Boletim de Redes

Boletim de Redes

Publicado no Viomundo

(Produzido pela equipe da Editoria de Redes)

 

A terceira semana de campanha (antes do 7 de setembro)

Na terceira semana de campanha, os perfis individuais de Lula e Bolsonaro no Instagram apresentam estabilidade em duas categorias analisadas: interação e número de seguidores. Bolsonaro é sempre quem tem mais interações, e Lula é quem teve o maior crescimento no número de seguidores.

As diferenças vieram nas visualizações: na primeira semana, Lula venceu; na segunda, Bolsonaro. E agora, na terceira semana, Lula retoma a frente e apresenta mais visualizações do que Bolsonaro.

Quando analisamos as redes bolsonarista e lulista, também observamos mudanças. O Lulismo aproveitou esta última semana e retomou a liderança em visualizações e, pela primeira vez, teve mais interações que o bolsonarismo. O campo de Bolsonaro, por sua vez, manteve, pela segunda semana seguida, a frente no aumento no número de seguidores.

As duas redes do Meta mostram resultados distintos: enquanto o Facebook continua como um site de rede social no qual o bolsonarismo consegue interagir melhor do que o Lulismo, o Instagram é o campo em que a a candidatura de Lula consegue não apenas liderar, como o próprio ex-presidente tem um perfil que consegue superar Bolsonaro em diversas métricas.

 

As movimentações no 7 de Setembro  

 

No Google, o termo “imbrochável” e/ou “imbroxável” suscitou várias buscas de usuários – os achados mostram quatro pontos principais de pesquisa: dúvidas sobre o significado da expressão, seu uso (com alta vinculação ao grupo militar), utilizações da expressão por Jair Bolsonaro (PL) e repercussão na imprensa nacional e internacional. 

No Youtube, foram mais visualizados os vídeos analíticos relativos à postura do presidente associando o sentimento de vergonha com o uso do termo.

Mapeamos 236 vídeos nos dias 7 e 8 de setembro. Levando-se em conta os veiculadores de conteúdos, é importante citar a centralidade de canais jornalísticos em ambas as datas, especialmente os portais UOL, O POVO Online, CNN Brasil e Poder360. Considerando os dias anteriores ao evento, houve a centralidade dos canais Jovem Pan e Os Pingos No Is, de apoio a Bolsonaro, frequentemente envolvidos em conteúdos em preparativos para a data.

Foi expressiva a presença de conteúdos negativos para a imagem de Jair Bolsonaro em escala nacional e internacional. Dentre os materiais encontrados, foram evidentes as narrativas apontando machismo em seu discurso no 7 de setembro e abuso de fala. A exemplo, pode-se falar nas postagens “o “IMBROCHÁVEL e as masculinidades feridas”, “Independência ou imbroxável – a vergonha de um governo canalha” e “O imbrochável liberalismo: sobre a destruição política, cultural e espiritual do Brasil.” 

No Twitter, foram mapeadas 46.943 menções associadas aos termos “imbrochável”/“imbroxável” e 31.662 publicadores únicos que se envolveram nas narrativas. Os tuítes que foram mais retuitados e que tiveram mais engajamento no período foram todos críticos à fala do presidente no evento.  

Narrativas:

ANTES DO EVENTO: Mudança no inimigo – muito centrada nas urnas eletrônicas, aparece um embate mais focado na figura de Alexandre de Moraes. Mas isso não se consolida no discurso  

 

DURANTE E APÓS: Ganharam destaque as narrativas em tom crítico à fala do presidente – elas tiveram mais destaque, visualizações e engajamento. A questão do machismo surgiu com bastante força.

O bolsonarismo perde força: 72 horas do 7 de Setembro nas redes sociais

O bolsonarismo perde força: 72 horas do 7 de Setembro nas redes sociais

Nos últimos anos, muito se discutiu sobre o papel das redes sociais e sua importância no bolsonarismo, como um dos vetores para manter sua militância engajada. O Facebook é uma das principais redes para os apoiadores do atual presidente, na qual o movimento tem inúmeras páginas com altos números de seguidores, interações e visualizações que permitem alcançar muitos brasileiros com seus vídeos e mensagens. 

