por Marta Mendes
Marta Mendes da Rocha
Publicado no Jota
Findado o primeiro turno das eleições, Bolsonaro tem palanque único em onze estados: contabiliza o apoio de governadores eleitos em nove e conta com palanque único em outros dois onde ambos os competidores são seus aliados. Já Lula saiu com o apoio de governadores eleitos em seis estados e vai poder contar com candidatos que lideram as pesquisas em outros três estados onde os concorrentes até agora preferiram permanecer neutros. Em outros cinco a disputa de segundo turno tem tudo para ser bastante nacionalizada com candidatos fortemente alinhados a Lula e a Bolsonaro.
Desde o início da campanha presidencial grande atenção tem sido colocada no movimento dos candidatos na costura de alianças e obtenção de apoios nos estados. Inicialmente, a atenção ficou no número, na consistência e na competitividade das alianças construídas por cada candidato.
Passado o primeiro turno, a questão central passou a ser quem poderia contar com palanque único e em que estados o segundo turno seria nacionalizado. A energia gasta pelos candidatos na construção das alianças e na busca de apoios nos induzem a pensar que eles importam e podem ser decisivos.
Mas a verdade é que a Ciência Política não tem uma resposta para isso. Existem poucos estudos que abordam esta questão no contexto brasileiro de modo que é difícil estimar com precisão a importância do apoio do governador ou de um candidato ao governo.
Nos Estados Unidos, são comuns os estudos sobre o que eles chamam de coattail effect, ou seja, a capacidade de um candidato a um cargo executivo de grande projeção transferir votos para seus co-partidários em outros níveis da disputa.
Um bom exemplo brasileiro ocorreu no Brasil em 2002, quando na esteira da vitória de Lula para a presidência, o PT elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados, repetindo o bom desempenho em 2006 e 2010. Algo semelhante deu-se nas eleições de 2018 e 2022, quando PSL e PL tiveram seu desempenho nas eleições legislativas impulsionado pela popularidade de Bolsonaro.
Outro tipo de transferência de votos mas que não se encaixa no que a literatura considera efeito coattail é a que ocorreu no Brasil nas eleições de 2010 e 2018, quando Lula desempenhou o papel de grande eleitor ao conseguir transferir seu capital político e eleitoral, primeiro para Dilma Rousseff, e depois para Fernando Haddad. Mesmo que este último tenha saído derrotado, foi impressionante a capacidade de transferência de votos de Lula no Nordeste, onde Haddad (ou “Andrade”) ganhou em todos os nove estados, apesar de ser muito pouco conhecido na região.
Há poucas pesquisas sobre transferência de votos no Brasil. Um estudo sobre o caso brasileiro sugere que os eleitores utilizam-se dessas alianças como uma espécie de atalho cognitivo para escolher seus candidatos, baseando-se no posicionamento das lideranças políticas nacionais para tomar suas decisões no nível subnacional. O estudo mostra que, no caso de eleições próximas com um número baixo de candidatos à Presidência, haverá convergência entre os resultados das eleições nacionais e subnacionais. Contudo, outras variáveis são importantes para a compreensão dessa dinâmica.
Também é comum que candidatos ao Executivo municipal e estadual exibam sua proximidade e bom relacionamento com o presidente ou com um candidato competitivo a presidente como símbolo de prestígio ou um diferencial que pode garantir acesso privilegiado ao governo federal e mais recursos para o município ou estado. Essa estratégia é particularmente importante para municípios e estados pobres e mais dependentes de transferências intergovernamentais. A literatura em Ciência Política apresenta evidências de que o eleitor vota para cargos nacionais com considerações locais em mente e que ele valoriza o alinhamento entre governo subnacional e federal.
Entretanto, no contexto das eleições de 2022, o interesse maior está no efeito inverso (o chamado reverse coattail effect), de baixo para cima, que ocorre quando candidatos no nível local ou estadual desempenham o papel de cabos eleitorais e mobilizam votos para candidatos competindo em níveis superiores. Alguns estudos trazem evidências de coordenação partidária para maximizar votos em diferentes níveis e diferentes rodadas eleitorais. Assim, um desempenho positivo na eleição municipal estaria associado a um desempenho positivo na eleição legislativa dois anos depois. Não há, contudo, evidências inequívocas destes efeitos sobre a eleição para presidente, de modo que não temos como estimar o efeito do apoio de governadores e/ou candidatos ao governo estadual sobre a quantidade de votos obtida pelos candidatos a presidente. Uma análise do segundo turno das eleições de 2018 mostrou convergência nos resultados da eleição para presidente e governador nos 14 estados em que a disputa foi decidida na segunda rodada. Mas este efeito não é o mesmo para todos os casos, sugerindo que existem diferentes mecanismos em operação.
A pergunta que devemos nos fazer é: como ou sob que condições o apoio do(da) governador(a) e/ou de candidatos(as) ao governo estadual pode ajudar o candidato a presidente e fazer diferença no resultado da eleição? Há algumas formas pelas quais uma liderança política estadual pode ser efetiva em transferir votos.
Popularidade. Uma liderança carismática e popular no estado, com altos índices de aprovação, capital político robusto e confiança entre os eleitores empresta sua confiança e reputação para o candidato a presidente. Uma questão importante é assegurar que a maior parcela do eleitorado seja capaz de associar os dois candidatos, isto é, tem que ficar claro para o eleitor quem esta liderança apoia. O apoio aqui desempenha a função de atalho cognitivo para os eleitores que não querem ou não podem arcar com os custos de informação.
