Eleições no Rio de Janeiro: entre o local e o nacional

Eleições no Rio de Janeiro: entre o local e o nacional

Eleições no Rio de Janeiro: entre o local e o nacional

Publicado no Congresso em Foco

As eleições no estado do Rio de Janeiro são há décadas atravessadas por uma tensão entre a dimensão local e a nacional. Grande cena da política brasileira nos tempos de capital federal, a cidade – assim como o estado – carrega uma dimensão ambivalente, dividida entre o desejo de permanecer sendo o centro das grandes disputas e o reconhecimento de uma manifesta perda de importância que a leva a concentrar seus debates em questões mais limitadas às fronteiras fluminenses. Após a ditadura civil-militar, as lideranças cariocas e fluminenses passaram a ter evidente perfil local. Com exceção de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, predominaram personagens que privilegiavam as particularidades do estado que representavam. 

Primeiro presidente após 1945 com sólida carreira político-eleitoral no Rio de Janeiro, Bolsonaro liderou um processo de nacionalização do debate e das candidaturas do Rio de Janeiro. Em 2018, não apenas alcançou, a partir de temas nacionais, uma significativa bancada na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) composta de nomes pouco conhecidos do eleitorado do Rio, como elegeu um candidato praticamente desconhecido, Wilson Witzel, munido com a força da sua imagem e da sua rede subterrânea de mensagens nas redes sociais.

Governador içado ao poder pelo impeachment de Witzel, Cláudio Castro não deve sua ampla vitória no 1º turno, com 58,67% dos votos, e o maior número de votos em 91 dos 92 municípios do estado, apenas à máquina bolsonarista. Como dito em uma análise anterior do Observatório das Eleições, Castro teve como trunfo os recursos financeiros gerados pela rolagem da dívida estadual com a inserção do Rio de Janeiro no programa de recuperação fiscal dos recursos da venda de empresas estatais, como a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). 

Em meio a frequentes denúncias de corrupção, o caixa cheio foi utilizado para consolidar uma ampla aliança, que incluía velhas lideranças da política fluminense, como Washington Reis, Brazão e Eduardo Cunha, e contava com o apoio da maior parte dos prefeitos e parlamentares do estado. Mesmo líderes de partidos de oposição, como Washington Quaquá, do Partido dos Trabalhadores (PT), não pouparam elogios públicos a Castro. 

A vitória de Castro representou também uma dura derrota para Marcelo Freixo, liderança mais popular da esquerda no estado. Com 27,38% dos votos válidos, ele teve,aproximadamente, 1,5 milhãode votos a menos que Lula, candidato à Presidência da sua coligação, e não conseguiu aumentar sensivelmente a votação do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que computou quase quatro vezes menos votos que o PT e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) nas eleições para deputados estaduais e federais. Sua campanha, por fim, também não operou como palanque eficiente do candidato presidencial petista, que perdeu por quase 1 milhão de votos no Rio de Janeiro.  

Nas disputas dos mandatos para o Senado, para a Câmara dos Deputados e para a Assembleia Legislativa, os candidatos eleitos, de forma geral, realizaram um movimento pendular em que ora os problemas locais eram enfatizados, ora a dinâmica, as palavras de ordem e as performances eram espelhadas do plano nacional. A nacionalização do debate produziu um resultado ambíguo que, de um lado, mostrou a força da ultradireita e seus satélites; por outro lado, alimentou o campo progressista e a esquerda fluminense, que conquistou importantes vitórias nos parlamentos. 

Com 10 candidatos, a disputa para a vaga fluminense ao Senado foi acirrada e teve forte componente nacional. Nela, os movimentos dos atores durante a campanha foram mais importantes do que o resultado em si, uma vez que este confirmou o favoritismo de Romário (PL), que foi reeleito com 29,06% dos votos válidos, tendo sido seguido de perto por Alessandro Molon (PSB), com 21,06% dos votos válidos. 

Toda a campanha gravitou em torno do presidente Jair Bolsonaro, marcada ou pela busca do seu apoio por parte dos candidatos de sua base, ou pelo esforço de se diferenciar dele, caso das candidaturas de oposição. Romário, Daniel Silveira (PTB) e Clarissa Garotinho (União Brasil) disputaram para saber quem teria o apoio público do presidente. Apesar do ex-jogador liderar as pesquisas de opinião, o escolhido de Jair Bolsonaro foi Silveira, cuja candidatura tinha sido indeferida pela Justiça Eleitoral, mas que concorreu por ter impetrado um recurso judicial. 

Tal apoio resultou em uma luta fratricida que fez, por um lado, Clarissa Garotinho apresentar-se cada vez mais alinhada às pautas da ultradireita, tendo, inclusive, defendido como bandeira de sua campanha a castração química para estupradores. Por outro lado, Romário dissociou-se da imagem do presidente, trazendo para primeiro plano a figura do também candidato à reeleição, o governador Cláudio Castro (PL) e, com isso, direcionando sua campanha para problemas do estado fluminense.

A vitória de Romário e, especialmente, as derrotas de Daniel Silveira (que acabou em terceiro lugar) e Clarissa (que ficou na quarta posição) são bastante expressivas para a compreensão desse campo político no Rio de Janeiro, tanto que o ex-jogador faz suspense se declarará apoio a Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial.

Do lado da esquerda, os partidos também não conseguiram fechar candidatura única ao Senado. Diante disso, o segundo lugar de Alessandro Molon tem sabor agridoce, pois, se por um lado, mostrou que derrotar os candidatos ligados a Jair Bolsonaro era possível, de outro, explicitou o erro que foi ter fragmentado os esforços, o que impediu a vitória do campo progressista no estado. 

Os resultados nas eleições proporcionais (Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa) também são exemplares de como a tensão local/nacional deita raízes no Rio de Janeiro. Terceiro colégio eleitoral do país, o estado tem 46 cadeiras na Câmara dos Deputados. O Partido Liberal (PL), ao qual está filiado o presidente Jair Bolsonaro, conquistou 11 delas, fazendo assim a maior bancada do Rio de Janeiro. Com 2/3 de deputados federais reeleitos, as novidades na bancada fluminense espelham a força dos políticos tradicionais e/ou ligados a Bolsonaro como, por exemplo, a eleição do general Pazuello (PL), com a segunda maior votação do estado – embora seja preciso lembrar que o voto militar no Rio de Janeiro sempre foi significativo. Mas também explicita a força dos partidos de esquerda, que elegeram mais candidatos do que no último pleito, puxados por PT e PSOL, cada um com cinco cadeiras. O Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), liderado por Rodrigo Maia, e o Novo não elegeram nenhum deputado federal. Já o prefeito da cidade do Rio, Eduardo Paes (PSD), conseguiu eleger três ex-secretários, embora outros três não tenham tido sucesso. 