Outro fato importante para Bolsonaro é o feriado da independência. O 7 de Setembro é um dos eventos mais comemorados, sendo utilizado pelos apoiadores do atual presidente como marco para realizar atos em favor do atual governo e também para fortalecer suas narrativas nas redes. Pensando nesses dois pontos, realizamos, no Observatório das Eleições, uma análise das postagens sobre o 7 de Setembro no Facebook para descobrir como a data foi citada nas redes e, principalmente, como os apoiadores de Bolsonaro utilizaram a data para engajar o público das redes sociais.

Analisamos a cobertura em três dias: o dia anterior, 6 de setembro, que nos possibilitou analisar se houve alguma convocação específica para atrair a participação das pessoas; o dia dos atos, 7 de setembro, para avaliar a cobertura dos atos ao vivo; e o dia seguinte, 8 de setembro, para analisar como eles aproveitaram os atos e construíram narrativas a partir deles. Utilizamos os dados de 2021 para comparar com os de agora (2022) e avaliar se houve sucesso ou não do bolsonarismo na cooptação do 7 de setembro nas redes.

 

Em 2021, o dia da Independência, no Facebook, apresentou dois momentos muito bem definidos. Antes do dia 7 de setembro, no dia 6, as páginas com maior número de interações e visualizações estavam equilibradas entre páginas de apoiadores de Bolsonaro e de Lula. A narrativa que dominava era a mesma: a decisão de Lula de não ir aos atos e sua mensagem para o país em comemoração ao dia. Os apoiadores do petista reproduziram sua mensagem ao povo brasileiro em suas páginas; por sua vez, o bolsonarismo alegava que a decisão de Lula refletia seu “medo de passar vergonha” nos atos e conseguiu, com essa narrativa, a publicação com o maior número de visualizações do dia, mais de 2,5 milhões.

 

A partir do dia 7 de setembro do ano passado, no entanto, não houve mais essa divisão entre os dois polos, e o bolsonarismo foi quem dominou os números e a narrativa. As participações de Bolsonaro nos atos cívicos de São Paulo e de Brasília dominaram a lista de publicações mais vistas do dia, embora não tenham emplacado a primeira posição, que reproduziu o hino nacional e teve mais de 10 milhões de visualizações. Na sequência das publicações mais vistas, temos seis publicações que reproduziram o mesmo vídeo da página de Jair Bolsonaro com sua participação no desfile de Brasília, e todas as seis com mais de 8,3 milhões de visualizações.

 

O dia 8 de setembro repetiu esse sistema. O campo bolsonarista publicizou diversos cortes de atos e falas de Bolsonaro no dia 7, sempre transmitindo uma imagem de sucesso dos atos. O vídeo dos atos do dia anterior com maior número de visualizações é o anúncio de Bolsonaro na Avenida Paulista feita por um locutor de rodeios, com 4,8 milhões de visualizações. Ao analisarmos as páginas com maior número de visualizações do dia, as duas primeiras, que somam juntas 26 milhões de visualizações, somente publicam vídeos das manifestações na perspectiva bolsonarista. Dessa forma, podemos perceber que a data foi bem utilizada pelos apoiadores do atual presidente para dominar a narrativa das redes.

 

A partir dessa percepção sobre os atos de 2021, propusemos analisar as postagens dos mesmos três dias de 2022. Se, no ano anterior, a esquerda conseguira competir e aparecer entre as páginas com maior número de visualizações no dia 6, em 2022, os fatos foram diferentes. No dia 6, a direita bolsonarista dominou. O topo dos rankings de páginas com mais visualizações e interações deste ano foi dominado por páginas que reproduziram a visão bolsonarista ou uma perspectiva conservadora que se associa à do presidente, mesmo que não se admita oficialmente como tal. Mesmo com essa primeira vitória, os dados não se apresentaram tão bons quanto os do ano anterior: enquanto que, no ano passado, as publicações sobre a Independência no dia 6 renderam quase 4 milhões de interações, este ano foram apenas 2,2 milhões de interações. 

 

Nos dia das comemorações do bicentenário da Independência e no dia seguinte (7 e 8 de setembro, respectivamente), o bolsonarismo continuou a dominar os rankings totais de visualizações e interações. As postagens mais vistas se associavam diretamente à narrativa bolsonarista, porém, a um aspecto patriótico que era capaz de atrair a atenção do público. Entretanto, os números foram inferiores: a publicação no dia do bicentenário com o discurso de Bolsonaro alcançou apenas 1,5 milhão de visualizações, muito diferente dos números do ano anterior. Também notamos uma queda de interações entre os dois dias da Independência: no 7 de setembro de 2021, houve 12 milhões de interações, enquanto que em 2022 foram 10 milhões. Já no dia 8 de setembro, nova queda: de 2,5 milhões em 2021 para 1,3 milhão neste ano.