Identificação. A transferência funciona devido a uma forte identificação entre os candidatos, seja porque eles pertencem ao mesmo partido ou porque estão associados com um mesmo programa político, pautas e bandeiras. O limite da transferência, neste caso, está na capacidade de mobilização de votos e na rejeição da liderança estadual. Esta parece ser a forma como Fernando Haddad em São Paulo e Claudio Castro, no Rio de Janeiro, poderiam auxiliar Lula e Bolsonaro, respectivamente. Note que o mecanismo da identificação partidária deve funcionar mais para Lula do que para Bolsonaro,uma vez que o rótulo “PT” aporta muito mais conteúdo e significado para os eleitores do que o rótulo “PL”. Este mecanismo também pode operar nos demais estados onde o PT tem governadores eleitos (RN, CE, e PI) ou na disputa do segundo turno (BA e SC). Para Bolsonaro pode funcionar nos estados em que há governadores ou candidatos fortemente associados às pautas bolsonaristas. Ainda assim, alguém poderia objetar que este seja um mecanismo relevante no segundo turno da eleição de 2022 uma vez que as pesquisas indicam alto grau de consolidação do voto. Em outras palavras, é mais provável que quem apoie um candidato a governador ou um candidato no estado, seja por identificação partidária ou programática, também já apoie seu aliado na disputa pela presidência.
Controle da máquina. Outro mecanismo pelo qual a transferência de votos pode ocorrer é pelo uso da máquina pública, o que se aplica para os governadores em exercício. Neste caso, a transferência não seria tanto resultado da ascendência do governador sobre os eleitores devido à sua popularidade e carisma, e mais pela mobilização de sua autoridade e recursos em benefício de um determinado candidato. O controle da máquina coloca nas mãos do governador recursos decisivos, com os quais ele pode mobilizar apoio de outros grupos e atores, com destaque para os prefeitos. Com estes recursos ele pode, inclusive, tentar cooptar apoiadores do candidato adversário. Essa via de transferência de votos parece ser a mais importante quando não há identificação partidária ou forte associação programática entre o(a) governador(a) e o candidato a presidente. Esta parece ser a forma pela qual Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais, Ratinho Jr. (PSD) no Paraná e Rodrigo Garcia (PSDB) em São Paulo, podem ajudar Bolsonaro nesta reta final.
Demonstração de força. Outra forma pela qual o apoio de governadores e de candidatos ao governo pode fazer diferença é mais indireta e simbólica. Ter o apoio de muitas lideranças estaduais pode comunicar para o eleitor a viabilidade e o favoritismo da candidatura, enquanto o oposto sinaliza isolamento político. Esses apoios, somados aos de outros tipos de lideranças, podem provocar um efeito de adesão ao candidato melhor posicionado para vencer.
Controle de espaço. O palanque único reduz o espaço político do adversário, limitando suas possibilidades de mobilização (por meio de realização de eventos, por exemplo) e restringindo suas portas de entrada. É o que parece ocorrer em Rondônia e Mato Grosso do Sul onde os dois candidatos que disputam o segundo turno apoiam Bolsonaro. Em se tratando de controle de espaço, a questão central é que, independentemente do efeito que o apoio pode produzir, o importante é assegurar que ele não esteja ao alcance do adversário. Uma situação na qual um candidato tem palanque único porque conta com o apoio do governador ou de todos os candidatos competitivos amplia para o adversário a importância de outras lideranças, como parlamentares e prefeitos co-partidários e aliados.
Seja qual for o tamanho do efeito do apoio de governadores e candidatos ao governo sobre a votação dos candidatos a presidente e os mecanismos subjacentes, não deveríamos supervalorizar esta dimensão da disputa. O caráter multifacetado da eleição mostra que o jogo se desenrola simultaneamente em muitas arenas e, em cada uma delas, diferentes atores despontam como relevantes. Nenhum deles, isoladamente, poderá decidir os rumos do pleito. Mais que isso: no fim das contas pode muito bem acontecer que, sendo ambos lideranças populares, os candidatos à Presidência se mostrem muito mais efetivos em mobilizar votos para os candidatos aos governos estaduais e não o contrário.
por Fernanda Rios Petrarca
Fernanda Rios Petrarca e Wilson José Ferreira de Oliveira
Publicado no Brasil de Fato
As eleições em Sergipe em 2022 foram marcadas por certas circunstâncias que dizem respeito tanto às condições de emergência e consolidação dos principais grupos políticos no estado e de suas relações com a política nacional quanto às dinâmicas de enfrentamento e competição entre eles. No tocante a um conjunto significativo de mudanças observadas nos resultados eleitorais, podemos citar pelo menos três alterações que chamam a atenção.
A primeira diz respeito ao grau de representação dos partidos. Seguindo uma tendência observada no Brasil recentemente, percebe-se uma pequena diminuição no grau de fragmentação dos partidos com representação nas câmaras legislativas, tanto estadual quanto federal. Enquanto em 2014 e 2018 o total de partidos com representação na Assembléia Legislativa era de 14, em 2022 esse índice diminuiu para dez.