Na Alerj, houve uma maior renovação, com 32 das 70 cadeiras ocupadas por novos parlamentares, muitos deles ligados a Jair Bolsonaro. Além disso, a distribuição das cadeiras mostra a força dos principais partidos: o PL, com 17 eleitos, fez a maior bancada; seguido pela União Brasil com oito, PT com sete, PSD com seis e PSOL com cinco. Importante destacar o crescimento da bancada feminina. Foram eleitas 15 candidatas (em 2010 haviam sido eleitas 12 mulheres), entre elas a primeira transsexual, Dani Balbi (PCdoB). Também foi eleita uma mulher autodeclarada indígena, Índia Armelau (PL), e uma mulher autodeclarada asiática, Elika Takimoto (PT). O panorama dá indícios de que a nacionalização das pautas locais também influiu na escolha dos eleitores para a Alerj.

Os grandes temas nacionais têm, contudo, peso distinto no estado. Se o debate sobre segurança pública é importante em todos os locais, no Rio ele ocupou o centro da campanha, em dinâmica que levou candidaturas mais à esquerda a assumirem parte do discurso da ultradireita. Trata-se de um indício de que, ao menos nas eleições para governador e senador, a direita e a ultradireita foram capazes de dar o tom do embate. Nas eleições para a Câmara Federal e Alerj, a diversidade de pontos de vista foi maior, mesmo que seja significativo o número de eleitos com um discurso de tintas policialescas. Talvez venha das vozes dissonantes eleitas para o Legislativo uma possível renovação da esquerda fluminense, pautada não apenas em nomes, mas sobretudo na capacidade de produzir novos consensos políticos.  

Christiane Jalles é doutora em Ciência Política (IUPERJ) e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora. Foi uma das coordenadoras da terceira atualização do Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930 (DHBB) e da primeira edição do Dicionário da política republicana do Rio de Janeiro. É autora, entre outros, de O bom combate: Gustavo Corção na imprensa brasileira (1953-1976), de 2015.

O resultado eleitoral em São Paulo é indicativo de como será o sistema partidário brasileiro?

O resultado eleitoral em São Paulo é indicativo de como será o sistema partidário brasileiro?

Glauco Peres da Silva

Jornal GGN

No momento em que o país se organiza para a disputa do segundo turno na eleição presidencial e para governadores em algumas unidades federativas, já é possível identificar alguns padrões no resultado da disputa de primeiro turno em alguns estados. Em São Paulo, em particular, emerge das urnas uma perspectiva que pode servir de parâmetro para avaliar a configuração do sistema eleitoral nacional nos próximos anos.

 

Isto pode ser identificado pela grande novidade: a derrota do PSDB na disputa pelo governo do estado. Na continuidade mais longeva do país, a sigla permaneceu vitoriosa desde 1994 no comando do estado e agora não conseguiu sequer disputar o segundo turno. Na tabela a seguir, vemos o resultado do primeiro turno em 2018 e em 2022.

A votação do PSDB se reduz em um terço, caindo para 18,4% dos votos válidos em 2022. O partido passa a compor a terceira força no estado. Para o segundo turno, passam o representante de um novo eleitorado à direita, o ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), com 42,3% dos votos válidos, e o ex-prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), com 35,7%. 

 

É interessante notar que este arranjo mostra três forças políticas que se posicionam distintamente no espectro político. Eleitoralmente, o PT é o partido que organiza o campo da esquerda. Desde as disputas presidenciais dos anos 1990, o partido se consolidou como a alternativa eleitoralmente viável para as disputas majoritárias no país. A votação obtida por Haddad indica essa permanência, mesmo após o período turbulento atravessado pela legenda nos últimos dez anos. Por outro lado, a direita tem encontrado um eleitorado que, ao menos nas duas últimas eleições nacionais,  auto define-se como de direita e tem votado de acordo. Na eleição para governador em São Paulo em 2018 ainda não estava claro qual era esse candidato identificado com esse campo e foi Dória quem tirou proveito. Agora em 2022, o movimento liderado pelo presidente Bolsonaro permitiu que o neófito na política, Tarcísio de Freitas, alcançasse uma marca expressiva na eleição deste ano: venceu o primeiro turno com expressiva votação. Mesmo sem haver um partido que organize eleitoralmente o campo, a direita parece ter encontrado um eleitorado alinhado e que está para além da associação fácil à figura do atual presidente. 

 

Já o centro é hoje ocupado pelo PSDB. Obtendo um resultado muito inferior ao tradicional, o partido tem diante de si um espaço mais claro eleitoralmente em que agora não é apenas o contendor do PT, mas pode se identificar como um partido de centro, posição com a qual está associada sua atuação no Congresso Nacional já há algum tempo. Neste sentido, o sistema partidário paulista com três forças claras pode ser o prenúncio de uma configuração que se reproduzirá nacionalmente. Porém, outros partidos povoam estes espaços e será preciso alguns esforços de aproximação, como já visto em outros estados, como a ocorrida entre MDB e PSDB no Rio Grande do Sul, por exemplo.

 

Estes movimentos serão reforçados pelas novas regras eleitorais que provocaram redução do número de partidos. Na disputa para o cargo de deputado federal por São Paulo, a tabela mostra esta mudança de maneira clara. 

 

Em 2018, o número de partidos efetivos era de 12,8 e foi reduzido para 8,2 neste ano. Se as duas maiores bancadas agora são das siglas que disputam a eleição majoritária do estado, a federação da qual o PSDB faz parte obteve um resultado pouco pior do que em 2018. Isto sugere que para permanecer como a força de centro, o partido precisará de esforços. Chama a atenção o aumento da bancada de uma sigla à direita: em 2018, o PSL provocou uma avalanche de novos nomes com o discurso antissistema; e agora a bancada apoiada pelo atual presidente obteve expressiva marca de 17 cadeiras (24,3%) no estado. Novamente, nota-se a capacidade de mobilização deste eleitorado, ainda que carente de um partido que reduza as alternativas à sua disposição. Junto com a federação a qual integra, o PT obteve 40% dos representantes de São Paulo na Câmara dos Deputados, sinalizando a concentração das forças eleitorais que se posicionam coordenadamente no espectro ideológico.

 

Comportamento ainda mais claro ocorre na Assembleia Legislativa estadual. A tabela a seguir mostra os resultados. 

As três forças mencionadas obtiveram juntas 42,4% dos votos, equivalente a 52,1% das cadeiras. A ordem permanece a mesma: a direita à frente, seguida pela esquerda, com o centro na terceira posição. A concentração do número de partidos – de 13,4 para 8,2 partidos efetivos entre 2018 e 2022 – possibilita que esta organização ocorra.