 

Em suma, houve uma diminuição no número de interações com publicações sobre a Independência em comparação ao ano anterior em todo o Facebook, mas principalmente entre os apoiadores do presidente, grupo que mais utiliza a data e seus símbolos para divulgar suas ideias.

 

Apesar de o domínio bolsonarista nas redes ainda persistir, os dados da comparação demonstraram que, de 2021 para 2022, o movimento em apoio ao atual presidente perdeu capacidade de conseguir atrair o interesse do público mesmo quando a agenda lhe era favorável. Se considerarmos as diversas denúncias do uso de robôs por parte dos apoiadores de Bolsonaro para inflar os dados das publicações e gerar mais engajamento, a queda nos números torna-se ainda mais evidente.

 

Não é exagero afirmar a perda de força do movimento bolsonarista, embora ele ainda seja muito forte e relevante nas redes sociais. No entanto, mesmo em um momento aguardado, com uma agenda que o favorecia, o bolsonarismo demonstrou que, embora atuante, não tem a mesma potência de antes. 

 

Eduardo Barbabela: Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IESP UERJ. Atualmente é pesquisador do Manchetômetro (LEMEP IESP-UERJ) e do INCT/IDDC. Realiza pesquisas nos campos de representação política, comunicação política, teoria democrática, liberdade de expressão e comportamento político.

O que está em jogo nas eleições 2022: mídia e desinformação

O que está em jogo nas eleições 2022: mídia e desinformação

De acordo com o Democracy Report 2022, do instituto V-Dem (Varieties of Democracy), 2021 viu um número recorde de nações autocráticas em relação aos últimos 50 anos. O extenso estudo aponta para uma mudança na natureza dos governos autocráticos, que agora dependem mais da polarização e da desinformação para moldar a opinião nacional e internacional. Essa combinação é vista em lugares que sofreram golpe militar, como Myanmar, em 2021, e também em países considerados democráticos. Na América Latina, quatro dos principais países da região têm um índice de preocupação com a desinformação superior à média global (56,4%): Brasil (84%), Chile (64,6%), Argentina (60,4%) e México (59,9%), de acordo com o relatório.

Neste período eleitoral, a preocupação com a desinformação no Brasil ganha força, herança do processo que levou Jair Bolsonaro ao poder. É fato que, de 2018 para cá, houve conscientização sobre o tema, medidas foram adotadas pelas plataformas digitais e pelo Judiciário. Ainda assim, há muito em jogo quando o tema é desinformação. Para adentrar essas questões, cumpre ter em vista que tratamos a desinformação como um processo deliberado de produção de desarranjos informacionais, com vistas à obtenção de ganhos políticos e/ou econômicos. É, portanto, uma expressão da disputa histórica em torno da informação. Como tal, não está restrita ao ambiente digital, ainda que este, por suas características (tais como opacidade, mediação algorítmica, grande volume de informações e circulação veloz de conteúdos) favoreça esse tipo de estratégia.

A primeira questão que merece ser mencionada é a mudança nos hábitos de consumo da população. A televisão ocupava espaço central na formação de hábitos e visões de mundo da população brasileira. Falamos de um país em que a principal emissora, a Globo, registrava, em média, 68% de audiência em 1993, participação que, atualmente, não alcança mais de 35%, segundo o Mídia Dados Brasil. Essa mudança ajuda a explicar o motivo de, apesar da cobertura crítica ao governo Bolsonaro por parte da emissora, especialmente durante a pandemia do novo coronavírus, seu posicionamento ter menos impacto que em 1989, para citar o ano da simbólica edição do debate entre os presidenciáveis Lula e Collor de Melo.

Houve, nas três últimas décadas, uma dispersão da audiência, espalhada em canais tradicionais como SBT e Record, que com a Globo ocupam o topo do ranking dos mais vistos, mas também em uma miríade de canais novos, entre os quais vários ligados a grupos religiosos, que foram os que mais ampliaram sua participação na radiodifusão brasileira durante o governo federal atual. Essa variedade de agentes amplia a disputa, inclusive ideológica, no setor. Outro ponto que contribui para um menor impacto dos grupos jornalísticos é a redução da procura da população por esse tipo de conteúdo. A pesquisa do Instituto Reuters, divulgada em 2020, registra que 54% dos brasileiros afirmam “evitar” o noticiário de propósito – índice mais elevado dentre os países pesquisados.