Essa maior concentração em algumas legendas fica mais clara quando se observa o quadro dos eleitos para a Câmara Federal. Em 2018 foram eleitos oito representantes, cada um de um partido diferente, em 2022 o quadro é relativamente distinto: dois do União Brasil e dois do PSD, e o Republicanos, PP, PL e PT com um cada. Assim, passamos de uma situação em que eram oito os partidos com representação para outra em que são apenas seis. Já na Assembléia Estadual os partidos com maior representação são também os mesmos, com exceção do PP e do PT. A composição ficou: o PSD com cinco deputados, o União Brasil com quatro, o Republicanos e o PL com três cada um.
A segunda mudança está associada à ampla taxa de renovação. Na Câmara Federal, do total de oito deputados federais eleitos por Sergipe, apenas três foram reeleitos, correspondendo a 62,5% a taxa de renovação. Na Assembleia Legislativa Estadual, tal índice chegou a cerca de 60%. Do total de 24 deputados eleitos, 15 são considerados “novatos”. Ambas as casas superaram os resultados eleitorais de 2018, momento em que se observou uma modificação de 50%. Contudo, tal renovação de eleitos não é sinônimo de renovação partidária. Muito pelo contrário, o que se observa é uma maior concentração dos partidos situados no espectro político do centro e centro-direita. Destaca-se o desempenho eleitoral do PSD, o qual já havia, em 2020, conquistado 20 Prefeituras sob seu comando direto e firmado alianças, tanto à direita quanto à esquerda, que se estendem por 34 dos 75 municípios sergipanos.
Por fim, a terceira alteração diz respeito à ampliação de mulheres eleitas. O estado elegeu duas mulheres para a legislatura federal, o que representou um feito inédito na história de Sergipe, uma vez que mulheres ainda não haviam ocupado o cargo pelo estado. Na legislatura estadual, a presença feminina é inferior e não houve significativa alteração, correspondendo a pouco mais de 20%. A mudança representativa fica a cargo de Linda Brasil, a primeira mulher trans eleita para a Assembleia Legislativa de Sergipe.
Essas mudanças, no entanto, referem-se à quantidade e ao grau de representação, mas não estão dissociadas das condições de emergência e consolidação dos principais grupos políticos do estado. Tratando-se de um sistema político que tem por princípio as “alianças” entre grupos de “base familiar”, observa-se que em meio ao aparecimento de novos eleitos e eleitas e até certa taxa alta de “renovação”, há a continuidade da política de aliança de “base familiar”. No âmbito federal, do conjunto de oito deputados federais eleitos, seis representam grupos de “base familiar” e apenas dois correspondem a grupos de base partidária e política profissional. Já na Assembleia Legislativa Estadual, do total de 24 deputados, pelo menos 11 fazem parte de agrupamentos familiares. Tais dados reforçam a permanência e a consolidação destes grupos na política regional.
Nesse sentido, em meio a uma taxa de 62,5% de renovação para a Câmara Federal, observa-se a continuidade desta política de “base familiar” entre os quatro mais votados: uma “novata”, filha de um estabelecido líder local, o segundo, outro “novato”, também filho de um líder emergente. Ainda entre os novatos, dois que têm como base a política no meio profissional na área de segurança pública e um explícito defensor do “bolsonarismo”, que já era deputado estadual e filho de uma família com tradição na política estadual (“os Valadares”). Por fim, entre os continuadores, dois que também representam a política de “base familiar”: “os Reis” e “os Ribeiro”.
Desta forma, mais do que a alta taxa de renovação na Câmara Federal, quando se considera os padrões de acesso e consolidação na política estadual e federal, o que se observa é o domínio da política “de base familiar”, formando o polo principal tanto da permanência quanto da renovação; e, por outro, o da política de base profissional e partidária.
O caso mais emblemático das continuidades que as mudanças propiciam é o de “Yandra de André”. Yandra não só está no seu primeiro mandato, sendo, portanto, uma neófita, como se tornou a personagem política sergipana a se eleger com a maior quantidade de votos. Há ainda outro elemento importante que ela representa: a participação das mulheres na política. Afinal, é a primeira vez que Sergipe elege uma deputada federal. Entretanto, Yandra é parte e representa um dos agrupamentos de base familiar do estado. Seu pai, André Moura, é um político local que acumula dois mandatos de prefeito, dois de deputado federal, foi ou é liderança do governo no Congresso Nacional e candidato ao Senado federal que- apesar de não ter sido exitoso- contribuiu para a ampliação de sua base eleitoral e fortalecimento do seu capital político. Seu avô, Reinaldo Moura, foi vereador e deputado estadual, sua avó Lila Moura, deputada de único mandato, e sua mãe, Lara Moura, é a atual prefeita de Japaratuba. Assim, apesar de ser considerada uma novata na política, o grupo do qual Yandra faz parte é bem consolidado, com ramificações diversificadas e liderando uma aliança com 22 prefeitos e quase 30 vice-prefeitos em um estado com 75 municípios. Coube a ela, nesse momento, representar o agrupamento na Câmara Federal, já que seu pai encontra-se impedido judicialmente.
