Rio Grande do Norte em 2022: UMA ELEIÇÃO ENFADONHA

Rio Grande do Norte em 2022: UMA ELEIÇÃO ENFADONHA

Daniel Menezes

 

É sintomático que os principais lances da eleição estadual no Rio Grande do Norte tenham ocorrido no momento em que as elites políticas agiam para acomodar interesses e compor os grupos de disputa. Depois da formação das chapas, o pleito se tornou em parte previsível e enfadonho.

 

A governadora do PT, Fátima Bezerra, articulou para retirar os principais nomes da oposição, oferecendo para o seu oponente em 2018, Carlos Eduardo Alves (PDT), o apoio pela sua candidatura ao senado. Sempre pontuando na segunda posição conforme todas as pesquisas, Carlos Eduardo era a esperança dos adversários de Fátima para impedir que o partido dos trabalhadores não permanecesse no poder a partir de 2023. A incumbente soube insuflar o medo do ex-prefeito de Natal de compor mais uma vez com o campo bolsonarista numa ambiência em que o presidente Jair Bolsonaro apresenta no RN forte rejeição.

 

Sem Carlos Eduardo, os adversários da governadora, agora liderados pelo postulante ao senado e ex-ministro do desenvolvimento regional, Rogério Marinho (PL), se viram obrigados a lançar o ex-vice governador Fábio Dantas (SD), da rejeitada gestão do antecessor Robinson Faria. A lógica se inverteu – Dantas ingressou para completar a chapa que canaliza recursos e energia para fazer Marinho senador. Fátima Bezerra ainda atraiu o enraizado MDB no interior do estado da tradicional Família Alves, alojando o deputado federal Walter Alves na condição de pleiteante a seu vice; e facilitando acordo com o presidente da Assembleia Legislativa, Ezequiel Ferreira de Souza, pela manutenção da parceria político-administrativa entre os dois. Ezequiel comanda o PSDB, que conta com 12 dos 24 deputados estaduais com mandato.

 

O ex-governador Robinson Faria, antes no PSD e hoje no PL, representa um retrovisor confortável para a governadora. Ele deixou quatro folhas salariais dos servidores parcialmente abertas e, em que pese ter prometido ser o governador da segurança na campanha de 2014, a violência no estado explodiu durante a sua administração. Ao tentar a reeleição em 2018, Robinson acabou apenas na terceira posição, com 11,85% dos votos válidos. Fátima Bezerra tem justamente como discurso fundamental a quitação dos salários dos servidores, a normalização das contas públicas e a queda dos índices de insegurança no RN.

 

A pesquisa do Instituto IPEC veiculada pela Rede Globo aponta para uma possível resolução do pleito já em primeiro turno em favor de Fátima Bezerra. Conforme o levantamento que ouviu 800 pessoas entre os dias 6 e 8 de setembro, com margem de erro de três pontos percentuais para mais ou para menos, considerando um nível de confiança de 95% (registro RN-05706/2022), Fátima Bezerra tem 49% dos votos, o Capitão Styvenson 20%, e Fábio Dantas 8%. Os demais seis postulantes somam 7%. A vitória de Fátima representaria a reversão de uma tendência – a última governadora a se reeleger no RN foi Vilma de Faria, em 2006.

 

Apesar da oposição organizada ter se aglutinado em torno de Fábio Dantas, é o Capitão Styvenson que ocupa a segunda posição, de acordo com sondagem feita pelo IPEC e demais institutos. Styvenson é senador pelo Podemos e chegou a esta condição a partir de fama que construiu como policial “linha dura” à frente das blitz de trânsito “Lei Seca” do RN. Ele se diz não político, recusou o fundo eleitoral, não procurou apoio na classe política estadual e não usa o tempo de TV e Rádio a que tem direito. Sua comunicação se restringe ao uso das redes sociais, em que discursos e lives dividem o espaço no Instagram com fotos do seu cotidiano. Sem foco em um oponente específico – ele confronta a governadora, o oposicionista Fábio Dantas, prefeitos de situação e de oposição –, sua plataforma é principalmente do combate à corrupção e do desperdício do dinheiro público.

 

Diante de uma disputa central carente de novidades, coube à competição pelo senado o acirramento em busca da vaga disponível a que o estado tem direito em 2022. Ainda de acordo com a já mencionada pesquisa IPEC, Carlos Eduardo lidera com 27%, Rogério Marinho o segue com 21%, e o deputado federal pelo PSB, Rafael Motta, apresenta 14%. Os demais sete postulantes somam 10%. 

 

O dito campo lulista congrega duas candidaturas – a de Carlos Eduardo e Rafael Motta. Em que pese ter votado pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff, Motta passou a atuar fazendo forte oposição ao governo de Jair Bolsonaro e alinhado com Fátima. Jovem, o deputado federal ancora seu discurso no ataque ao apoio concedido por Carlos Eduardo ao presidente Bolsonaro, em 2018, e tenta explorar o papel como relator da reforma trabalhista desempenhado por Rogério Marinho, então deputado federal. O PT não ataca Motta de maneira direta, mas apela para um voto útil em Carlos Eduardo em prol da derrota do representante do bolsonarismo no RN, Rogério Marinho.

 

Como já enfatizado, a candidatura ao senado de Marinho representa o principal projeto da oposição estadual bolsonarista no Rio Grande do Norte. Como ministro do desenvolvimento regional, Marinho estabeleceu uma agenda de envio de emendas para os prefeitos potiguares. Ele se diz o candidato das águas. Isto porque, segundo ele, parte da transposição do Rio São Francisco chegou através da gestão de Jair Bolsonaro, do qual era o ministro da pasta responsável pela obra. Entretanto, apesar da inegável maior quantidade de recursos de estrutura de campanha, apoios da classe política e das elites estaduais, o ex-ministro segue na segunda posição.