Trazendo esse cenário geral para as eleições, os números sugerem redução do impacto do horário eleitoral, que também teve duração diminuída. O programa em bloco, sequência de propagandas eleitorais, somava 50 minutos nas eleições de 2014, sendo exibido duas vezes por dia na TV e no rádio. Hoje, é dividido em dois blocos diários de 10 minutos, exceto aos domingos. Não se deve, é útil destacar, desconsiderar a importância desse espaço – a relação do Brasil com a radiodifusão e a diversidade do país não devem ser esquecidas. Não obstante, pelo menos, sua presença no cotidiano é menor. 

Por meio da TV, pode-se falar para um público difuso. Para um candidato conhecido, mas bastante criminalizado na mídia como Lula, voltar a estar na casa das pessoas é muito importante. Entre os dias 26 de agosto e 29 de setembro, o líder das pesquisas acumulará 3 minutos e 39 segundos. Bolsonaro é o candidato que fica em segundo lugar, tendo 2 minutos e 38 segundos. Cada candidato à Presidência aparecerá três vezes por semana, duas vezes ao dia. Até agora, evangélicos e pessoas de baixa renda parecem ser o foco dos candidatos a partir da TV. Lula, por exemplo, levou ao ar programa com tom religioso, ao passo que Bolsonaro pretende destacar o Auxílio Brasil.

 

A dispersão da audiência tem como elemento fundamental a ampliação do acesso à internet no Brasil, hoje frequente no cotidiano da maior parte dos brasileiros. Estes costumam usar sobretudo as redes sociais, inclusive porque, em muitos casos, acordos das redes com operadoras fazem com que não haja desconto na franquia de dados para acessá-las. As redes sociais são a principal fonte de informação sobre política para os grupos entre 16 e 24 anos e 25 a 34 anos. Entre 35 a 44 anos, as redes dividem centralidade com a TV. Esta lidera com folga apenas na faixa etária acima de 45 anos. O resultado dessa presença do bolsonarismo nas redes também é identificado pela pesquisa. Entre eleitores que pretendem votar em Bolsonaro, 43% usam as redes para se informar, percentual que chega a 25% quando a fonte é a televisão.

Nas redes, o campo bolsonarista tem tido mais presença e gerado mais interação que o campo lulista, conforme temos mostrado no Observatório das Eleições a partir do acompanhamento de perfis expressivos dos dois lados. O Facebook é a rede em que há maior projeção de aliados do atual presidente, ao passo que o Twitter é um ambiente mais favorável a Lula. No TikTok, a mais nova entre as principais redes, Lula tem tido mais sucesso. Bolsonaro ainda tem mais seguidores em todas as redes. Esse predomínio foi sendo construído nos últimos anos, não só com o apoio de Carlos Bolsonaro, mas de integrantes da extrema direita em âmbito internacional, como bem ilustra Donald Trump. Aqui está em jogo tanto o comportamento desse setor político, que compartilha a expertise entre os seus em fóruns internacionais, bem como a própria dinâmica de funcionamento das plataformas de redes sociais. Uma questão a ser acompanhada é a participação de André Janones, deputado federal e influenciador digital, na campanha de Lula, que pode aportar a ela uma linguagem mais “digital”.

Mas a linguagem é parte de uma dinâmica mais ampla. É que o modelo de negócios das plataformas está ancorado na disputa da atenção do usuário. Para isso, adotam segmentação de mensagens, que são direcionadas de acordo com perfis criados a partir da coleta de dados. Vários atores utilizam plataformas e seu funcionamento algorítmico para conferir diferente relevância a determinados conteúdos, sem que o público entenda quais critérios para uma mensagem chegar ou não a ele, com o objetivo de prever e modular o comportamento do usuário. Campanhas de desinformação e outros tipos de conteúdos foram produzidos em plataformas que não são neutras e são guiadas por termos de uso que funcionam como leis definidas unilateralmente. Também se beneficiam da automação das conversas, artificializando o debate público e gerando silêncio. Tudo isso produz bolhas que prendem as pessoas em circuitos de repetição de argumentos, tornando-as menos expostas à diversidade de ideias e mais vulneráveis à polarização. Tal segmentação é ampliada através de recomendações e publicidades, condicionando a visibilidade do conteúdo ao pagamento. No Brasil, por exemplo, o principal anunciante no Facebook e no Google é o Brasil Paralelo, produtora de conteúdos alinhados à direita. Nenhum grupo à esquerda se aproxima do investimento do Brasil Paralelo nas redes.