 

Porém, sabemos que estes efeitos dependem em última instância da disputa para a eleição presidencial. O que ocorre nestas disputas mencionadas estará associado à organização provocada pelo arranjo em torno do prêmio maior da política nacional. Neste sentido, é necessário observar como se deu a disputa eleitoral para presidente em São Paulo. A tabela a seguir mostra a votação das principais forças em 2018 e em 2022. 

As três forças mencionadas obtiveram juntas 42,4% dos votos, equivalente a 52,1% das cadeiras. A ordem permanece a mesma: a direita à frente, seguida pela esquerda, com o centro na terceira posição. A concentração do número de partidos – de 13,4 para 8,2 partidos efetivos entre 2018 e 2022 – possibilita que esta organização ocorra.

 

Porém, sabemos que estes efeitos dependem em última instância da disputa para a eleição presidencial. O que ocorre nestas disputas mencionadas estará associado à organização provocada pelo arranjo em torno do prêmio maior da política nacional. Neste sentido, é necessário observar como se deu a disputa eleitoral para presidente em São Paulo. A tabela a seguir mostra a votação das principais forças em 2018 e em 2022. 

No campo à direita, Bolsonaro vence nos dois pleitos. O número de votos é similar, mas representam porcentagens distintas. A esquerda é liderada pelo PT em ambos os pleitos. Já o centro foi ocupado pelo MDB. Ainda que com uma candidatura mais próxima à pauta da centro-direita, foi o MDB que conseguiu organizar-se para apresentar uma candidatura que emergiu tarde para tornar-se uma alternativa de fato viável. 

 

Estes resultados são, evidentemente, circunstanciais. Ainda que seja o maior colégio eleitoral do país, a organização do sistema depende de muitas outras variáveis e considerações. A disputa eleitoral em São Paulo mostra a manutenção do PT como a alternativa eleitoral à esquerda; a ascensão e permanência de um eleitorado à direita, ainda sem um partido de referência que o guie; e PSDB e MDB como partidos ao centro que podem se aproximar para ocupar com maior clareza o espaço que os analistas já atribuem a eles. A redução do número de partidos contribui para que possamos acompanhar melhor esta movimentação das siglas e seus acordos. Vamos acompanhar a evolução do sistema partidário nas próximas disputas.

 

Glauco Peres da Silva é mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas-SP (2009). É professor livre-docente  do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. 

 

Governos estaduais: certezas, surpresas e o horizonte das disputas pós-primeiro turno

Governos estaduais: certezas, surpresas e o horizonte das disputas pós-primeiro turno

Luciana Santana, Marta Mendes e Gustavo Paravizo

Publicado no JOTA

 

Passado o primeiro turno das eleições, padrões e excepcionalidades podem ser observadas nos resultados das disputas pelos governos estaduais. Eles também nos dão pistas sobre o segundo turno nos estados e nacionalmente. Ao todo, 12 dos 14 governadores que tentaram a reeleição foram reconduzidos ao cargo pelos seus colégios eleitorais, dois a mais do que no primeiro turno de 2018. Outros cinco foram ao segundo turno e aguardam a definição em 30 de outubro. 

 

Enquanto Acre, Amapá, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Tocantins e o Distrito Federal escolheram seus mandatários já no primeiro momento, São Paulo e Santa Catarina rejeitaram as candidaturas de seus atuais governadores no primeiro turno. Em outros doze estados a decisão ficou para a segunda rodada: Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. 

 

Do ponto de vista partidário, o PT larga na frente com vitória em três estados, todos do Nordeste (Ceará, Piauí, e Rio Grande do Norte). PP (Acre e Roraima), União Brasil (Goiás e Mato Grosso) e MDB (Distrito Federal e Pará) conquistaram dois estados cada. Solidariedade, PSB, Novo, PSD e Republicanos, por sua vez, garantiram apenas um governo estadual cada. PT e PL ainda disputam, cada um, quatro governos estaduais com candidatos próprios no segundo turno e também contam com apoios de candidaturas de outros partidos.

 

Apesar da discrepância entre os dados das pesquisas em alguns estados, a lógica se confirmou em vários deles e os candidatos mais bem posicionados nas venceram. Em outros, a disputa promete se intensificar em função do crescimento de alguns candidatos no primeiro turno. Além disso, há uma histórica dificuldade de virada dos segundos colocados na reta final: em 2018, apenas duas candidaturas conseguiram reverter a derrota parcial nas catorze disputas que foram ao segundo turno. 

 

Os resultados do primeiro turno oferecem o “mapa da mina” sobre o que vem pela frente e também nos dão pistas sobre a dinâmica de apoios gerada pela disputa entre Lula e Jair Bolsonaro. Comecemos pelas surpresas.

 

Surpresas e novos arranjos nas corridas estaduais 

 

A mais expressiva surpresa, sem dúvida, aconteceu em São Paulo onde Tarcísio de Freitas (Republicanos) terminou à frente de Fernando Haddad (PT). O maior colégio eleitoral do país contrariou as pesquisas e deu guarida para o carioca que cresceu 11 pontos e venceu em 500 cidades. Haddad conquistou a capital e outras 90 cidades, mas não avançou no interior do estado. A eleição marcou a primeira derrota do PSDB na corrida pelo executivo estadual em 28 anos. Rodrigo Garcia apoiará Tarcísio no segundo turno a despeito da avaliação da campanha de que ter o apoio do PSDB significa dialogar com o velho. Tudo indica que o estado será o fiel da balança presidencial com  grandes chances de nacionalização da corrida para o executivo estadual.

 

No Rio de Janeiro, as pesquisas de intenção de voto mostraram um crescimento significativo de Claudio Castro (PL) na última semana de campanha. Ele recebeu 58,67% dos votos e confirmou a tendência de alta, reforçando a dificuldade dos institutos em medir os votos ligados ao bolsonarismo. Promovido a governador depois do impeachment de Witzel, Castro não só surpreendeu vencendo a disputa como também ampliou sua margem sobre Marcelo Freixo (PSB), registrando uma vantagem de 27 pontos percentuais. Castro também já reforçou apoio a Bolsonaro no Rio de Janeiro, segundo maior colégio eleitoral do país, onde o atual presidente venceu Lula em 70 dos 92 municípios.