 

Digno de nota ainda é a competição pelas oito cadeiras de deputado federal a que o Rio Grande do Norte tem direito. Além de cinco dos atuais parlamentares da bancada lutarem pela reeleição, o pleito ainda conta com a participação de três ex-governadores em busca de um assento na casa do povo, prefeitos de cidades importantes do RN, os presidentes das duas principais câmaras municipais do estado e outras lideranças políticas locais de relevo. O temor de não se reeleger federal levou, por exemplo, Rafael Motta a tentar “cair para cima” em disputa pelo senado.

 

O RN é um estado em que o PT vence a competição presidencial desde 2002. Em âmbito estadual, a onda antipolítica que varreu o país em 2018 enfraqueceu as famílias Alves e Maia, posicionando o ex-governador, ex-presidente do senado e ex-ministro Garibaldi Alves numa vexatória quarta posição em sua tentativa de se manter no senado e gerando a acachapante derrota do ex-governador e ex-senador Agripino Maia, que tentou uma vaga na câmara federal. Ao que tudo indica, o PT manterá sua hegemonia através das vitórias estaduais de Fátima Bezerra e de Lula em terras potiguares. Resta a dúvida se a base bolsonarista conseguirá fazer um representante de peso através de Rogério Marinho. Um indicativo do que está por vir é que a guerra cultural, que já não fez morada confortável em 2018 por aqui, ao contrário do restante do país, e caminha para se encastelar em algumas representações proporcionais.

 

Daniel Menezes é doutor em Ciências Sociais (UFRN), professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da UFRN. 

Mais do mesmo nas eleições paranaenses

Mais do mesmo nas eleições paranaenses

Bruno Bolognesi 

 

Desde que foi instituída a possibilidade de reeleição para cargos majoritários executivos em 1997, o estado do Paraná reconduz seus governadores. Levando em conta a primeira eleição de Jaime Lerner em 1994, são 28 anos em que o mandatário volta a ocupar o cargo na posição mais alta do estado. E não há perspectiva de que esse padrão mude. Nas eleições deste ano o atual governador caminha para uma vitória ampla em primeiro turno, tendo 55% das intenções de voto segundo levantamento do Ipec de 16 de setembro e uma estimativa de 69% dos votos válidos segundo a Radar Inteligência da mesma data. Ainda, em todo esse tempo, a oposição concentrou-se em um único nome que segue na disputa, Roberto Requião (PT).

 

No Senado o quadro é de maior rotação de cadeiras, como era de se esperar, mas com algumas constantes. Álvaro Dias (Podemos) ocupa a cadeira de senador pelo estado desde 1998 e os dados da mesma pesquisa IPEC indicam a reeleição do senador com 35% das intenções de voto, contra 25% de Sérgio Moro (União Brasil). Contudo, a bancada paranaense no Senado tem dois novatos em primeiro mandato senatorial, ambos agora no Podemos, mesmo partido de Álvaro e que o lançou candidato à Presidência nas eleições passadas e o sustenta na atual disputa.

 

Na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) a situação não é muito diferente. Além de quinze das 54 cadeiras serem ocupadas por deputados do mesmo partido do governador (PSD), a mesa diretora é formada por um presidente e primeiro vice presentes na Alep desde as eleições de 1990. Os demais membros estão em, pelo menos, seu segundo mandato. Além disso, a oposição não conta com mais de uma dúzia de cadeiras. Com a taxa recorde de deputados disputando reeleição neste ano (média de 87% conforme noticiou a Folha de São Paulo), a probabilidade de novos representantes parece mais distante do que na eleição passada. 

 

Por fim, nas eleições presidenciais, o Paraná é outra constante. Desde o governo Collor, o Paraná vota sempre no candidato que faz oposição ao Partido dos Trabalhadores (PT). Elegeu Fernando Collor, duas vezes Fernando Henrique Cardoso e se dependesse somente dos eleitores paranaenses teria eleito Geraldo Alckmin em 2006, José Serra em 2010 e Aécio Neves em 2014. Os paranaenses também elegeram Bolsonaro em 2018 e o levantamento IPEC aponta para a liderança deste, agora em 2022, com 44% das intenções de voto contra 36% do candidato petista. O único ponto fora da curva foi a eleição de 2002, quando o eleitor do estado votou majoritariamente em Lula.

 

Portanto, para além das disputas regionais, o desempenho dos candidatos presidenciais parece seguir a trajetória já bastante consolidada de partidos e candidatos mais à direita do espectro ideológico largando na frente. Ainda que Lula tenha sido dominante em 2002, é a exceção que confirma a regra. Em todos os outros anos pós-1988 o Paraná votou majoritariamente em candidatos que faziam e fazem oposição ao polo petista. Nesse ano não deve ser diferente, como as pesquisas indicam, e Bolsonaro deve ter um apoio ligeiramente superior ao de Lula no estado.

 

Tudo isso para dizer que o Paraná não parece muito afeito a mudanças e pluralismo quando se trata de nossos representantes. Mas, quais seriam os fatores que levam ao quadro estático na política paranaense e que deve se repetir nas eleições de 2022? 

 

O primeiro, e mais importante, em minha avaliação, é a baixa capacidade de articulação e renovação da oposição, restrita hoje ao PT. A organização que capitaneou a esquerda ao poder e estruturou a competição partidária nacionalmente sempre foi um partido de segunda ordem na terra das araucárias. O PT paranaense teve sua principal força nos pés-vermelhos, expressão regional que denota os nascidos no norte do estado. Londrina, portanto, sempre foi a estrela vermelha nessas paragens e responsável por fornecer quadros nacionais para a falange petista, como os ex-ministros Gilberto de Carvalho, Márcia Lopes, Paulo Bernardo e Gleisi Hoffman (atual presidente do partido). Por outro lado, ainda que a força da principal organização de oposição estivesse localizada na parcela ao norte, a mesma região produziu os dois principais concorrentes ao Senado neste ano: Álvaro Dias, com sua base política em Londrina e no agronegócio, e Sérgio Moro (União Brasil), nascido em Maringá, que tem usado a carta ‘interiorana’ como mote de uma campanha disputada em torno de um pé de café, região produtora partilhada por ambos. Isso não é necessariamente um problema, mas mostra como o petismo não conseguiu se estruturar como um player regional no Paraná, ocupando a prefeitura da capital ou tendo candidato próprio ao governo para além de algumas figuras sem expressão eleitoral. 