Como não houve uma mudança estrutural no modelo de negócios das plataformas nem das regras que devem orientá-las, os problemas vistos em 2018 podem ser revividos. Casos de desinformação nas redes já têm sido registrados pelas agências de checagem, inclusive em falas ao vivo na TV e em conteúdos impulsionados nas redes. Por outro lado, duas questões parecem impedir que a história se reapresente como farsa. Em primeiro lugar, a própria desarticulação do bolsonarismo, que sofreu diversos rachas ao longo do governo. O abandono de Bolsonaro por parte de candidatos locais também dificulta a estratégia de nacionalização de determinados conteúdos, o que foi fundamental para, naquela eleição, dar visibilidade a temas como o suposto “kit gay” nas escolas. Mais homogêneo, o setor evangélico bolsonarista pode ser o carro-chefe para esse tipo de nacionalização de conteúdos críticos ao adversário, Lula.

O segundo elemento que cria empecilhos para a desinformação é a atuação do STF (Supremo Tribunal Federal). Sua ação em relação a empresários bolsonaristas incide bem mais diretamente no ecossistema que produz a desinformação em grande escala do que as medidas acordadas entre o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e as plataformas, que se voltam especialmente à promoção de informações e transparência. São elementos importantes, mas insuficientes. Ainda que esse tipo de ação do STF não seja capaz de reverter a deterioração do debate público, tarefa que o Brasil terá que enfrentar nos próximos anos, pode fazer a diferença em uma eleição curta e em que os eleitores demonstram ter seus votos definidos.

 

Helena Martins é professora da UFC (Universidade Federal do Ceará). Doutora em comunicação pela UnB (Universidade de Brasília), com sanduíche no ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

A perda de vigor das redes bolsonaristas e as ações do TSE

A perda de vigor das redes bolsonaristas e as ações do TSE

Eliara Santana

Leonardo Avritzer

Publicado na Carta Capital

Entre os muitos fenômenos atípicos das eleições de 2022, um tem sido pouco analisado até o momento em relação à campanha do presidente Jair Bolsonaro: a sua dificuldade em manter, neste momento, uma vantagem significativa, nas redes sociais, em relação à campanha do ex-presidente Lula. Em 2018, a campanha de Jair Bolsonaro surpreendeu por dois motivos principais: primeiro, por romper completamente uma dinâmica de campanha que estava em vigor no Brasil desde meados do século 20, já com o advento da televisão, que tinha como base o tempo livre na TV aberta; segundo, por estabelecer vantagens significativas nas redes sociais em relação às outras campanhas. A maior parte dos analistas considerou que esse desempenho se manteria ao longo na campanha de 2022. 

 

No entanto, não é isso o que temos observado no desenrolar desta eleição. Vamos considerar os dados coletados em monitoramento das redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram) nas últimas duas semanas de agosto, feito pelo Observatório das Eleições e o Manchetômetro. Em um período de um mês, considerando-se agosto, o ex-presidente Lula ganhou quase 72 mil seguidores no Facebook; no Instagram, o ganho foi de 738.978 seguidores.  Portanto, o ex-presidente Lula está crescendo mais nas redes e demonstrando força competitiva em relação a Bolsonaro – Lula cresce mais tanto em quantidade total quanto em percentual.

Ainda que o engajamento da campanha de Jair Bolsonaro ou de suas redes e de seus filhos seja significativamente superior ao engajamento das redes do ex-presidente Lula, quando verificamos o engajamento total na plataforma, já podemos constatar uma melhoria significativa no desempenho da campanha do ex-presidente Lula – e uma piora no desempenho das redes do presidente Bolsonaro.

O mesmo se observa em algumas situações de interação no Facebook. A que devemos essa mudança no perfil de engajamento da campanha bolsonarista? Neste artigo, trabalhamos com duas hipóteses.  