 

Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) confirmou seu favoritismo com 56,18% dos votos válidos. Ele venceu na capital e em mais 658 municípios (77% do total de cidades do estado). Apesar do apoio de Lula, Alexandre Kalil (PSB) enfrentou uma dupla dificuldade: competir com a máquina comandada pelo atual governador e com o desconhecimento de seu nome. Depois do  “Lulécio” e do “Dilmasia”, a novidade da vez é o “Luzema” – o voto cruzado dos mineiros em Zema no estado combinado à escolha de Lula para a presidência. No segundo turno, Zema apoiará Jair Bolsonaro, algo que não foi feito no primeiro turno pelo temor da alta rejeição de Bolsonaro e da grande capilaridade de Lula no estado. Ainda não é possível saber se o eleitor mineiro alterará sua preferência devido ao apoio do governador. 

 

No Espírito Santo, é a primeira vez em 28 anos que o estado vai ao segundo turno para a escolha do governador. As pesquisas indicavam vitória de Renato Casagrande (PSB) em primeiro turno com 34 pontos percentuais de vantagem. A decisão, no entanto, foi adiada para o dia 30 de outubro. A principal razão é a nacionalização da disputa estadual: com apoio de Bolsonaro, Carlos Manato (PL) cresceu 8% na reta final e assistiu Magno Malta (PL), candidato ao Senado, ultrapassar e vencer a líder nas pesquisas, Rose de Freitas (MDB). O atual governador recebeu 46,94% votos e agora soma oito pontos de vantagem em relação a seu adversário. Se na primeira rodada Casagrande ofereceu um apoio apenas discreto a Lula devido à alta popularidade de Bolsonaro no estado, agora terá que se empenhar mais na campanha do petista. 

 

Na Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT) terminou em primeiro lugar com 49,45% dos votos contra 40,8% de ACM Neto, com grande crescimento na reta final. A última vez que o estado decidiu a eleição para governador no segundo turno foi em 1994. Derrotado nas urnas, o bolsonarista João Roma (PL), que obteve 9,08% dos votos, já declarou que é contra o Partido dos Trabalhadores e condicionou seu apoio a ACM a este retribuir com apoio à candidatura de Bolsonaro. Um apoio de alto risco na Bahia, quarto maior colégio eleitoral do país e um dos estados mais alinhados politicamente com Lula, que recebeu 69,73% votos válidos contra 24,31% de Jair Bolsonaro. 

 

Algumas vitórias no primeiro turno também chamaram a atenção no Nordeste pela diferença notada entre as pesquisas ao longo da campanha e os resultados eleitorais. É o caso dos estados do Piauí, Maranhão e Ceará. No Piauí havia forte indicativo de que a eleição seria levada para o segundo turno, com perspectiva de vitória do candidato do União Brasil, Sílvio Mendes. No entanto, o eleitor piauiense deu a vitória em primeiro turno ao candidato petista, Rafael Fonteles (PT), ex-secretário Estadual da Fazenda, com 57,17%, dando continuidade à hegemonia do partido que está à frente do governo no estado a 19 anos. O estado também elegeu para o Senado o ex-governador, Wellington Dias (PT).

 

Apesar de liderar as pesquisas de intenção de votos no Maranhão, o candidato do PSB, Carlos Brandão, tinha como principal adversário o bolsonarista Lahesio Bonfim (PSC). As pesquisas indicavam que a disputa poderia ser resolvida no segundo turno. Entretanto, com o apoio de Flávio Dino, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da família Sarney, Brandão cresceu na reta final e venceu no primeiro turno com 51,14% dos votos válidos. 

 

O Ceará foi palco de uma das disputas mais interessantes. Os desarranjos políticos no quintal de Ciro Gomes fizeram com que o candidato petista, Elmano Freitas (PT), que figurava em terceiro lugar nas pesquisas de opinião ainda no mês de agosto, ganhasse corpo e vencesse a eleição no primeiro turno com 54,02%. Ele bateu o deputado federal e bolsonarista Capitão Wagner (UB), que ganhou protagonismo na eleição para a Prefeitura de Fortaleza em 2020 e que acabou em 2022 com 31,72%. O candidato do PDT, Roberto Cláudio, terminou a disputa em terceiro lugar com 14,14% dos votos válidos. 

 

No Rio Grande do Sul, uma inesperada virada também roubou a cena. Onyx Lorenzoni (PL) passou em primeiro lugar para o segundo turno, com votação bem acima da prevista nas pesquisas, com 37,5%. Do mesmo modo, o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) fez o mesmo movimento e ultrapassou Olívio Dutra (PT) na disputa pelo Senado. Além disso, o atual governador, Eduardo Leite (PSDB), que liderou todas as pesquisas de intenção de voto, por muito pouco não ficou fora do segundo turno. A diferença em relação ao terceiro colocado, Edegar Pretto (PT), foi de apenas 2441 votos. No segundo turno, o apoio de Lula e Pretto pode significar uma faca de dois gumes para Leite: embora seja difícil recusar o apoio da esquerda, este pode lhe custar votos junto ao eleitorado de direita. Bolsonaro tem palanque certo com Lorenzoni e Mourão no quinto colégio eleitoral do país. 

 

Em outros oito estados a decisão ficou para o segundo turno. Em quatro, mudanças de cenário também alteraram o panorama da corrida eleitoral e confrontaram as medições. No Amazonas, Eduardo Braga (MDB) ultrapassou Amazonino Mendes e disputará o segundo turno contra Wilson Lima (UB). No Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (MDB) deu lugar no segundo turno ao Capitão Renan Contar (PRTB). Este era o terceiro nas pesquisas e foi ao segundo turno na primeira colocação contra Eduardo Riedel (PSDB).

 

Em Pernambuco, o segundo turno será entre Marília Arraes (Solidariedade) e Raquel Lyra (PSDB). Marília teve votação bem abaixo do que indicavam as pesquisas, terminando com 24%, contra 20,6% de Lyra. Em Santa Catarina, Moisés (Republicanos) que aparecia empatado em primeiro lugar nas pesquisas, acabou fora do segundo turno que será disputado entre Jorginho Mello (PL) e Décio Lima (PT). A subida do candidato do PT foi uma surpresa em um estado em que todos os candidatos mais bem posicionados durante a campanha estavam alinhados a Bolsonaro.

 

Em outras quatro unidades federativas o resultado confirmou o que foi apontado pelas principais pesquisas. Em Alagoas, Paulo Dantas (MDB) enfrentará Rodrigo Cunha (UB); João Azevedo (CD) e Pedro Cunha Lima (PSDB) disputarão o segundo turno na Paraíba; em Rondônia a disputa será entre Marcos Rocha (UB) e Marcos Rogério (PL); e em Sergipe, depois da impugnação da candidatura de Valmir de Francisquinho (PL), o segundo turno terá Rogério Carvalho (PT) e Fábio Mitidieri (PSD).