Considerando que, historicamente, os grupos que conseguem maior ampliação no âmbito estadual são aqueles que conseguem uma maior articulação entre os níveis municipal, estadual e federal, os eleitos demonstram a consolidação desse padrão de fazer política, como também sua concorrência, ainda que pequena, com a entrada na política com base na inserção profissional. Um exemplo de como isso ocorre são as chamadas candidaturas “casadas”, que se manifestam quando dois membros do mesmo agrupamento disputam níveis diferentes. Esse é o caso dos “Ribeiro”. Enquanto Hilda Ribeiro ocupa o cargo de prefeita de Lagarto, a sogra disputou com sucesso o cargo de deputada estadual e o marido Gustinho Ribeiro foi reeleito deputado federal.
No que diz respeito à corrida ao governo do estado, a dinâmica se repete. De um lado, Rogério Carvalho, do PT, palanque oficial do Lula, lidera uma aliança sustentada, principalmente, nas redes de base profissional. De outro, Fábio Mitidieri- que no primeiro turno defendeu palanque neutro – consolida uma coligação, fundamentalmente, com agrupamentos políticos de base familiar.
Nessa disputa, cabe ainda um adendo crucial, o “fator Valmir”. A manutenção da candidatura de Valmir de Francisquinho, líder das pesquisas, até o último momento, já que ele se encontrava impedido e teve o indeferimento definitivo um dia antes das eleições, deixou o cenário incerto. Ao mesmo tempo, a anulação dos seus votos pelo TSE conferiu a Fábio Mitidieri certa vantagem, uma vez que em um cenário com Valmir, ele estaria fora da disputa. Outro ponto importante do “fator Valmir” diz respeito ao lugar que o mesmo ocupa nas disputas entre os agrupamentos políticos de base familiar. A manutenção da sua candidatura contribuiu para ampliar seu capital político, em especial, e consolidar o lugar que o agrupamento representa na disputa política regional (“os Valmir”), inclusive com a eleição de seu filho para deputado federal como o segundo mais votado.
Ocupar os cargos em todos os níveis é fundamental, já que são eles que permitem não só o acesso a recursos econômicos, como aos orçamentos públicos (municipais, estaduais e federais), assim como a posição de liderança, funcionando como recurso de competição política. Dadas as condições do orçamento secreto como forma de acesso a recursos econômicos e políticos, pode-se aventar a possibilidade de conduzir a uma maior homogeneidade e maior controle destes agrupamentos.
Deste modo, os dados da legislatura deste ano reforçam a consolidação de um padrão de dominação da política estadual que perpassa a lógica de base familiar. Nessa direção, candidaturas bem sucedidas, como aquelas sendo recordes de votos, são também as que conseguem combinar de maneira mais promissora recursos econômicos vastos, alianças políticas diversificadas de base familiar no âmbito estadual e inserção nos diferentes níveis da política nacional.
Fernanda Rios Petrarca é doutora em Sociologia, professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe e coordenadora do Laboratório de Estudos do Poder e da Política (LEPP/UFS). Instagram: @leppufs. Twitter: @leppufs
Wilson José Ferreira de Oliveira é doutor em Antropologia, professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe e coordenador do Laboratório de Estudos do Poder e da Política (LEPP/UFS).
por Valéria Cabrera
Valéria C. Cabrera
Publicado no GGN
No primeiro turno da eleição de 2018, Eduardo Leite (PSDB) foi o candidato a governador mais votado em 260 das 497 cidades do estado do Rio Grande do Sul. Em 2022, o cenário foi outro: Leite venceu em apenas 46 municípios (214 a menos em relação ao último pleito). O candidato petista, Edgar Pretto, foi o preferido em outros 147 municípios, enquanto Onyx Lorenzoni (PL), vencedor do primeiro turno, obteve a melhor colocação em 299 cidades.
Na eleição anterior, logo atrás de Leite, apareceu José Ivo Sartori (MDB), que concorria à reeleição, com 189 municípios. O candidato do PT era Miguel Rossetto, que terminou em terceiro lugar no pleito e foi o mais votado em 46 cidades. Com isso, Leite e Sartori, dois candidatos de centro-direita, disputaram o segundo turno da corrida ao governo gaúcho. O cenário indicava que seria uma disputa acirrada. Naquele ano, Jair Bolsonaro foi para o segundo turno da eleição presidencial com grande margem de votos no estado e recebeu o apoio de Sartori. Para evitar perder capital político, embarcando na onda de rejeição ao PT encampada pelo bolsonarismo, Leite ofereceu “apoio crítico” a Bolsonaro e venceu a eleição com 53,62% dos votos.
No decorrer do mandato, Leite divergiu do presidente Bolsonaro algumas vezes, mas buscou sempre manter um tom conciliatório com o Executivo federal, como quando ofereceu crítica à politização da compra de vacinas contra coronavírus pelos “dois lados”, fazendo referência à aquisição de vacinas por governadores, entre eles seu correligionário João Dória. Nesse cenário, disputou as prévias do PSDB, desafiando Dória, para lançar-se como o candidato da terceira via à Presidência da República. Leite chegou a renunciar ao governo do estado do Rio Grande do Sul para concorrer, mas perdeu as prévias partidárias em meio a suspeitas de fraude.
O fato é que Leite, que já havia manifestado abertamente sua oposição à possibilidade de reeleição, voltou atrás e candidatou-se agovernador do estado do Rio Grande do Sul pela segunda vez. Quando prefeito da cidade de Pelotas, Leite rejeitou concorrer à reeleição, mesmo com a aprovação de mais de 80% dos eleitores ao seu mandato. Em 2018, 90% dos eleitores de Pelotas votaram em Leite para governador no segundo turno.