A primeira é o efeito que as ações do ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, têm tido em relação às redes de desinformação bolsonaristas. Essas redes se constituíram como formas de ampliação das agendas do presidente Jair Bolsonaro, seja em suas lives semanais, seja em postagens nas redes sociais.   

A outra hipótese com a qual trabalhamos é a de uma enorme ampliação do engajamento nas redes do ex-presidente feita fundamentalmente pelo avanço em perfis nas redes sociais de atores distintos – especialmente artistas e influenciadores. 

 

Alexandre de Moraes e o combate ao financiamento da desinformação

 

Desde 2018, o Brasil observou se estruturar um verdadeiro ecossistema de desinformação, caracterizado por uma bem montada estrutura, com diversas ramificações, vários atores envolvidos, um esquema profissional de produção e disseminação de conteúdo falso e falseado, aporte do poder público e forte financiamento para manter a estrutura em funcionamento. Esse ecossistema foi e continua a ser responsável por uma verdadeira avalanche de fake news que confunde a população e impacta as instituições. Nesse ecossistema, a atuação das milícias digitais garantia o sucesso das agendas bolsonaristas e também a consolidação dos ataques às instituições, como o STF e o TSE.

Em julho de 2021, o ministro Alexandre de Moraes abriu o inquérito das milícias digitais antidemocráticas, com investigações centradas nos núcleos de produção, publicação e financiamento de fake news. À época, o ministro ressaltou que as investigações “apontaram fortes indícios da existência de uma organização criminosa voltada a promover diversas condutas para desestabilizar e, por que não, destruir os Poderes Legislativo e Judiciário a partir de uma insana lógica de prevalência absoluta de um único poder nas decisões do Estado”.

Naquele mês, levantamento da Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos mostrou que o Youtube pagou quase 7 milhões de reais – no período de 2018 a 2020 – a 12 canais de apoio a Bolsonaro, canais esses que eram suspeitos de envolvimento nos protestos contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso em 2021. É um valor bastante considerável, tendo sido apurado apenas para uma plataforma. 

Em agosto deste ano, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a PF a fazer busca e apreensão contra sete empresários que, num grupo de rede social, defendiam golpe de Estado caso o candidato Lula vença as eleições. Essas ações do ministro têm grande impacto, portanto, em um dos braços desse ecossistema, qual seja, o financiamento do esquema de produção e disseminação de fake news. Pois, nessa estrutura de desinformação que se consolida com o bolsonarismo, a produção profissional de fake news e a disseminação eficaz do conteúdo sempre demandaram grande aporte financeiro. 

 

O efeito dos novos atores

 

A segunda hipótese que levantamos para o arrefecimento do engajamento das redes bolsonaristas refere-se ao papel de atores específicos, como artistas e influenciadores. Além dos artistas badalados que estão declarando apoio a Lula – como a cantora Anitta, que recentemente recebeu o VMA pela melhor música latina –, um ator importante que queremos destacar é o deputado André Janones, recentemente incorporado à campanha lulista. 

Para termos um pouco mais clara a dimensão desse ator, vamos trazer alguns dados de coletas feitas pelo Observatório das Eleições na plataforma Facebook. Na primeira quinzena de agosto, as publicações de André Janones tiveram 11 milhões de visualizações. Em comparação, o ex-presidente Lula teve 5 milhões, o que mostra que Janones tem mais expressão que Lula nas redes em termos da capacidade de alcance de internautas. Em interações, a dupla Janones + Lula somou 5,6 milhões e se aproxima do resultado de Jair Bolsonaro (com 7,8 milhões).

 

Portanto, a partir desses levantamentos, podemos afirmar que, se Jair Bolsonaro estiver contando com as redes sociais para reverter a vantagem de aproximadamente 12% dos votos que o ex-presidente Lula mantém em relação a ele, dificilmente terá novamente, nas redes, um local para desequilibrar a produção de informação e de notícias, tal como fez em 2018. 

Boletim a política nas redes

Boletim a política nas redes

Publicação da Editoria de Redes do Observatório das Eleições *

Publicada na Carta Capital 

(Monitoramento geral no período de 21 a 30 de agosto)

Aumento do engajamento no Twitter – Lula e Bolsonaro

 

A semana de 22/08 a 28/08 trouxe uma grande exposição dos candidatos à mídia tradicional com a série de entrevistas no Jornal Nacional e o debate na Band. O resultado teve repercussão nas redes sociais dos candidatos, especialmente de Luiz Inácio Lula da Silva (primeiro colocado nas pesquisas) e de Jair Bolsonaro (segundo colocado). 