Dinâmicas estaduais e apoios presidenciais no segundo turno

 

Considerando a fotografia em mãos, Bolsonaro leva vantagem entre os governadores eleitos com três apoios a mais que Lula. Contudo, o número de aliados é igual quando consideramos as candidaturas mais votadas que passaram ao segundo turno. 

 

Quatro observações podem ser feitas considerando o cenário atual. Primeiro, os custos de associação de eleitos e candidatos a Bolsonaro, em função da rejeição apontada pelas pesquisas, parece ter diminuído por conta do bom desempenho eleitoral. Segundo, cabos eleitorais nos estados podem ser decisivos para Lula considerando a falta de palanque no Rio de Janeiro, Minas Gerais e a necessidade de conquistar votos no interior de São Paulo. Além disso, é necessário saber qual a real capacidade de mobilização de votos por parte dos governadores eleitos e dos candidatos, já que há estados que podem repetir o chamado “voto cruzado”. Por fim,  dado o nível de atenção que será dedicado às eleições presidenciais, é provável que haja uma nacionalização ainda maior nas disputas pelos governos estaduais. A saber se confirmaremos estas perspectivas e/ou se novas surpresas entrarão para a memória destas eleições.

 

Luciana Santana é professora da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e da UFPI (Universidade Federal do Piauí). Mestre e doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha). Líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia e Secretária Executiva da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).

 

Marta Mendes da Rocha é professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), onde coordena o Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local). É doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisadora do CNPq. Foi pesquisadora visitante na Universidade do Texas em Austin (EUA). Webpage: martamrocha.com

 

Gustavo Paravizo é jornalista, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisador do Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local).

O peso dos padrinhos políticos na sucessão ao governo do Ceará

O peso dos padrinhos políticos na sucessão ao governo do Ceará

Monalisa Torres e Luciana Santana

Publicado no JOTA

O Ceará conheceu seu novo governador na noite de domingo (02/10). Surpreendendo analistas políticos, que esperavam uma disputa acirrada em segundo turno, Elmano de Freitas (PT) sagrou-se vitorioso com 54,02% dos votos  válidos (2.808.300 votos). Seus adversários, Capitão Wagner (UB) e Roberto Cláudio (PDT), obtiveram 31,72% e 14,14% dos votos, respectivamente.

Ainda que as sondagens eleitorais apontassem tendência de crescimento de Elmano de Freitas, havia a expectativa de que a disputa fosse levada ao segundo turno dada a resiliência de seu principal adversário, Capitão Wagner.  

Político pouco conhecido, alçado à condição de candidato às vésperas do encerramento do prazo para as homologações das candidaturas e num contexto de racha da base governista, Elmano de Freitas (PT) enfrentou o desafio de concorrer com duas figuras já experientes em disputas majoritárias e mais conhecidas do eleitorado cearense: o deputado federal campeão de votação em 2018, Capitão Wagner (UB) e o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT). Como estratégia, explorou à exaustão a nacionalização das disputas estaduais e a lógica do “voto casado”, colando sua imagem na de seus padrinhos políticos, Lula e Camilo Santana, sintetizado no slogan “Por um Ceará três vezes mais forte”. Tanto em suas peças quanto em falas, associou negativamente Capitão Wagner ao presidente Jair Bolsonaro e Roberto Cláudio a Ciro Gomes, apresentando-se como alternativa a ambos os projetos. 

Já Wagner, do ponto de vista de estratégia de comunicação política, para além da consolidação de uma legítima oposição anti-ferreiragomista, buscou desconstruir a imagem de político autoritário, sempre acionada pelos adversários ao apontarem sua participação nos motins das PMs no Ceará (em 2012 e 2020), e descolar-se de Bolsonaro. Chama a atenção as peças em que dialoga com eleitores insistindo que será o “governador dos cearenses, independente do presidente eleito” e que “acredita na legitimidade do processo eleitoral”, por exemplo. 

Com um eleitorado bolsonarista já consolidado (pesquisa Ipespe aponta que 98% dos eleitores de Bolsonaro tinham Wagner como sua opção para o governo cearense), Wagner tentou furar a bolha e conquistar outros nichos eleitorais. Nesse sentido, não focou na pauta de costumes (tema que coube a aliados como sua candidata ao senado, Kamila Cardoso ou sua esposa, eleita deputada federal, Dayana do capitão), insistindo na tese de que “é independente e que não tem padrinhos políticos” e que manteria relações institucionais “com presidente de qualquer partido”.

Tal como Capitão Wagner, Roberto Cláudio (PDT) trabalhou para cacifar-se como candidato desde 2020 quando encerrou a gestão de Fortaleza com bons índices de aprovação e como o principal responsável pela eleição de seu sucessor, Sarto Nogueira (PDT). No entanto, um racha na base governista mudaria os rumos e resultaria em diferentes obstáculos a sua candidatura. Dificultaram o sucesso de sua candidatura a saída de partidos e lideranças importantes, a exemplo do ex-governador e candidato ao senado Camilo Santana (PT) que carreou prefeitos e deputados, o rompimento com a governadora Izolda Cela (preterida à reeleição pelo PDT), o silêncio dos irmãos Cid e Ivo Gomes e, por fim, o lançamento de uma candidatura que reivindicou o posto de governista.

Restou a Roberto Cláudio a difícil tarefa de apresentar-se como um “candidato a oposição, mas nem tanto”. Espremido entre a popularidade de Wagner e a perspectiva de crescimento da candidatura governista (avalizada por Camilo Santana e Lula), sua primeira peça publicitária deixou clara essa estratégia: Cláudio deu ênfase a sua “experiência e competência comprovadas pelas obras realizadas e os números de aprovação de sua gestão”, se contrapondo aos seus principais adversários e afirmando que “como membro do grupo que fez o Ceará crescer, sabe onde se errou e onde pode melhorar”. 

Numa resposta à estratégia adotada pela candidatura petista, o ex-prefeito de Fortaleza constantemente invocou a memória do eleitor de que foi prefeito durante a gestão de três presidentes diferentes e que, portanto, não dependeria necessariamente do alinhamento com outras figuras políticas. Em suas palavras, “depois de eleitos, os padrinhos ‘vão embora’ e o governador terá que governar sozinho” numa clara sinalização da relação entre Lula, Camilo e Elmano de Freitas (PT). Por fim, abusou de ataques aos ex-aliados, como Camilo Santana e a governadora Izolda Cela, o que, ao invés de estabilizar o crescimento de seu principal adversário, Elmano de Freitas, produziu efeito bumerangue, aumentando seus índices de rejeição e empurrando de vez a governadora para a campanha de Freitas.  