O tema é delicado no estado: os gaúchos nunca reelegeram um governador. Historicamente, os eleitores desviaram da polarização entre a situação e a oposição, optando por candidatos intermediários. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando Leite venceu Sartori em 2018.
Os dados do primeiro turno de 2022 mostram essa tendência, por exemplo, na Região Sul do estado, onde Leite venceu em todas as 22 cidades em 2018, mas apenas em oito no primeiro turno de 2022. Dos 14 municípios perdidos pelo tucano na região, 10 preferiram Pretto, que, além de não representar a situação, não se configurou como a principal oposição aLeite na campanha eleitoral. O mesmo ocorreu na Região da Campanha, em que o candidato petista venceu em todos os municípios. Em 2018, Leite havia perdido para Rossetto apenas em duas cidades da região.
Assim, como Pretto não foi o favorito no primeiro turno da eleição de 2022, a oposição deu-se marcadamente entre Leite e Lorenzoni, o que, pelo histórico gaúcho, pode estar associado ao crescimento do candidato petista. Entretanto, desta vez, o fato é que a postura pacificadora de Leite não contribuiu com a sua candidatura: de um lado, o bolsonarismo lançou o seu próprio candidato, Lorenzoni, e de outro, setores progressistas não viram com bons olhos a neutralidade de Leite quanto ao Governo federal durante o seu mandato como governador, reforçando a candidatura de Pretto.
O candidato do PT, desacreditado no início da campanha eleitoral, cresceu nas pesquisas e dias antes da eleição já aparecia próximo ao segundo mais mencionado, Lorenzoni. Contados os votos, Lorenzoni ficou em primeiro lugar e Leite em segundo, com apenas 2441 votos a mais do que Pretto, indicando possível migração de eleitores de Leite para Lorenzoni como reação ao crescimento do candidato petista. Como o PT tem forte rejeição no estado, sobretudo nas Regiões Norte e Noroeste, onde Lorenzoni foi bem-sucedido como reflexo do debate nacional, a derrota de Edgar Pretto não atesta o fim do histórico gaúcho de escapar à polarização eleitoral local.
No entanto, se Leite for eleito, será o primeiro governador reeleito no estado do Rio Grande do Sul e, para isso, precisará contar com os eleitores de Pretto. Ao que parece, a força do debate nacional, principalmente no que diz respeito aos temas levantados pelo bolsonarismo e pela reação a ele, influenciará decisivamente na eleição do estado. Após o primeiro turno, aguardava-se saber se Leite, enfim, iria aderir ao anti-bolsonarismo, dúvida que se encerrou no final da semana passada, quando o candidato ao governo gaúcho declarou que não manifestará o seu voto para a Presidência da República.
Valéria C. Cabrera é doutora em Ciência Política pela UFPel e pós-doutoranda no Cesop/Unicamp.
por Rodrigo Dolandeli dos Santos
Rodrigo Dolandeli dos Santos
Os resultados das eleições no Pará refletiram a força política do governador Helder Barbalho (MDB), que construiu uma ampla aliança em torno de sua candidatura. Além de se reeleger no primeiro turno, com o apoio de 16 partidos, Helder obteve a maior vantagem na eleição para governador no país. Com 70,4% dos votos válidos, ele ficou muito a frente do segundo colocado, Zequinha Marinho (PL), que alcançou somente 27,1%.
Essa força política do governador e de seu partido igualmente se traduziu na corrida presidencial, uma vez que, no estado, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu com mais de 50% dos votos válidos. O petista, que é apoiado pelo governador, fez valer a tendência já consolidada do eleitorado paraense de dar a vitória aos candidatos do PT que disputam a Presidência da República – de 2002 a 2022 as candidaturas petistas venceram todas as disputas no Pará. Embora o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenha enfrentado um quadro de difícil inserção eleitoral, considerando que o candidato a governador do PL ficou muito distante de ameaçar a reeleição do candidato do MDB, o seu desempenho ficou em torno de 40% dos votos, uma porcentagem muito próxima à alcançada nacionalmente. Importante ressaltar que a votação no estado não foi homogênea, pois o sul do Pará deu mais votos a Bolsonaro, indicando a presença forte do atual presidente em regiões do agronegócio.
Nas eleições legislativas, o candidato Beto Faro (PT) sagrou-se vitorioso na campanha para o Senado Federal, com apoio do MDB, que, por sua vez, foi o partido com melhor desempenho nas disputas proporcionais, pois elegeu a maioria dos deputados federais e estaduais.
De maneira geral, algumas mudanças significativas aconteceram se compararmos os pleitos de 2018 e 2022. Para deputado federal, da eleição anterior para a atual houve redução pela metade dos números de partidos que conseguiram representação política. Esse quadro revela a tendência de diminuição da fragmentação partidária com o fim das coligações nas eleições proporcionais. Partidos políticos como PSOL, PSDB e PSB, que elegeram deputados federais em 2018, não conseguiram repetir o feito em 2022 e não alcançaram o quociente eleitoral, que ficou em torno de 265 mil votos. Dessa forma, o MDB captou boa parte das cadeiras antes distribuídas entre os partidos que, inclusive, integravam a sua coligação. Em 2018, por exemplo, o Republicanos e o PTB estavam na chapa proporcional junto com o MDB e elegeram juntos três deputados federais. Porém, em 2022 não alcançaram nenhuma cadeira. Dos cinco partidos que elegeram deputados federais, o MDB sozinho elegeu mais da metade desta nova bancada paraense, nove parlamentares do total de 17, expressando uma concentração de representação na Câmara dos Deputados.