 

O monitoramento do Twitter feito pela Editoria de Redes do Observatório das Eleições mostrou que os dois principais candidatos na disputa eleitoral tiveram aumento no engajamento total na plataforma, ou seja, conquistaram mais seguidores depois da exposição na TV. O aumento foi mais significativo para Lula, o que pode se explicar, em parte, pelo desempenho ruim de Bolsonaro no debate.

O candidato do PT, que tem 44% das intenções de voto segundo a última pesquisa Ipec, registrou um aumento de 2,7% no número de seguidores na plataforma. O presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição e que tem fortíssima atuação na internet, teve um aumentou de 1,3% em sua base de apoio no Twitter.

Considerando o engajamento médio, o ex-presidente também teve um aumento maior, crescendo 56% de interações médias por post contra 42,8% de crescimento do atual presidente.

 

No entanto, Bolsonaro conseguiu um aumento total de engajamento de mais de 70%, totalizando 3,94 milhões de interações, contra 3,05 milhões do petista.

 

As principais postagens de Bolsonaro e Lula foram sobre a participação de ambos nas entrevistas do Jornal Nacional. Em relação aos temas que suscitaram mais interação para os candidatos, temos: gênero (discutido por Lula quando abordou a proposta de renegociação de dívidas para as mulheres) e crítica à “carta pela democracia” feita por Bolsonaro.

 

 

Os temas mais abordados nas publicações

 

Em levantamento feito 10 dias após o começo oficial da campanha eleitoral, observou-se que os temas democracia, religião, pandemia e economia estão entre os principais abordados nas publicações de apoiadores de Lula e de Jair Bolsonaro. O monitoramento do Observatório vem categorizando, de forma automatizada, todas as publicações do Twitter e Youtube dos principais apoiadores de ambas as chapas.

Levando-se em conta o Twitter, os temas principais abordados pelo campo  lulista são: democracia (36%), pandemia (11,4%) e religião (10,8%). No campo bolsonarista, os principais são: democracia (29,5%), religião (19.7%) e economia (12%). O tema democracia está presente em ambos os campos, mas com construções narrativas bastante distintas. Alguns recortes mais específicos mostram, abaixo, essas narrativas distintas. 

 

O tema “democracia” na semana no Twitter

 

O monitoramento feito pelo Observatório das Eleições, no período, sobre o tema geral democracia envolve alguns subtemas, como golpe, Carta aos Brasileiros, ditadura, regime militar, Forças Armadas. Nas semanas após a ação do ministro Alexandre de Moraes contra os empresários bolsonaristas que falavam em golpe contra o ex-presidente Lula em rede social, os tuítes com mais engajamento trouxeram os termos golpe, democracia, ditadura e regime militar.

 

O campo bolsonarista reagiu fortemente à operação de busca e apreensão feita pela Polícia Federal e autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes em relação aos empresários investigados pelas manifestações golpistas em rede social. Os apoiadores do presidente Bolsonaro se manifestaram atacando a credibilidade das instituições. O tuíte com mais engajamento foi, novamente, do empresário Luciano Hang, também ele investigado pela PF. 

@LucianoHangBr – 36.808 de engajamento – (23/08) “Compartilhe esse vídeo. Tive meu Instagram retirado do ar, por conta de uma matéria mentirosa, em que o próprio autor, o jornalista Guilherme Amado, admite que nunca falei sobre golpe. Juntos somos milhões. Não existe democracia sem liberdade!” 

 

Em relação ao tema democracia, há uma ressignificação constante do termo pelo campo bolsonarista. O presidente Jair Bolsonaro menosprezou reiteradamente a Carta pela Democracia e associou do PT a ditaduras.

@LucianoHangBr – 92.570 de engajamentos – (23/08) “CENSURA! Acabaram de derrubar meu Instagram. Onde está a democracia e a liberdade de pensamento e de expressão? Tenho certeza que este era o objetivo de toda essa narrativa: tentar me calar. Vivemos momentos sombrios, mas vamos vencer.”