 

O segundo fator a explicar as continuidades na política estadual relaciona-se com o fato de que o Paraná sempre teve dificuldades para nacionalizar suas eleições para além da presidencial. Ainda que a disputa ocorra sempre tendo dois polos, um alinhado ao governo federal e outro oposicionista, um único nome foi responsável desde 1990 por fazer a vez de uma oposição não partidária. Roberto Requião, que hoje disputa com poucas chances pelo PT, foi em toda sua carreira filiado ao MDB. Um partido fisiológico que no Paraná ganhou ares de esquerda devido à posição pessoal do ex-governador e ex-senador. E que, após sua saída, voltou a ser mais um partido sem cor programática como vários que pululam no país. O fato de Requião, hoje com 81 anos e que foi eleito pela primeira vez em 1983, estar agora no PT mostra a imensa dificuldade que o partido possui para produzir novos quadros e apresentar qualquer sinal de renovação. 

 

Uma novidade nesta eleição era o nome de Sérgio Moro. Mas a trajetória atabalhoada do ex-juiz e ex-ministro parece conduzi-lo a um desempenho eleitoral aquém do almejado. A falta de habilidade política do candidato é bastante aparente. O primeiro movimento foi tentar ser candidato à Presidência pelo Podemos, partido de todos os senadores do Paraná. Com a impossibilidade, tentou ser candidato à Presidência pelo União Brasil, partido recém-criado pela fusão do Partido Social Liberal (PSL, que elegeu Bolsonaro em 2018) e Democratas, se filiando em São Paulo. Destronado pelo presidente da legenda, Moro buscou uma cadeira para a Câmara dos Deputados, mas o Tribunal Superior Eleitoral recusou sua mudança de domicílio eleitoral. Moro, então, voltou sua atenção ao Paraná, restando-lhe apenas concorrer ao Senado para não ter que disputar votos com a candidatura de seu parceiro de Lava-jato, Deltan Dallagnol. O que o ex-juiz de Maringá não contava é com ter de fazer política e disputar com um senador experiente e com grande penetração no estado. Além disso, o União Brasil é controlado no estado por um grupo altamente bolsonarista. Não se vê apoio do próprio partido para um candidato que saiu do governo Bolsonaro de forma conflitiva. A falta de habilidade pode acabar jogando Moro para o limbo político. 

 

Ainda que muito do resultado eleitoral possa ser motivado pelas estratégias das elites políticas, como aponto acima, o contexto socioeconômico paranaense pode também dar pistas da estagnação política na qual nos encontramos. O estado é um celeiro nacional e internacional, líder na produção de grãos que figura nas posições superiores da pecuária. Ou seja, mesmo que não se encontrem apenas agricultores ou pecuaristas dentre seus habitantes, é essa matriz que movimenta a economia e define valores e o modo de ver o mundo da maioria da população. E, como se sabe, a postura menos arrojada e mais conservadora é típica de regiões que possuem base rural. Não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo, um local dependente da terra para viver, tende a arriscar menos na política. No Paraná não é diferente. 

 

Bruno Bolognesi é cientista político, professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Coordena o Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários (LAPeS). E-mail: [email protected] 

Nacionalizar ou não as campanhas estaduais? Eis a questão!

Nacionalizar ou não as campanhas estaduais? Eis a questão!

Marta Mendes

Luciana Santana

Vítor Sandes 

Publicado no Jota

 

Antes mesmo do início do processo eleitoral, havia grande expectativa de nacionalização das disputas estaduais, isto é, de que as disputas pelo cargo de governador(a) acabassem por reproduzir o que se passa no nível nacional. Podemos dizer que a nacionalização ocorre quando os principais atores e pautas presentes na eleição para presidente passam a orientar tanto as estratégias dos atores quanto a escolha dos eleitores na eleição estadual, relegando para segundo plano as dinâmicas e as agendas locais. Isso pode ocorrer de forma intensa ou apenas parcial. 

Há boas razões para apostar na nacionalização dos pleitos estaduais. Primeiro, porque dentre as disputas majoritárias, a eleição presidencial é a que desperta mais atenção da mídia e dos eleitores, devido à importância do cargo e às prerrogativas constitucionais do presidente. É esperado, portanto, que os grandes temas e as lideranças da política nacional acabem moldando a disputa no nível subnacional dando o tom para candidatos e eleitores. Além disso, o rendimento eleitoral das candidaturas presidenciais pode se refletir no desempenho de seus aliados no nível subnacional. 

Ainda assim, nem sempre a eleição estadual é nacionalizada ou reproduz o que ocorre no nível nacional no mesmo grau. Em alguns casos, postulantes aos cargos nos estados podem, intencionalmente, buscar se desvincular dos candidatos à presidência e voltar sua atenção para os problemas e pautas do estado. Vale a pena lembrar que não existe verticalização no Brasil e que os partidos têm liberdade para fazer alianças nos estados diferentes dos acordos no nível nacional. As análises já publicadas pelo Observatório das Eleições na editoria focada nos pleitos estaduais nos ajudam a entender quando é estratégico nacionalizar a competição nos estados e quando é preferível focar na arena estadual, bem como as motivações por trás de cada estratégia.

 

Cenários de nacionalização

 

É possível observar que em alguns estados há mais incentivos para que ocorra a nacionalização devido à centralidade do colégio eleitoral e ao próprio perfil das candidaturas e do eleitorado. Este parece ser o caso do Rio de Janeiro na disputa entre Marcelo Freixo (PSB), aliado de Lula e identificado com o campo da esquerda, e Claudio Castro (PL) que, além de ser do mesmo partido do presidente, tem campanha bastante associada à Bolsonaro e às pautas defendidas pelo presidente. O Rio, além disso, é o bastião político do clã Bolsonaro.

Em São Paulo a forte associação entre os petistas Fernando Haddad e Lula, e entre Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Bolsonaro ajuda a conectar os dois pleitos. Porém, a força tradicional do PSDB no estado, com um terceiro candidato competitivo não alinhado nem a Bolsonaro nem a Lula – no caso, o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB), atenua em parte a nacionalização e impede que o cenário reproduza integralmente a disputa presidencial.

Uma das situações mais interessantes ocorre em Alagoas. A nacionalização está bastante evidente nas estratégias adotadas na disputa estadual de duas candidaturas, seja na defesa de pautas ou por reforçarem os presidenciáveis em suas campanhas. De um lado está o ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB), candidato oficial de Bolsonaro no estado, e de outro, o atual governador Paulo Dantas (MDB), candidato de Lula.  Segundo a última pesquisa Ipec, Dantas liderava com 30% das intenções de voto. Collor marcava 20% das intenções de votos, mesmo percentual do senador Rodrigo Cunha (UB) que, nesta eleição, é apadrinhado por outro aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP). Diferentemente de Collor, Cunha não alinhou sua candidatura a do presidente, embora seja beneficiário direto de votos bolsonaristas. Um dos dois deverá enfrentar Dantas no segundo turno e ambos poderão se valer estrategicamente da associação com Bolsonaro.

Em Sergipe, há claro alinhamento entre as candidaturas competitivas do pleito com a disputa presidencial, ainda que haja particularidades estaduais. Isso se deve à presença da candidatura bolsonarista de Valmir de Francisquinho (PL) – que teve sua candidatura indeferida pelo TRE-SE, mas segue fazendo campanha, enquanto recurso é analisado pelo TSE – e que tem liderado as pesquisas eleitorais, e da candidatura petista de Rogério Carvalho, que aparece em terceiro lugar. O segundo colocado, Fábio Mitidieri (PSD), seguindo a orientação do partido, não se alinhou a nenhuma das candidaturas, ainda que tenha, no momento inicial, feito acenos a Lula. Isso indica também a relevância das estratégias nacionais dos partidos nas disputas estaduais. 

 

Nacionalização parcial

 

Há casos de nacionalização parcial nos quais essa situação não se materializa integralmente porque um dos lados, estrategicamente, resiste a isso e prefere focar em temas e agendas próprias do estado ou mais sensíveis para a população local.  Dois exemplos são o Piauí e o Rio Grande do Sul. No Piauí, o candidato Rafael Fonteles (PT) se esforça para nacionalizar a disputa buscando fortalecer sua associação com Lula que, na última pesquisa Ipec  de setembro, apareceu com 69% de intenção de voto, contra 15% de Bolsonaro, a maior diferença entre todos os estados. Do outro lado, Sílvio Mendes (União Brasil), ex-prefeito de Teresina, tem como vice a deputada federal Iracema Portella (PP) e o apoio do senador Ciro Nogueira (PP), atual ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro. Apesar do vínculo evidente com Bolsonaro, Mendes vem tentando estadualizar a disputa, o que pode ser compreendido pela força de Lula no estado e pelos altos índices de reprovação de Bolsonaro. 

No Rio Grande do Sul, Onyx Lorenzoni (PL), ex-ministro de Bolsonaro, trabalha pela nacionalização, mobilizando não apenas a figura do presidente, mas as pautas centrais da extrema-direita. Porém, o atual governador Eduardo Leite (PSDB) se esforça no sentido oposto,  preferindo focar nos problemas e questões locais, distanciando-se das polêmicas e controvérsias nacionais. Ele lidera as pesquisas e pode se tornar o primeiro governador reeleito na história gaúcha, mas, para isso, pode ter que mudar sua estratégia em um eventual segundo turno presidencial. Para superar a extrema-direita terá que contar com os votos da esquerda e, neste caso, o quadro pode acabar mais nacionalizado.

Outra situação de nacionalização parcial ocorre quando, mesmo havendo candidatos competitivos formalmente vinculados às principais candidaturas presidenciais, uma das partes tenta descolar sua imagem do aliado, escondê-lo no processo ou, para usar uma expressão popular, “faz corpo mole na campanha”. Isso já ocorreu em outras eleições brasileiras e, em 2022, parece se repetir em alguns cenários. 

No Espírito Santo, o atual governador Renato Casagrande (PSB), que lidera as pesquisas de intenção de voto com chances de vencer no primeiro turno, não tem feito campanha ostensiva para Lula, apesar da aliança formal entre PT e PSB. Isso porque ele precisa manter o apoio de eleitores que não votariam em Lula de jeito nenhum em um estado onde Bolsonaro foi muito bem votado em 2018. Algo parecido ocorre no Mato Grosso. O governador Mauro Mendes (UB) lidera com 60% das intenções de votos segundo a última pesquisa Ipec e deve ser reeleito no primeiro turno. Apesar da afinidade com pautas bolsonaristas, Mendes não incorporou o presidenciável à sua campanha, angariando, assim, apoio de eleitores que preferem outros candidatos a presidente. A candidata alinhada à Lula, Márcia Pinheiro (PV), aparece em um distante segundo lugar nas pesquisas, com 15%. 

 

Cenário de estadualização da disputa

 

Por último, estão os casos nos quais a eleição estadual parece seguir uma lógica própria porque, dentre outras razões, os candidatos mais competitivos habitam o mesmo campo ideológico. Isso vem ocorrendo nos estados onde candidatos da direita e da extrema-direita dominam o pleito. Em Goiás, depois do forte apoio ofertado a Bolsonaro em 2018, Ronaldo Caiado (UB) busca fazer uma campanha descolada da eleição presidencial. Seu rompimento com Bolsonaro deu-se por ocasião da pandemia quando o governador discordou da abordagem negacionista do presidente. Depois dele aparecem outros dois candidatos também da direita e próximos de Bolsonaro. O mesmo parece acontecer em Rondônia e Santa Catarina, estados nos quais os candidatos de direita e extrema-direita competem na associação de sua imagem com a de Bolsonaro e a centro-esquerda e esquerda não possuem candidatos com chances de irem para o segundo turno.  