Para a Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), a disparidade não foi tão ampla, mas o MDB ficou com 13 do total de 41 cadeiras, ou seja, quase um terço da casa legislativa. A segunda colocação dividiu-se entre o PT e a Federação PSDB-Cidadania, ambos elegeram quatro deputados estaduais.
Quanto à fragmentação partidária, observamos que houve uma redução significativa, em sintonia com a distribuição de votos observada nacionalmente. Na Alepa, de 18 partidos representados em 2018, agora são14em 2022. Ao calcularmos o Número Efetivo de Partidos (NEP) da Alepa, verifica-se que a fragmentação reduziu-se quase pela metade. O NEP que era 13 em 2018 caiu para 6,9. Vale ressaltar que nenhum novo partido elegeu parlamentares em 2022, quer dizer, todas as legendas que passarão a compor a Alepa na próxima legislatura elegeram deputados estaduais na disputa anterior – informação que reforça a perspectiva da diminuição da fragmentação e a constatação de que as organizações mais bem estabelecidas no estado devem prevalecer eleitoralmente nesse processo.
O governador terá uma situação confortável nos próximos quatros anos, pois somente seis deputados estaduais eleitos pertencem a legendas que não o apoiaram, restritas ao PSOL, PL e PSC. A tendência é a manutenção da ampla base parlamentar e, com isso, a possibilidade de um governo estável que alavanque a sua projeção política em âmbito nacional – já iniciada na gestão de pastas ministeriais tanto no governo de Dilma Rousseff (PT), quanto no de Michel Temer (MDB). Com a vitória de Lula no segundo turno, aumenta a expectativa desse caminho se concretizar.
Rodrigo Dolandeli dos Santos é professor da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisador vinculado ao Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazonia Legal (LEGAL).
por Thiago Silame
Thiago Silame e Denisson Silva
Publicado no Congresso em Foco
O resultado eleitoral das urnas em Minas Gerais (MG) conferiu um segundo mandato a Romeu Zema (Novo) que derrotou o ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD). O governador obteve 6.094.136 de votos, o que corresponde a 56,18% de votos válidos, enquanto que seu principal oponente foi sufragado por 3.805.182 eleitores (35,08%). Carlos Viana (PL) obteve 7,23% dos votos.
A eleição para o governo de MG desde o início configurou-se como uma disputa entre dois adversários, com amplo favoritismo para o atual governador, conforme apontado em análise anterior do Observatório. O mapa a seguir, elaborado a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral, mostra a distribuição espacial dos votos dos dois principais candidatos ao governo do estado.
As urnas mineiras também conferiram ao deputado estadual Cleitinho (PSC) um mandato como senador da República ao derrotar o atual detentor do cargo, Alexandre da Silveira (PSD), que tentava a reeleição. Cleitinho obteve 41,52% dos votos e Silveira 35,79%. O deputado federal Marcelo Aro (PP) terminou o pleito em terceiro, obtendo 19,70% dos votos válidos.
Em relação aos votos para presidente da República, Minas Gerais apresentou números semelhantes ao Brasil. O candidato e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi a opção de 48,29% dos mineiros e de 48,43% dos brasileiros, enquanto o atual presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) foi a escolha de 43,6% dos mineiros e de 43,2% brasileiros. Isso ressalta a importância de MG como segundo maior colégio eleitoral do Brasil. E, por ser um estado extremamente heterogêneo do ponto de vista social, econômico e cultural, nas últimas eleições vencer em Minas tem correspondido a uma vitória no país.
Segundo dados do (TSE), 12.655.228 eleitores compareceram às urnas no estado. Sendo os votos válidos 12.016.633, a taxa de abstenção foi de 22,28%, o correspondente a 3.628.600 eleitores. Votos nulos somaram 409.170 (3,23%) e votos em branco totalizaram 229.425 (1,82%). A abstenção do estado foi similar à observada no Brasil, que ficou em 20,95%, com 2,82% de votos nulos e 1,59% de votos brancos.
Abaixo é possível visualizar a distribuição espacial dos votos dos dois candidatos à Presidência em Minas.
A bancada na Câmara dos Deputados
Dos 53 assentos a que MG tem direito na Câmara dos Deputados, 37 serão ocupados por parlamentares que foram reeleitos e 16 cadeiras serão ocupadas por novatos, sendo que 15 parlamentares debutam como representantes do povo mineiro no âmbito federal. Destaques para a eleição de Nikolas Ferreira (PL), que foi o parlamentar mais votado do país com 1,47 milhão de votos, de Duda Salabert (PDT), deputada transgênero eleita com 208 mil votos, e de Célia Xakriabá (PSOL), primeira parlamentar indígena eleita deputada federal por MG.