Qual o tamanho de Camilo e dos irmãos Ferreira Gomes no Ceará após a eleição de 2022?

O maior vitorioso dessa eleição no Ceará foi o ex-governador Camilo Santana (PT). Eleito senador com 69,76% dos votos (3.389.513), seu maior feito no pleito de 2022 foi eleger seu candidato ao governo ainda em primeiro turno. Para além do peso de Lula na campanha de Elmano de Freitas, Camilo Santana cumpriu um papel importantíssimo na candidatura do seu partidário. Aliado à estratégia do “voto casado”, Camilo atuou como principal articulador e responsável pela construção de uma coalizão forte em torno da candidatura de Elmano de Freitas. 

Do lado de Roberto Cláudio, a ausência do senador Cid Gomes (PDT) foi sentida. Artífice do condomínio de partidos e lideranças que deram sustentação ao seu governo e de se sucessor, Cid Gomes optou por não se envolver nas disputas ao governo do estado após desentendimentos com seu irmão, o presidenciável Ciro Gomes (PDT).

Nossa hipótese é a de que Cid Gomes, como político habilidoso e conhecedor da história política cearense, apostava na manutenção do grande arco de alianças como estratégia para dar sobrevida ao ciclo político ferreiragonista. Com os sinais de esgotamento do ciclo e do poder político do seu grupo, dado ainda nas eleições de 2020, e com a estratégia de isolar o Ceará das disputas nacionais, como ocorreu em 2018 (quando PT e PDT andaram lado a lado na disputa ao Palácio da Abolição), Cid apostava numa transição menos traumática. 

Ao contrário dele, Ciro optou por romper com o PT numa clara tentativa de distanciamento de um dos seus adversários no plano nacional. Do ponto de vista do discurso político, parecia custoso admitir uma aliança com o PT em seu próprio quintal. O que, acreditamos, foi importante na escolha de Roberto Cláudio como candidato pedetista

As escolhas de Ciro foram desastrosas e se refletiram na campanha de seu aliado, o ex-prefeito Roberto Cláudio, que se viu isolado perdendo apoio de prefeitos e lideranças do interior além de deputados de seu próprio partido, o PDT. Só para se ter uma ideia, Cláudio venceu apenas em um município dos 184 do estado. Elmano foi o mais votado em 178 municípios cearenses. Wagner, venceu em cinco, dentre eles, Fortaleza.

 

Como estão as disputas para governadores às vésperas do primeiro turno das eleições?

Como estão as disputas para governadores às vésperas do primeiro turno das eleições?

Marta Mendes, Luciana Santana e Luiza Casado*

Publicado no Congresso em Foco

 

No início de setembro publicamos um artigo mostrando que, segundo as pesquisas de intenção de votos divulgadas até aquele momento, treze candidatos tinham chances de se eleger governadores no primeiro turno. Às vésperas da eleição algumas situações se alteraram. Analisamos a possibilidade de vitória no primeiro turno considerando a intenção de votos no candidato(a), com base nas pesquisas mais recentes realizadas pelo IPEC, divulgadas entre 9 de setembro e 01 de outubro, e o quanto isso representaria em termos de votos válidos – excluindo-se brancos, nulos e indecisos.

 

Os estados nos quais a disputa para o governo estadual tem boas chances de se encerrar no dia 2 de outubro são: Pará, Mato Grosso, Paraná, Goiás, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Acre, Tocantins e Amapá. O Amapá entrou para este grupo depois que Clécio (Solidariedade) subiu de 41 para 54% das intenções de voto, segundo pesquisa do Ipec divulgada no dia 29 de setembro, o que significa subida de 13 pontos, ou seja de 49% dos votos válidos para 57%. 

 

Cinco estados deixaram esse grupo. O primeiro deles foi o Distrito Federal que oscilou nas últimas semanas na comparação com o levantamento feito no início de setembro. Com a redução dos brancos, nulos e indecisos, Ibaneis Rocha (MDB) tem agora 46% dos votos válidos. Mudanças importantes também ocorreram no Piauí e na Bahia onde, nessa reta final de campanha, as candidaturas petistas entraram em curva ascendente. No Piauí, Rafael Fonteles (PT) subiu de 29% para 42%, empatando tecnicamente com o candidato Sílvio Mendes (UB) que tinha 43% e passou para 44%. Descartando bancos, nulos e indecisos, nenhum dos dois atinge maioria absoluta. Na Bahia a pesquisa Ipec de 23 de setembro dava 47% de intenções de voto para ACM Neto (UB), contra 32% de Jerônimo Rodrigues (PT), o que significava 54% de votos válidos para o ex-prefeito de Salvador, indicando vitória no primeiro turno. A última pesquisa, do dia 1 de outubro, mostrou 51% dos válidos para ACM contra 40% de Jerônimo. Em Roraima Antônio Denarium (PP) também aparece com 51% dos votos válidos contra 45% de Teresa Surita (MDB). Em Minas Gerais, a pesquisa mais recente do Ipec mostra 50% de votos válidos para Romeu Zema (Novo) contra 42% de Alexandre Kalil (PSD), indicando um quadro em aberto. Nestes cinco estados, embora haja chances de uma vitória no primeiro turno, o cenário ainda é de indefinição.

 

Em nove estados a disputa deve se encerrar neste domingo

Se este quadro se confirmar, sete governadores garantirão um segundo mandato já no dia 2 de outubro. O encerramento da disputa no primeiro turno também terá consequências em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro porque os presidenciáveis poderão contar com palanques únicos em alguns estados e com a atenção integral de alguns de seus aliados.

Bolsonaro terá garantido quatro palanques únicos com Ratinho Jr. (PSD) no Paraná, Wanderlei Barbosa (Republicanos) no Tocantins, Mauro Mendes (UB) no Mato Grosso, e Gladson Cameli (PP) no Acre. Lula também poderá contar com quatro: Renato Casagrande (PSB) no Espírito Santo, Helder Barbalho (MDB) no Pará, Fátima Bezerra (PT) no Rio Grande do Norte e Clécio Luís (Solidariedade) no Amapá.

A tendência é de que Zema apoie Bolsonaro em um eventual segundo turno presidencial. Em caso de vitória do candidato do Novo no primeiro turno, isso significará palanque único para Bolsonaro no segundo maior colégio eleitoral do país. Também em Roraima, uma vitória de Antônio Denarium (PP) no primeiro turno garante, palanque único para Bolsonaro em um segundo turno presidencial.

O mais provável é que ACM Neto na Bahia, Silvio Mendes no Piauí e Ronaldo Caiado em Goiás mantenham a neutralidade em uma eventual disputa de segundo turno entre Lula e Bolsonaro. E não será por motivos ideológicos ou programáticos. Na Bahia e no Piauí, onde Lula lidera com folga as pesquisas de intenção de voto, não é interessante para ACM Neto e Mendes declararem apoio a Bolsonaro, ainda que se identifiquem com algumas de suas pautas. Em Goiás, Caiado não teria nada a ganhar reatando com Bolsonaro depois do rompimento motivado por discordâncias durante a pandemia de Covid 19. 

Estados rumo ao segundo turno

Além dos nove estados com grandes chances de definição da disputa no primeiro turno e do Distrito Federal, Bahia, Minas Gerais, Piauí e Roraima, onde também existe esta possibilidade, nos outros treze estados o cenário é de indefinição. 

Em oito já é possível vislumbrar quem serão os competidores no segundo turno. 

No Rio de Janeiro tudo indica que o atual governador Cláudio Castro (PL), que aparece com 47% dos votos válidos na última pesquisa Ipec, enfrentará Marcelo Freixo (PSB) que tem 28%.

Também em Rondônia o cenário parece estar definido. O mais provável é que o segundo turno seja disputado entre o Coronel Marcos Rocha (UB) que cresceu 10 pontos da pesquisa de agosto para a de setembro, aparecendo agora com 40%, e Marcos Rogério (PL) que também cresceu, passando de 13 para 25% das intenções de voto. Essa subida ocorreu depois que Ivo Cassol (PP) desistiu da candidatura no início de setembro.

No Rio Grande do Sul, o segundo turno deve se dar entre Eduardo Leite (PSDB) com 40% e Onyx Lorenzoni (PL) com 30% dos votos válidos. Ambos estão estáveis desde a última pesquisa. O terceiro colocado, o petista Edegar Pretto, cresceu e aparece agora com 20% das intenções de voto, ainda muito distante do segundo.

No Amazonas, o atual governador Wilson Lima (UB) lidera com 38% dos votos válidos e deve enfrentar no segundo turno Amazonino Mendes (Cidadania) que tem 28%. No terceiro lugar Eduardo Braga (MDB) aparece com 19%, podendo oferecer alguma surpresa na reta final.

Em Alagoas, o atual governador, Paulo Dantas (MDB), que tem apoio de Lula, subiu para 41% das intenções de voto na última pesquisa Ipec. Rodrigo Cunha (União Brasil), apoiado por Arthur Lira, está garantindo sua presença no segundo turno com 21%. Collor, que apoia Bolsonaro, caiu para 12%. Considerando apenas os votos válidos, Dantas tem 45% contra 23% de Cunha. 

No Ceará, onde se observava maiores divergências entre os institutos de pesquisa, a disputa está se encaminhando para um segundo turno entre Elmano de Freitas (PT) e Capitão Wagner (UB). Segundo o levantamento mais recente do Ipec, Elmano  ultrapassou Wagner e tem agora 44% dos votos válidos contra 37% de Wagner. Roberto Claudio (PDT) parece estar fora do páreo, com 18% dos válidos.

 

A disputa em Santa Catarina, que parecia aberta, mudou nessa reta final. Jorginho Mello (PL) e o atual governador Carlos Moisés (Republicanos) devem disputar o segundo turno. Na última pesquisa Ipec, Mello aparece com 25% contra 20% de Moisés, o que corresponde a 29% e 23% dos votos válidos, respectivamente. 

 

Em São Paulo, o quadro parece se encaminhar para o segundo turno entre Tarcísio de Freitas (Republicanos) com 31% dos válidos e Fernando Haddad (PT) que segue firme na liderança com 41%.

 

Cenários de indefinição

 

Em outros cinco estados a disputa está muito aberta e ainda não é possível saber quem passará ao segundo turno. 

O Mato Grosso do Sul apresenta um dos cenários mais disputados. O ex-prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD), com 17%, Rose Modesto (UB) com 14% e Eduardo Riedel (PSDB) com 12%, disputam uma vaga no segundo turno, atrás do primeiro colocado, André Puccinelli (MDB), que se manteve estável nos levantamentos de agosto e setembro com 25% das intenções de voto.

No Maranhão, Weverton Rocha (PDT) com 22% e Lahesio Bonfim (PSC) com 23% dos votos válidos competem para decidir quem enfrentará o atual governador Carlos Brandão (PSB), que aparece com 48%.

Na Paraíba, Pedro Cunha Lima (PSDB) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB) estão embolados na segunda colocação com 22% dos votos válidos, bem atrás do atual governador João Azevêdo (PSB) que lidera com 39%.

Pernambuco tem dois candidatos empatados em segundo lugar, com 17% dos válidos, muito distantes de Marília Arraes (Solidariedade), com 38%.

 

Finalmente, em Sergipe, a situação é de incerteza depois que o Tribunal Superior Eleitoral decidiu manter o indeferimento da candidatura de Valmir de Francisquinho (PL) que liderava as pesquisas de intenção de voto com 40%. A decisão beneficiará os candidatos Rogério Carvalho (PT) e Fábio (PSD), ambos com 17% das intenções de voto na última pesquisa do Ipec. De acordo com a decisão, os votos dados a Francisquinho serão contabilizados como nulos.

 

Disputas de segundo turno nacionalizadas?

 

Em alguns estados, o segundo turno entre candidatos ao governo pode reproduzir a polarização entre Lula e Bolsonaro. Isso pode acontecer no Ceará em um eventual segundo turno entre Capitão Wagner (UB), aliado de Bolsonaro, e o petista Elmano de Freitas. No Rio de Janeiro, Castro, que pertence ao mesmo partido do presidente, deverá disputar no segundo turno um adversário alinhado ao PT, Freixo, o que deve favorecer a nacionalização. São Paulo deve ser palco de uma disputa bastante nacionalizada no segundo turno, caso Tarcísio de Freitas se confirme como adversário do petista Fernando Haddad. 

 

Em outros estados, a disputa deve ser decidida em segundo turno, mas com palanque único para os candidatos a presidente porque todos os candidatos mais competitivos se alinham a um dos campos. É o caso de Santa Catarina e Rondônia com disputa no campo da direita e palanque único para Bolsonaro. E do Maranhão, único caso de disputa entre candidatos do campo da esquerda e centro-esquerda, com palanque único para Lula.

 

*Marta Mendes da Rocha – Professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), onde coordena o Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local). Doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisadora do CNPq. Foi pesquisadora visitante na Universidade do Texas em Austin. Webpage: martamrocha.com

 

Luciana Santana – Professora da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e da UFPI (Universidade Federal do Piauí). Mestre e doutora em ciência política pela UFMG, com período sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha). Líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da regional Nordeste da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política)

Luiza Casado é graduanda em Ciências Sociais (Bacharelado) na Universidade Federal de Alagoas, bolsista de iniciação científica (CNPQ) e integrante do Grupo de pesquisa Instituições, comportamento e Democracia.

 

Eleições proporcionais no DF: tudo muda para que tudo permaneça como está?

Eleições proporcionais no DF: tudo muda para que tudo permaneça como está?

Graziella Testa – Doutora em Ciência Política e Professora da FGV/EPPG

Carlos Nepomuceno – Mestre em Ciência Política e analista sênior da Eurasia Group

Prever o resultado de eleições proporcionais no Brasil sempre foi uma tarefa praticamente impossível devido à complexidade das regras que governam a escolha de representantes para a Câmara dos Deputados, as Assembleias Estaduais, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e para as Câmaras de Vereadores. A pulverização de candidaturas torna mais custoso o processo decisório do eleitor e impossibilita aferições confiáveis por meio de pesquisas de opinião, inviabilizando o trabalho de estimar o desempenho das nominatas partidárias.

As usuais dificuldades envolvendo a eleição desses cargos em 2022 devem ser acompanhadas de maior incerteza quanto aos resultados, por três motivos principais: mudanças nas regras eleitorais, maior disponibilidade de recursos para mandatários e a persistência de elevado grau de sentimentos antissistema no eleitorado. A primeira variável deve reduzir sensivelmente a fragmentação partidária no Congresso e nos legislativos subnacionais, enquanto a segunda tenderia a ajudar os candidatos à reeleição, e a terceira atuaria em sentido contrário. Qual equilíbrio esses vetores devem atingir em 2 de outubro? Olhamos para o caso do Distrito Federal (DF).

De partida, vale ressaltar que a capital do país tem características muito específicas em relação às demais unidades da federação (UF). O distrito acumula atribuições de município e estado, com eleições apenas a cada quatro anos para os cargos de governador, oito deputados federais e 24 deputados distritais. O DF elege seus três senadores da mesma maneira que as demais UFs: alternância entre um terço e dois terços das cadeiras a cada eleição. A ausência de vereadores e prefeito tem efeitos pouco estudados e conhecidos nas formas de ingresso na política.

O reduzido número de cadeiras nas eleições proporcionais representa um desafio em particular para a estratégia partidária de formação de nominatas: em um sistema partidário altamente fragmentado e com elevada concorrência, é raro que um partido eleja mais de um representante para a Câmara dos Deputados ou uma bancada acima de três ou quatro deputados distritais. A proibição de coligações proporcionais, a elevação da cláusula de desempenho para os partidos garantirem representação nas casas legislativas e regras mais rígidas para a distribuição de sobras impõem barreiras mais severas para eleger deputados.

Em alguns estados que têm bancadas pouco numerosas como o DF, alguns partidos adotaram estratégias de “coligações informais cruzadas”. Concentraram filiações em um partido para disputar as cadeiras da Assembleia Legislativa e em outra legenda para concorrer aos assentos na Câmara dos Deputados. Em Brasília, não houve semelhante movimento de consolidação a priori do sistema partidário local. Na capital, os partidos optaram por uma estratégia diferente, focada no potencial dos chamados “puxadores de votos” para a disputa de deputado federal, como os ex-governadores José Roberto Arruda (PL), Rodrigo Rollemberg (PSB) e Agnelo Queiroz (PT).

Essa escolha pode estar baseada em múltiplos fatores: 1) aposta de que esses nomes devem ter desempenho elevado, facilitando o atingimento do quociente eleitoral, garantindo pelo menos uma cadeira; 2) candidaturas competitivas em múltiplos partidos desincentivando esforços para a tentativa de eleger uma segunda cadeira; e 3) dificuldade de formar nominatas com candidaturas competitivas o suficiente para disputarem as sobras (para disputar essas vagas, os partidos precisam atingir pelo menos 80% do quociente eleitoral, e os candidatos, ao menos 20% dessa métrica em votos nominais — um requisito mais rigoroso do que o aplicado aos candidatos que concorrem pelo quociente partidário na primeira rodada, que é de 10%).

A opção por nomes de políticos tradicionais se repetiu em outros estados, dada a expectativa de desempenho significativo em decorrência de um reconhecimento nominal muito superior à média dos demais candidatos. O incentivo criado para reduzir os “puxadores de votos” pode sair pela culatra e tornar mais difícil a entrada de nomes menos conhecidos na arena política. A nova regra também acaba por punir o eleitor que votava em legenda. 

Neste ciclo eleitoral, candidatos à reeleição contam com mais recursos para disputar o apoio do eleitorado, primordialmente via fundo eleitoral, e maior disponibilidade de emendas orçamentárias. Candidaturas financeiramente turbinadas tendem a colocar os atuais mandatários em posição mais vantajosa, aumentando a competitividade por um número bastante limitado de cadeiras.

Por outro lado, a IPSOS Public Affairs identificou em 2021 a persistência de elevado sentimento antissistema na opinião pública brasileira – uma das principais variáveis por trás da eleição de Jair Bolsonaro e do elevado índice de renovação do Congresso em 2018. Apesar de a pesquisa já ter mais de um ano, a persistência de um cenário socioeconômico desafiador pode indicar que a satisfação com o establishment segue em baixa no Brasil. Em outras palavras, a maior disponibilidade de recursos favorecendo incumbência em meio a um cenário de opinião pública mais desafiador é uma  força contrária.

Como ocorre com toda mudança de regra, é impossível prever todas as possíveis estratégias dos atores diante dos novos incentivos. Uma pista deixada pelas ultimas eleições municipais é que os municípios menores tiveram maior redução no número de partidos. Isso poderia indicar que o efeito da regra que visou reduzir o número de partidos será mais relevante em estados e num distrito de menor magnitude como o DF. A estratégia dos partidos de formação de nominatas com figuras de peso pode conflitar com os anseios da população por novos corpos e novas agendas no cenário político.

O resultado das eleições proporcionais irá dizer se os recursos financeiros e as mudanças de regras eleitorais serão suficientes para superar o sentimento anti-establishment que permaneceu mesmo depois de enfraquecido o discurso da nova política. Se a estratégia dos partidos se mostrar efetiva, o resultado pode ser, mais uma vez, uma população insatisfeita que confere pouca legitimidade às Casas Legislativas. A famosa frase de Tomasi Di Lampedusa, no romance Il Gattopardo, pode, mais uma vez, explicar os movimentos de mudança institucional que favorecem os mesmos grupos: “É preciso que tudo mude para que tudo continue como está” 30