sido o Coronel Diego Melo, filiado ao mesmo partido de Jair Bolsonaro, o PL. Ter palanque bolsonarista, mesmo em um estado fortemente lulista, busca contribuir para a mobilização da base de apoio ao presidente; ainda que bastante reduzido. O candidato apareceu com 2% da preferência dos eleitores na pesquisa supracitada do IPEC. 

 

Além de Melo, outros candidatos também aparecem nas pesquisas, mas com baixo potencial eleitoral: Gessy Lima (PSC), com 3%; Geraldo Carvalho (PSTU) e Gustavo Henrique (Patriota), ambos com 2%; e Lourdes Melo (PCO), Madalena Nunes (PSOL) e Ravenna Castro (PMN), com 1% cada uma delas. 

 

A força de Lula é indiscutível no estado e, definitivamente, ele aparecerá recorrentemente nos debates e na campanha. No entanto, ainda é preciso aguardar o andamento da campanha e as próximas pesquisas eleitorais para sabermos qual estratégia surtiu mais efeito junto ao eleitorado piauiense: se a da estadualização do pleito ou se a da presidencialização.

 

Vitor Sandes é: Doutor em Ciência Política (UNICAMP) e Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí (UFPI)