@jairbolsonaro – 88.557 de engajamentos – (25/08)

“Respeitar a democracia é muito diferente de assinar uma “cartinha”. Honrar a Constituição, em especial direitos e garantias fundamentais, é o que diferencia DEMOCRATAS de DEMAGOGOS.”

 

Qual o interesse do Google nas eleições?

Qual o interesse do Google nas eleições?

Por Alexandre Arns Gonzales

Publicado no GGN

O debate presidencial na rede Bandeirantes apresentou, assim como em 2018, a estrutura da Sala Digital montada e patrocinada pelo Google. Entre os diferentes recursos oferecidos pela plataforma, foram apresentadas as perguntas mais buscadas, nos últimos sete dias, sobre cada um dos candidatos que participavam do debate. Por exemplo, “quem está na frente: Lula ou Bolsonaro?”, “quem é o vice do Lula?”, “quantos anos tem o Lula?”, “quanto tempo Lula ficou preso?”, “Lula foi inocentado?”, “o que Bolsonaro fez de bom para o Brasil?”, “o que é o centrão de Bolsonaro?”, “qual o partido de Bolsonaro?” e “o que o mundo fala sobre Bolsonaro hoje?”.

Nesse sentido e a partir dessa estrutura, caberia perguntar: qual o interesse do Google com as eleições? Qual o propósito da Sala Digital? Além de uma política com o objetivo de trabalhar uma imagem pública da empresa, acredito que a empresa visa, também, instrumentalizar o seu serviço de busca como uma ferramenta de disputa eleitoral, tanto no âmbito da definição de relevância de diferentes agendas no debate público, quanto na definição das referências de fonte de informações sobre essas agendas. Quando a empresa apresenta as métricas das buscas como um recurso para analisar a relevância dos temas, o Google está orientando o uso do seu serviço para uma lógica de disputa de engajamento similar às das demais mídias digitais, como Twitter, TikTok, Facebook, Instagram e YouTube.

Outro episódio do processo eleitoral que exemplifica a instrumentalização das métricas do Google foi durante as sabatinas das candidaturas presidenciais no Jornal Nacional. Na primeira entrevista, no dia 23 de agosto, com Jair Bolsonaro, a imprensa repercutiu o “aumento repentino” de buscas por “Bolsonaro imita falta de ar”, que se tornou a principal busca associada ao nome do Presidente da República e candidato à reeleição. No dia 25 de agosto, na entrevista com Luis Inácio Lula da Silva, os registros de “aumento repentino” de buscas associados ao nome do candidato foram relacionados à própria entrevista, como “entrevista Lula Jornal Nacional”. Contudo, a imprensa repercutiu a ascensão, no Twitter, da discussão sobre a produção de arroz orgânico do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), destacado por Lula durante a sabatina. Inserindo o termo “MST” no Google Trends, a ferramenta registrou “aumento repentino” por “MST arroz orgânico”, tanto na noite da entrevista com Lula quanto na manhã do dia 27 de agosto.

O Google apresenta os resultados de buscas com base nos seus interesses de negócios, cuja principal fonte de receita financeira são os anúncios digitais. Essa receita, por sua vez, é usada, em partes, para financiar canais de comunicação ativos na disputa eleitoral, muitos deles ligados à reprodução de notícias falsas sobre as eleições e as urnas eletrônicas.

Portanto, diferentemente do que disse o representante do YouTube na rede Bandeirantes – “nós somos apenas plataforma, quem produz conteúdo de qualidade é o jornalismo profissional” – o Google e YouTube não são “apenas plataformas”, são financiadoras tanto do “jornalismo profissional”, quanto da propaganda golpista desinformativa contra as eleições. Portanto, estimulam o desenvolvimento da desinformação e vendem seus serviços como solução.

As medidas de transparências descritas no Projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, contribuiriam para fortalecer o escrutínio público sobre as decisões dessas empresas. Para além das ameaças relacionadas à produção e à distribuição de conteúdo desinformativo, o modelo de negócio de empresas como Google está influenciando a organização e a dinâmica do conjunto do processo eleitoral. O escrutínio desse tipo de poder não pode se resumir a ações de relações públicas das próprias empresas.

Alexandre Arns Gonzales é Pesquisador colaborador do Instituto em Ciência Política (IPOL) da UnB e bolsista de pós-doutorado pelo CNPq. É doutor em Ciência Política pela UnB, mestre pela UFRGS e graduado em Relações Internacionais pela UNIPAMPA.