A representação por partidos da bancada mineira em Brasília a partir de 2023 contará com onze parlamentares do PL, dez do PT, cinco do AVANTE e quatro do PSD. PATRIOTA, UNIÃO BRASIL e PP elegeram cada um três parlamentares. Cinco partidos elegeram dois parlamentares (PDT, REPUBLICANOS, MDB, PSDB, PODEMOS). O PROS, PSC, PSOL e o SOLIDARIEDADE elegeram um representante cada para a Câmara dos Deputados. Em certa medida, as votações de PL e PT no estado podem ter sido influenciadas pelas duas principais candidaturas à Presidência da República.
Resultados eleitorais e a “nova” ALMG
Em 2023, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais contará com 24 partidos conforme pode-se observar no gráfico a seguir.
O PT elegeu 12 parlamentares. Duas legendas elegeram nove deputados: o PL e o PSD. Destacam-se ainda o PP e o PV que elegeram, respectivamente, seis e quatro cadeiras. União Brasil, Republicanos, AVANTE, CIDADANIA, PMN, PSC e PATRIOTA elegeram três representantes cada. REDE, MDB, PDT e NOVO elegeram dois representantes cada. Elegeram apenas um representante o PSDB, PODEMOS, PSB, SOLIDARIEDADE, PROS, PCdoB, PSOL e DC. Destaca-se a existência de duas Federações Partidárias, uma composta por PT, PCdoB e PV e outra formada pelo PSDB e CIDADANIA. As federações elegeram, respectivamente, 17 e 4 parlamentares.
Contudo, em 2023 a ALMG não terá uma cara tão nova assim, uma vez que a taxa de sucesso para os que tentaram a reeleição foi de 67,53%. Dos 66 parlamentares que concorreram à reeleição, 52 conseguiram se reeleger. Das 77 cadeiras que compõem a casa, 25 serão ocupadas por neófitos, o que corresponde a uma renovação de 32,46%, a menor nos últimos 20 anos conforme pode-se ver no gráfico a seguir. Devido à alta renovação que ocorreu em 2018, muitos deputados e deputadas estavam em seu primeiro mandato, o que, em certa medida, explica a alta taxa de apresentação de candidaturas para reeleição e taxa de sucesso. As maiores taxas de renovação na ALMG foram observadas em 2002 (46,75%), 2006 (40,25%) e 2018 (40,25%). Em 2010 e 2014, as taxas foram 36,36% e 33,77%, respectivamente.
Em relação à quantidade de partidos que obtiveram representação na ALMG, a casa passa de 23 para 24 partidos. Entretanto, houve uma diminuição no número efetivos de partidos (NEP) em relação à 2018 conforme se pode verificar no gráfico a seguir. A ALMG em 2018 tinha 16,7 partidos efetivos e em 2022 o número se reduz para 13,32. Várias causas podem ser apontadas para explicar esta redução, entre elas a nova legislação eleitoral vigente desde 2017, que proíbe coligações nas eleições proporcionais, e as grandes bancadas eleitas pelo PT, PSL e PSD, que podem ter sofrido influência das candidaturas para a Presidência e para o governo do estado. Contudo, 21 partidos não elegeram deputados suficientes para formar uma bancada (que exige um mínimo de cinco parlamentares).
Representatividade feminina
Em termos de representatividade feminina, a eleição de 2022 apresentou um recorde de mulheres eleitas para a ALMG. Foram eleitas 15 parlamentares, o que corresponde a 19,48%. O maior número de mulheres eleitas havia ocorrido nas eleições de 2002, quando onze mulheres foram eleitas deputadas estaduais (14,28%). O número de mulheres eleitas nas eleições de 2006, 2010 e 2014 foi sete, quatro e três, respectivamente. Em 2018, foram eleitas dez parlamentares. Às vésperas das eleições de 2022, nove mulheres exerciam mandatos como deputadas estaduais.
Relações Executivo-Legislativo em MG
A coligação eleitoral de governador Romeu Zema (Novo) foi composta por dez partidos (PP, PODEMOS, SOLIDARIEDADE, PATRIOTA, AVANTE, PMN, AGIR, DC, MDB e NOVO) e conquistou 22 cadeiras na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, número que corresponde a 28,57% do total. Contudo, o governador reeleito deverá contar com o apoio de outros partidos em sua coalizão de governo. Zema declarou seu apoio no segundo turno presidencial à candidatura de Bolsonaro (PL). O PL, que elegeu nove deputados estaduais, deve integrar a base de apoio na Assembleia. Assim, depois dessa adesão, o governador contará com 31 parlamentares em sua base de apoio, o equivalente a 40% do total. Outros partidos podem ser atraídos para a órbita de influência do governador. Considerando a coligação eleitoral que apoiou Kalil (PSD, PT, PCdoB, PSB), 35% das cadeiras da ALMG são de partidos que em primeiro momento devem fazer oposição ao governo de MG.
A ALMG tradicionalmente apresenta uma postura de maior autonomia frente ao Executivo, como mostram os trabalhos de Anastasia e de Silame e Silva, e uma das agendas importantes para o governo de MG é aprovar o regime de recuperação fiscal, uma agenda com alto custo político que institui um regime de austeridade fiscal que prevê mudanças nas carreiras e salários do funcionalismo público e privatizações. Portanto, o governador terá que ser mais habilidoso em seu segundo mandato caso queira obter êxito na condução de sua agenda, uma vez que seu primeiro mandato foi marcado por diversos conflitos com o legislativo mineiro.