A complexidade e os aspectos contextuais da política nos estados indicam que há várias motivações e trajetórias para o processo de nacionalização e estadualização dos pleitos. Os partidos nacionalmente – especialmente PT e PL que possuem as candidaturas mais competitivas – buscam criar as condições para eleger seus candidatos presidenciais na construção de palanques nos estados, o que induz à nacionalização. Mas há margem para movimentações e espaço político para outros atores, em função do histórico da competição política e das inclinações políticas do eleitorado estadual.

O paradoxo acreano

O paradoxo acreano

Profa. Dra. Sabrina Areco

Publicado No Brasil de Fato

 

A abordagem em perspectiva entre a dinâmica nacional eleitoral e as disputas estaduais e municipais contribui para que se compreenda tanto o jogo político nacional como as diferentes dinâmicas locais. Isto é, o caso particular ajuda a rever ou reafirmar hipóteses de caráter mais geral formuladas nas análises políticas. 

Nesse aspecto, o estado do Acre é interessante para pensar sobre a trajetória do lulismo. Em 2002, Lula (PT) havia sido o mais votado no estado no primeiro e no segundo turno. Na disputa pela reeleição em 2006, o candidato da oposição, Geraldo Alckmin (PSDB), ganhou no primeiro turno e, no segundo, a maioria dos eleitores no estado optou por Lula. Nas eleições subsequentes não houve mais vitórias petistas. A candidata Dilma Rousseff (PT) não venceu em primeiro e nem em segundo turno nas eleições de 2010 e em 2014. Na presidencial de 2018, foi o estado que proporcionalmente mais votos atribuiu à candidatura de Bolsonaro (77,22% no segundo turno). 

A partir de 2006, portanto, há reiterada opção anti-PT no estado para a Presidência e que ocorreu justamente quando tornou-se possível notar uma virada importante, em nível nacional, das características dos eleitores do Partido dos Trabalhadores. Seguindo os estudos de Singer (2012), a partir de 2006 consolidou-se um processo de reorganização das escolhas eleitorais no qual a chamada classe média aderiu eleitoralmente ao PSDB, enquanto ocorria a adesão do subproletariado, isto é, as camadas mais vulneráveis e precarizadas, ao presidente Lula. 

Se este era um fenômeno nacional, era esperado que o mesmo ocorresse no Acre devido às suas características sociais e demográficas. O estado tem um grande contingente populacional que está na faixa da pobreza, o que em certa medida decorre do fato de que detém uma economia de forte base extrativista. Explicar essa não-adesão por si só é uma questão importante para se explorar tanto o argumento de Singer sobre o lulismo (2012) como para pensar sobre diferentes fundamentos para a escolha eleitoral. A recusa ao PT no estado poderia ser atribuída ao conservadorismo local, o que faria crer que há um voto de tipo ideológico conservador ou de direita bastante consolidado. Porém, tal forma de abordar o fenômeno nos conduziria a pensar que no Acre a ideologia é mais relevante do que o pragmatismo das camadas pobres, sendo essas camadas objeto de políticas sociais que ganharam maior alcance nos governos petistas. Também deixaria de lado a constatação recorrente dos estudiosos que, desde os anos de 1980-1990, identificam a existência de um conservadorismo popular persistente e espalhado pelo país (Pierucci, 1987) – o que, assim, não poderia ser tratado como uma particularidade acreana.

A questão torna-se mais complexa porque, a partir de 1996, o Acre elegeu 5 sucessivos governos estaduais petistas: Jorge Viana (1998 e 2002), Binho Marques (2006) e Tião Viana (2010 e 2014). Foi um dos primeiros estados a ser governado pelo partido, juntamente com Mato Grosso do Sul (1998 e 2002) e Rio Grande do Sul (1998) e se inseriu, naquele contexto, na construção do que se chamou de “modo petista de governar”, cuja origem estaria nas primeiras experiências do partido em prefeituras a partir dos anos de 1980  (Bittar, 2003). 

A trajetória do partido no Acre, por sua vez, estava, em sua origem, bastante ligada aos movimentos de seringueiros. Expulsos de seus territórios com a reorganização capitalista da estrutura fundiária com a finalidade de expandir a produção da pecuária nos anos de 1970, os seringueiros passaram a se organizar e o movimento ganhou repercussão nacional e internacional após o assassinato da liderança Chico Mendes em 1988. A partir de então, a articulação dos seringueiros, sindicalistas e movimento indígena passou a influenciar a inserção da pauta da defesa da floresta e de sua população nos debates políticos locais e o partido expressou eleitoralmente estas experiências (Silva, 2010). 

O início da trajetória do PT no governo ocorreu com a eleição para a prefeitura de Rio Branco de Jorge Viana em 1992. A vitória de Tião Viana ao Senado, em 1998, alçou a família ao papel de liderança política regional. No mesmo ano, para a disputa do governo estadual, o partido no estado formou um amplo arco de alianças partidárias, com o vice-governo atribuído ao PSDB . A chapa PT-PSDB no Acre, assim, afastava-se da oposição nacional entre os dois partidos e a autorização ocorreu de modo excepcional na convenção nacional do PT. 

Dessa forma, a primeira eleição de Viana no estado pode ser atribuída à articulação com o discurso ecológico e de sustentabilidade, que dava uma base militante à candidatura e que amalgamou diferentes grupos vinculados às demandas dos povos da floresta, estes mobilizados desde os anos de 1980; somado à estratégia de alianças e de defesa de uma forma moderna e nova de governar em oposição aos partidos que até então dominavam a cena estadual. O êxito estendeu-se por mais 4 eleições estaduais, contribuindo também para vitórias petistas também na prefeitura da capital Rio Branco, com exceção na eleição de 2002. 

O ponto aqui, portanto, é entender por que o eleitorado do estado não aderiu ao lulismo e, ao mesmo tempo, explicar a aparente contradição entre o voto antipetista para o governo federal e as sucessivas vitórias para o executivo estadual. Poderia-se aventar que houve uma adesão aos Viana depois de 1998 em razão de conversão destes em uma elite política local e, a derrota do mesmo grupo em 2018, ligada à recusa generalizada da classe política, verificada no Brasil e em diferentes partes do mundo a partir da década de 2010 (Przeworski, 2020). A oposição ao PT para o governo federal, por sua vez, derivaria de uma hegemonia do agronegócio não apenas no Acre, mas também em outros estados que compõem a Amazônia, como Roraima e Rondônia. Nos governos petistas, embora tenha correspondido ao período do boom das commodities e da política de campeões nacionais que favoreceu o setor do agronegócio, havia uma disputa entre ambientalistas e a ala ligada ao setor.  

O resultado da eleição de 2022 nos ajudará a tratar destes fenômenos. Jorge Viana (1997) lançou-se candidato ao governo estadual, como oposição ao atual governador Gladson de Lima Cameli (Progressistas). O estado do Acre ocupa parte da chamada Amazônia Ocidental e passa pela expansão recente da produção de soja e milho, que em conjunto com a madeira e seus derivados são responsáveis pelo superávit crescente aferido a partir de 2021 (G1-Acre, 2022). A madeira é, no entanto, o principal produto de exportação, sendo portanto indissociável a relação entre a ampliação das áreas desmatadas e os resultados obtidos pelo setor extrativista e do agronegócio no estado.  O discurso de defesa do agronegócio, ecoado na campanha vencedora de Gladson de Lima Cameli pelo governo estadual (agora candidato à reeleição), poderia ser tratado como uma variável importante para explicar porque houve tão forte apoio eleitoral a Bolsonaro no estado. Por outro lado, o slogan dos governos petistas era governo da floresta. 

 O discurso fortemente anti-ambientalista, assim, parece ser o eixo central da adesão a Bolsonaro. O discurso oferece a miragem de uma floresta destruída e que recompõe a lógica de luta contra a natureza sintetizada pelo projeto militar dos anos de 1970 da construção da rodovia Transamazônica.

Porém, assim como os demais estados que compõem a Região Norte, o agronegócio não é a atividade econômica central na composição do PIB, diferente do que ocorre na Região Centro Oeste e Sul. Por isso, é necessário considerar os mecanismos dos quais o setor do agronegócio dispõe para mobilizar o eleitorado em nome de seus interesses próprios. Indo um passo adiante, é  preciso compreender a composição deste setor, em especial na Região Amazônica e em dinâmicas de expansão recente de áreas cultivadas. Nesse aspecto, poderia se dizer que o agronegócio é hegemônico no estado, embora possa ser possível indicar que o segmento é reforçado sobretudo por uma dinâmica a partir do alto, com estratégias governamentais e disputadas no campo do discurso ideológico que perfaz o papel do segmento social em si. Em outros termos, uma hegemonia sem classe ou de um grupo que quer se fazer classe. 

A sugestão aqui, assim, é um deslocamento para análise da política eleitoral no Acre considerando suas relações com as classes e grupos sociais em disputa, seguindo as trilhas de Singer (2018) mas, de forma complementar, que o caso nacional seja confrontado com as dinâmicas locais e regionais. 

 

REFERÊNCIAS

BITTAR, Jorge (Org.). Governos estaduais: desafios e avanços. Reflexões e relatos de experiências petistas. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

G1-Acre. Com mais de 36% de exportação de madeira, Acre fechou agosto com saldo positivo de US$ 2,55 milhões. Disponível em: https://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2021/09/13/com-mais-de-36percent-de-exportacao-de-madeira-acre-fechou-agosto-com-saldo-positivo-de-us-255-milhoes.ghtml. Acesso em: 07 de setembro de 2022.

PIERUCCI, Antônio Flávio. As bases da nova direita. Novos estudos CEBRAP, v. 19, p. 26-45, 1987.

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SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2012

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As questões ambientais na disputa ao governo do estado do Tocantins

As questões ambientais na disputa ao governo do estado do Tocantins

Cynthia Mara Miranda

Publicado na Mídia Ninja

 

Embora com 34 anos de existência, a história do Tocantins tem sido marcada pela instabilidade política em sua gestão estadual.  Há 15 anos, governadores não completam o mandato para o qual foram eleitos. Entre renúncia, cassação e afastamento, a população vivencia os efeitos das transições bruscas entre os governos.

O Tocantins é o 14 estado no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), segundo dados do IBGE (2010), e ocupa a 24 no que se refere ao PIB. Trata-se também de um estado com intensas desigualdades sociais e regionais.

A pauta ambiental na atual disputa ao governo do Tocantins aparece nos planos dos três candidatos que apresentaram maior intenção de voto em pesquisa encomendada pela Federação das Indústrias do Estado do Tocantins divulgada em 31 de agosto: Wanderlei Barbosa (Republicanos) com 38% das intenções de voto, Ronaldo Dimas (PL) com 15% e Paulo Mourão (PT) com 6%.

No plano de governo do candidato Wanderlei Barbosa o meio ambiente e a sustentabilidade figuram como um eixo de destaque e se desdobram em proposições de ações que visam “o desenvolvimento econômico do estado por  meio da agricultura e da agropecuária, respeitando o meio ambiente e as políticas de preservação ambiental”, sendo elas: proteção e preservação ambientais, readequação e monitoramento do ICMS ecológico, fortalecimento da educação ambiental e acesso à água potável para todos de acordo com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 (Organização das Nações Unidas). Contudo, apesar do eixo de destaque, as propostas e as entregas voltadas ao meio ambiente e sustentabilidade são trabalhadas de forma sintética e não é possível mensurar como serão executadas. 

Já no plano de governo do candidato Ronaldo Dimas, as questões ambientais não se constituíram como um eixo exclusivo do plano de governo e sim como subtema (Política de Meio Ambiente e Saneamento) dentro do eixo Eixo III, que trata do desenvolvimento econômico e sustentável. Mesmo como subtema, as questões ambientais foram contempladas em vinte e duas propostas, maior número de propostas dentre os planos de governo analisados. Mesmo assim, não é possívelidentificar como tais propostas podem ser materializadas, uma vez que as mesmas são apenas citadas sem nenhum direcionamento específico para a aplicação no estado. 

O candidato Paulo Mourão foi o que apresentou as questões ambientais de forma mais transversal no plano de governo e destinou espaço para eixo específico sobre o tema, chamado de “Meio ambiente, sustentabilidade e recursos hídricos”. Assim como o plano de governo do candidato Wanderlei Barbosa, as ações voltadas para o meio ambiente estão relacionadas com o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. O plano destaca que “o meio ambiente e as políticas sociais estão no centro desta nova forma de fazer desenvolvimento que será norteada pela Abordagem Territorial e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)”. 

No plano está descrito o compromisso com ações nas áreas de preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais, assegurando a demarcação de novas unidades de conservação e a regularização ambiental das propriedades privadas. Assim como nos planos dos candidatos Wanderlei Barbosa e Ronaldo Dimas, está prevista a implementação da economia verde. 

O eixo enfatiza ainda áreas prioritárias para gestão estadual como: conservação e recuperação de recursos naturais, produção e sustentabilidade ambiental, gestão dos recursos hídricos e saneamento básico e educação ambiental. No entanto, na descrição das ações não é possível identificar como serão aplicadas.

Algumas reflexões podem ser feitas a partir da análise dos três planos de governo. A primeira delas é a ausência de ações diretamente voltadas para a preservação do bioma amazônico. O Tocantins faz parte da Amazônia Legal brasileira, embora com extensão reduzida segundo o Mapa de Biomas e o Mapa da Vegetação do Brasil, publicados pelo IBGE em 2007 . O bioma amazônico ocupa cerca de 9% do território, tendo provavelmente sofrido redução nos dias atuais. A ausência de propostas voltadas para a preservação do bioma amazônico caminha em direção oposta ao apelo mundial de movimentos ambientalistas, organizações internacionais, comunidades tradicionais e povos indígenas pela preservação da Amazônia. 

Mesmo que haja a propositura de programas para diminuição e prevenção de queimadas, conscientização ambiental e sequestro de carbono, redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), não foi verificada nenhuma ação específica voltada para o bioma. 

Nos últimos anos a temática ambiental tem deixado de ser pautada apenas por ativistas e organizações da área e tem despertado o interesse das corporações e dos mercados de capitais. Esta transição para contextos mais estratégicos das corporações é percebida por meio do interesse no chamado ESG (Environmental, Social and Governance) que se tornou sinônimo de sustentabilidade e impacto ambiental. No contexto do setor público, observamos que as instituições têm procurado desenvolver ações alinhadas à Agenda 2030 (ODS/ONU) e no âmbito da plataforma eleitoral observamos que dois planos de governo estabeleceram compromisso com o cumprimento da referida agenda: os planos dos candidatos Wanderlei Barbosa e Paulo Mourão.

Os três planos de governo analisados estão majoritariamente pautados em ações ligadas ao sistema fazendário e de arrecadação, especialmente ao ICMS, e a ações voltadas à saúde, educação, inovação e tecnologia, enquanto as questões ambientais ficam nos bastidores. A ausência de um destaque mais amplo merece uma análise atenta levando em consideração que o setor que impulsiona mais amplamente o desenvolvimento econômico do estado é o agronegócio. Ainda assim, estratégias eficazes para que as empresas agropecuárias instaladas no Tocantins destinem parte dos lucros em prol da preservação ambiental não foram mencionadas. 

Em 2018, por exemplo, segundo levantamento realizado pela Plataforma Cipó, as maiores doações de punidos pelo Ibama foram para governadores eleitos na Amazônia. O Tocantins está entre os cinco estados que mais receberam esse tipo de recurso junto com Mato Grosso, Acre e Pará. 

O plano de Ronaldo Dimas (PL) destaca, por exemplo, que o êxito do setor agropecuário depende da união da infraestrutura rural e o desenvolvimento socioeconômico baseado em três pilares da sustentabilidade: econômico, ambiental e social. Já o plano do candidato Paulo Mourão (PT) ressalta que é preciso difundir estratégias e iniciativas de desenvolvimento sustentável do agronegócio aliadas ao meio ambiente, enquanto o plano de Wanderley Barbosa (Republicanos) aponta para a necessidade do agronegócio ter sustentabilidade para ocupar seu espaço de forma saudável. Não há resposta convincente nos planos sobre a forma do agronegócio coexistir de forma sustentável e aliada com a preservação do meio ambiente especialmente dos biomas amazônico e do cerrado que estão em constante ameaça no estado.

 

Cynthia Mara Miranda é jornalista pela Universidade Federal do Tocantins, mestra e doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília, com período sanduíche na Carleton University (Canadá). Atualmente é professora do curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade na Universidade Federal do Tocantins, coordenadora local do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL) no Tocantins.

Competição eleitoral na Bahia: é possível vencer sem alinhamento nacional?

Competição eleitoral na Bahia: é possível vencer sem alinhamento nacional?

*Cláudio André de Souza

Publicado na Revista Nordeste

 

A aliança entre Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o PFL de Antônio Carlos Magalhães (ACM) nas eleições de 1994 levou o baiano a um lugar estratégico no centro do poder nacional. O carlismo venceu no plano federal e no estadual, elegendo Paulo Souto (PFL) ao governo baiano, no segundo turno, com 58,64% dos votos válidos. O adversário foi o ex-governador João Durval Carneiro (PMN), uma liderança ex-carlista rompida com ACM desde 1990, quando seu nome foi preterido em favor de Josafá Marinho para disputar uma cadeira no Senado. 

As eleições de 1998 tiveram o reforço do instituto da reeleição, com FHC sendo candidato a um segundo mandato com o apoio irrestrito de ACM, que lançara ao governo baiano seu filho e ex-presidente da Câmara dos Deputados, Luís Eduardo Magalhães (PFL); mas, em abril daquele ano, após o seu falecimento, o vice-governador César Borges (PFL) o substituiu, vencendo aquelas eleições com 69,91% dos votos

As eleições de 2002 se desenrolaram em contexto de crise do carlismo: a ruptura da aliança entre FHC e ACM veio após o presidente ter optado por apoiar Jader Barbalho para a presidência do Senado. Em fevereiro de 2001, o PFL baiano desembarcou do governo. Meses depois, ACM enfrentaria uma tempestade perfeita ao se envolver no escândalo de violação do painel do Senado, o que o levou a renunciar ao mandato para não ser cassado. Nas eleições presidenciais, ACM levou o PFL a lançar a pré-candidatura de Roseana Sarney, ex-governadora do Maranhão, mas que desistiu da disputa após suspeitas de corrupção. 

Na Bahia, àquela altura, ACM abandonou José Serra (PSDB) e apoiou Ciro Gomes (PPS), declarando apoio a Lula (PT) no segundo turno, uma movimentação inteligente visando à sua sobrevivência política nacional, vencendo mais uma eleição ao governo baiano ao eleger Paulo Souto (PFL) com 53,69% dos votos. Mas  um detalhe importante merece destaque: uma nova liderança oposicionista tivera 38,47% dos votos, o petista Jaques Wagner, que surfou na “onda Lula”, mostrando a força do alinhamento nacional. 

Wagner fez parte do ministério de Lula, destacando-se como um dos principais articuladores governistas na relação com o Congresso. O cálculo político do petista partia de um cenário favorável para as eleições de 2006 diante da força governista de Lula no estado, do aumento do apoio político de partidos que orbitavam a coalizão nacional e de uma crise endógena do carlismo, que tinha acabado de ser derrotado na capital baiana nas eleições municipais de 2004. 

A chapa do PT baiano para as eleições de 2006 atraiu um leque maior de partidos (PMDB, PSB, PTB, PPS, PCdoB, PRB, PV e PMN – ver tabela abaixo) conformada no fator nacional. Se no primeiro turno de 2002 na Bahia Lula obteve 55,3% dos votos válidos, já em 2006, conquistou 66,65%, logo, o aumento do seu tamanho político pode ter sido decisivo para a vitória de Wagner no primeiro turno com 52,89% dos votos válidos. 

 

 

Nas eleições seguintes, de 2010 e 2014, a força do fator nacional pesou novamente para a continuidade do PT à frente do governo baiano, havendo uma equivalência proporcional dos votos do PT nas disputas estadual e nacional. A oposição feita pelo DEM em nível estadual e federal buscava sobreviver dentro de uma conjuntura interna de renovação. 

À medida que ACM Neto buscava se consolidar como a maior liderança pós-carlista, soube conservar estrategicamente a liderança de Paulo Souto nas disputas estaduais enquanto se preparava para avançar na sua carreira política por Salvador. Após deixar de ir ao segundo turno das eleições municipais de 2008 por 44.052 votos (26,68%), ACM Neto (DEM) ganhou em 2012 para prefeito de Salvador no segundo turno, contra Nelson Pelegrino (PT), com 53,51%, sendo reeleito em 2016 com uma votação ainda mais expressiva (73,99%). 

A disputa ao governo baiano em 2018  foi marcada pela desistência da sua candidatura na véspera do prazo legal de desincompatibilização. Pesou na sua decisão a incontestável margem de avaliação positiva do governador Rui Costa (PT), além do que não conseguira inviabilizar a aliança do PT com o PP e o PSD. Os três partidos, somados, saíram das eleições municipais de 2016 com 42,9% das prefeituras baianas, sendo que estas prefeituras totalizavam 31,3% da população baiana, menos que o DEM, que saiu da eleição conquistando sonha prefeituras a representar 31,9% da população baiana. O governador Rui Costa (PT) acabou reeleito com 75,50% dos votos. Na capital baiana, o petista também venceu, obtendo 72,23% dos votos. 

Qual o panorama em 2022? Há um padrão de competição eleitoral na Bahia determinado pela liderança política do PT em âmbito nacional (gráfico abaixo), influenciando o cenário estadual, o que levou ACM Neto a não declarar apoio a nenhum candidato específico, o que tem como objetivo estratégico não ser lido como um candidato antipetista. Esse reposicionamento decorre da força do PT na Bahia. As pesquisas de opinião mostram Lula com um potencial entre 60 e 70% de votos dos baianos. 

 

Gráfico 1 – Desempenho eleitoral do PT no primeiro turno, 1998-2018.

 

Como ACM Neto está em pré-campanha há mais tempo e por ter concluído o mandato de prefeito de Salvador com uma avaliação positiva acima dos 70%, o ex-prefeito lidera com folga a corrida eleitoral desde o ano passado. O PT trocou Jaques Wagner pelo ex-secretário de Educação, Jerônimo Rodrigues, que jamais foi candidato, sendo bastante desconhecido entre os baianos. Na pesquisa do Datafolha de 24 de agosto, o candidato petista era desconhecido para 61% dos entrevistados. Nessa mesma pesquisa, 42% disseram escolher, com certeza, um candidato apoiado por Lula, e 38% um candidato apoiado pelo PT. Nessa mesma rodada, o instituto verificou que 54% dos eleitores baianos indicam o voto espontâneo em Lula. 

Diante desse cenário, ACM Neto busca atrair eleitores lulistas fora da lógica de alinhamento com o candidato petista no estado, mas sem abrir mão do carlismo como o seu legado na carreira política. O ex-prefeito chegou a reeditar o jingle (abaixo) do seu avô, ao mesmo tempo que tem buscado fugir de críticas pessoais a Rui Costa e a Lula. 

Link jingle: https://www.youtube.com/watch?v=de0cRAysFSA&t=4s 

Do outro lado, o PT aposta todas as fichas no alinhamento nacional que deu a vitória aos petistas nas últimas quatro eleições, na vinculação de Neto a Bolsonaro, além da boa avaliação do atual governador como um projeto de poder articulado com prefeitos da base aliada. A força de Lula e do PT virará o jogo mais uma vez, como foi em 2006 e 2014? A ver.

 

*Professor Adjunto de Ciência Política da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e um dos organizadores do “Dicionário das Eleições” (Juruá, 2020)