Thiago Silame é doutor em Ciência Política pela UFMG, professor da Universidade Federal de Alfenas e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG (CEL-DCP).
Denisson Silva é doutor em Ciência Política pela UFMG. Atua na Escola de Comunicação, Mídia e Informação (EMCI), da Fundação Getúlio Vargas (EMCI-FGV).
por Raimundo França
Raimundo França
Publicado no GGN
As eleições gerais no Mato Grosso não apresentaram grandes surpresas no que tange às sondagens realizadas no período pré-eleitoral e no próprio período eleitoral, posto que estas já indicavam vantagens substantivas do governador Mauro Mendes (União Brasil) e do presidente Jair Bolsonaro (PL), ambos candidatos à reeleição.
O Partido dos Trabalhadores não conseguiu construir uma candidatura competitiva que fizesse frente ao favoritismo de Mendes. A candidatura da primeira-dama da capital, Márcia Pinheiro (Federação PT, PV e PC do B) foi definida apenas dez dias antes do prazo final para registro de candidaturas oficiais, a partir de uma articulação do senador Carlos Fávaro (PSD) e do deputado federal Neri Geller (PSD) junto ao ex-presidente Lula (PT).
Márcia Pinheiro converteu-se na principal concorrente do governador, mas sua votação e dos demais candidatos não foram suficientes para levar a decisão para o segundo turno. Mauro Mendes obteve 68,45%, contra 16,41% de Márcia Pinheiro, 14,34% do Pastor Marcos Ritela (PTB) e 0,80% de Moisés Franz (PSOL-REDE).
Para o Senado, não houve grandes percalços à reeleição do senador Wellington Fagundes (PL). Nas pesquisas de intenção de voto, seus adversários pontuavam abaixo dos 20% enquanto Fagundes sempre aparecia na casa dos 40%. Além disso, seu principal concorrente, o deputado federal Neri Geller, apoiado pelo ex-presidente Lula, teve seu registro de candidatura cassado há dois dias das eleições, o que selou a reeleição de Wellington Fagundes (PL) com tranquilidade.
Para a Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso (ALMT), as pesquisas foram bastante assertivas, posto que os quatro candidatos com mais menções acabaram sendo também os mais votados, com destaque para Janaína Riva (MDB) que foi a mais votada, com 82 mil votos, contribuindo significativamente para que o MDB conquistasse quatro das 24 cadeiras em disputa. Destaque também pode ser dado ao União Brasil, que elegeu três deputados estaduais, e ao PSB, que também elegeu quatro. No quadro de eleitos, somente os dois deputados do PT não estão alinhados ao governador Mauro Mendes. Importante também destacar a baixa renovação, já que dos 24 deputados estaduais da atual legislatura, 18 foram reeleitos.
Quadro diferente pode ser observado na eleição para a Câmara dos Deputados. A bancada do Mato Grosso apresentou grande renovação com apenas três dos oito deputados atuais conseguindo a reeleição: Emanuelzinho Pinheiro (MDB), Juarez Costa (MDB) e José Medeiros (PL). Os demais, à exceção de Fábio Garcia que já foi deputado federal e atua como suplente de senador pelo Mato Grosso, são políticos sem experiência política, eleitos na esteira do bolsonarismo, como é o caso de José Medeiros (PL). O PL elegeu metade da bancada mato-grossense na Câmara dos Deputados. Somado ao União Brasil que, no Mato Grosso, é alinhado a Bolsonaro, os dois partidos conquistaram seis das oito cadeiras, dando à bancada do estado um perfil fortemente conservador. A grande surpresa nas eleições para a Câmara foi a não recondução da deputada federal Rosa Neide (PT). Mesmo tendo sido a campeã de votos, com 124 mil, a Federação PT-PV-PC do B não conseguiu atingir o quociente eleitoral.
No contexto do cenário exposto acima, pode-se afirmar que o resultado das eleições gerais confirmou a preferência de parte significativa do eleitorado mato-grossense por partidos e candidatos posicionados à direita do espectro político brasileiro, com destaque para as lideranças ligadas ao bolsonarismo. Alguns exemplos são a votação expressiva do candidato ao governo, Pastor Marcos Ritela (PTB) que, embora não fosse o candidato de Bolsonaro, era o candidato de maior proximidade ideológica; e a expressiva votação de Antônio Galvan, liderança fortemente vinculada ao bolsonarismo, para o Senado (25% dos votos).
Embora o governador Mauro Mendes (UNIÃO BRASIL) e Wellington Fagundes (PL) – este último, inclusive, foi líder do governo Dilma Rousseff – tenham tido o apoio de Bolsonaro, eles não são considerados bolsonaristas raiz, ao contrário dos dois supracitados que, em suas campanhas, mostraram um alinhamento umbilical com o bolsonarismo e suas pautas.
A maioria dos candidatos eleitos têm forte vínculo com a agenda de desenvolvimento que tem o agronegócio como centro dinâmico da economia mato-grossense, ainda que os candidatos tipicamente ligados ao agronegócio não tenham obtido grande sucesso eleitoral. O resultado ratifica o comportamento político mais conservador do eleitor mato-grossense que já tinha sido expresso em outras eleições. Em 2022, ele apareceu de forma mais clara, ainda que o índice de abstenção tenha sido de 23%, o segundo maior do país.
Raimundo França é doutor em Ciência Política, professor adjunto da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT) e membro do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal.