por Mariana Dutra
Thiago Silame*
Diogo Tourino de Sousa**
Publicado na Carta Capital
As eleições de 2018 foram marcadas por discursos antipolítica e antissistema. Elas mobilizaram do descontentamento com a política, sentimento difundido em boa parte da população brasileira, contra as elites políticas tradicionais. A opinião pública encontrava-se à época saturada com informações negativas sobre as atividades dos representantes políticos, em decorrência do “sucesso” da Operação Lava-Jato que até aquele momento – antes do conjunto de reportagens que colocaram em xeque a credibilidade da operação – aparecia como responsável por desvelar relações pouco republicanas entranhadas na gestão pública, com incontornável atuação de empresários.
Os reflexos da onda antipolítica se fizeram perceber não apenas na disputa nacional, mas igualmente nas eleições nos estados. Diversos outsiders, mais ou menos íntimos das disputas políticas, obtiveram êxito nas urnas. Nessa direção, a região Sudeste, onde encontram-se os maiores colégios eleitorais do país, testemunhou a ascensão de dois nomes até então desconhecidos do mundo da política, além do sucesso eleitoral de um “cristão novo” do cenário partidário. João Dória (PSDB) em São Paulo, Wilson Witzel (então no PSC) no Rio de Janeiro, e Romeu Zema (NOVO) em Minas Gerais, foram eleitos para os cargos de governador dos seus estados, coroando a surpresa de parte expressiva dos analistas ocupados com o processo. O descontentamento geral com a política foi traduzido, ainda, na alta renovação observada na Câmara dos Deputados, no Senado e nas Assembleias Legislativas por todo o país, conformando um cenário que fulminou, ao menos em parte, quadros tradicionais da política nacional.
Em linhas gerais, 2018 trouxe para a disputa um repertório de argumentos estranhos às disputas anteriores, unindo nomes como Dória, Zema e Witzel por meio da defesa da boa gestão dos negócios públicos, com enganosa analogia à forma como são conduzidas as empresas privadas, da mobilização da agenda moral, da defesa das “conquistas” da Lava-Jato, ou mesmo da sanha punitivista que criminaliza a política como um todo, tópicos presentes na agenda de Jair Bolsonaro e que compunham o humor geral da população em relação aos políticos tradicionais. Não por acaso, colar a própria imagem à de Bolsonaro em 2018 figurou como estratégia bem-sucedida na busca por votos, por vezes alçando desconhecidos ao favoritismo em poucas semanas.
O cenário para as eleições de 2022 apresenta, contudo, um contexto distinto, no qual o sentimento negativo contra os políticos parece ter cessado ou mesmo regredido. As eleições municipais de 2020 já sinalizaram nessa direção. Muitos fatores concorrem para explicar a mudança, mas a forma como os representantes políticos se portaram diante da pandemia de Covid-19, aliada ao despreparo evidente de muitos dos outsiders eleitos em 2018 na condução da administração pública, ou mesmo à recorrência de práticas então aventadas como “superadas” pelos novos nomes – especial atenção para o tema da corrupção – parecem ter sido fatores decisivos para o restabelecimento de parte do prestígio perdido pelos políticos. Fato é que se em 2018 não ser político compunha um critério poderoso nas campanhas, esses improváveis vitoriosos foram, por caminhos distintos, fracassando nos quatro anos que nos separam do pleito presente.
Apenas para nos determos nos governos estaduais do Sudeste, no Rio de Janeiro Witzel sofreu um processo de impeachment na Assembleia Legislativa do estado, motivado por denúncias acerca de um esquema “amador” de corrupção já no âmbito do enfrentamento do novo coronavírus. Em São Paulo, Dória, que nunca escondeu suas pretensões de disputar a Presidência da República, renunciou ao governo do estado, mas não conseguiu se cacifar junto ao seu partido como um provável nome para o pleito nacional em 2022, mesmo tendo capitaneado, ainda que com doses generosas de vaidade, a produção da primeira vacina a ser utilizada no país no enfrentamento da pandemia.
Em Minas Gerais, Romeu Zema, porém, figura como um ex-outsider que disputará as eleições de 2022. Saindo de um relativo anonimato – talvez contornado pelo seu sobrenome, presente em lojas de departamento e postos de gasolina pelo interior do estado –, azarão em 2018, que declarou voto em Bolsonaro em cena nada comum num debate televisivo, o governador tentará a reeleição, agora como favorito. Nas sondagens de opinião até o momento, seu principal oponente, o ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), figura em segundo lugar e não apresenta tendência de subida.
O que fez do improvável Zema de 2018, considerado um azarão frente aos políticos tradicionais que disputavam aquele pleito – o então governador Fernando Pimentel (PT), candidato à reeleição, sequer passou para o segundo turno – favorito em 2022? Em outras palavras, se o sentimento antipolítica e antissistema, colado ao sucesso do bolsonarismo, ajudam a explicar a vitória de Zema em 2018, o que poderia explicar seu favoritismo em 2022, num contexto agora marcado pelo “retorno” da política tradicional?
Candidatos à reeleição conservam, via de regra, vantagens comparativas frente os desafiantes. O atual ocupante do executivo estadual não precisa se descompatibilizar do cargo e ao mesmo tempo detém o controle da máquina pública, bem como a iniciativa do orçamento, para realizar ações e implementar políticas. Por sua vez, o desafiante Kalil, no exemplo em questão, precisou se descompatibilizar do cargo de prefeito de Belo Horizonte para disputar a eleição para governador. O governador conta, ainda, com uma vantagem poderosa em se tratando de campanhas com curto espaço de tempo em estados com um expressivo número de municípios. Ainda que suscetível de maior rejeição, Zema é mais conhecido em todo o estado de Minas Gerais, ao passo que seu desafiante conserva uma base política na região metropolitana de Belo Horizonte, mas ainda é pouco conhecido no restante do estado.
Esses fatos isolados, porém, não esgotam a explicação para o favoritismo de Zema. Ao longo dos últimos anos, o governador foi capaz, mesmo sem o traquejo próprio do mundo da política, de construir uma rede de apoio envolvendo prefeitos e vereadores. Rede esta amparada em boa medida pela injeção de recursos nos municípios do interior. Importa lembrar que o estado recebeu uma expressiva indenização da empresa Vale do Rio Doce, em função dos desastres ambientais ocorridos logo no início da gestão de Zema. A relativa saúde financeira permitiu, por sua vez, o avanço de práticas de grande valor eleitoral, como a manutenção do salário do funcionalismo público em dia, por exemplo.
Segundo dados da pesquisa da Quaest, Zema é avaliado positivamente em todas as faixas etárias e em todos os níveis de escolaridade, sendo que as maiores diferenças se dão entre eleitores de 35 a 59 anos e aqueles com curso superior. A avaliação do governo também é positiva em todas as faixas de renda, sendo a menor diferença apresentada entre aqueles que recebem até dois salários mínimos. Ele também é bem avaliado na capital, região metropolitana e no interior do estado, mas a maior diferença encontra-se no interior. Zema tem boa entrada no eleitorado de classe média e classe média alta.
É curioso notar como substantivamente o governador não alterou sua imagem frente à opinião pública, ainda que no presente ele paute sua candidatura a partir de dois afastamentos decisivos quando comparado ao que operou em 2018. Por um lado, Zema não endossa mais a postura de “CEO” dos negócios públicos, assimilando o susto sofrido logo nos primeiros meses do governo, quando a interrupção do andamento da máquina pública o fez perceber que a gestão do estado dista dos negócios privados. A aceitação do jogo legislativo, por meio dos(as) deputados(as) estaduais e o aproveitamento da janela de oportunidades que se abriu com a relativa saúde financeira, permitiu com que o governador ganhasse pontos na comparação com as gestões anteriores.
Por outro lado, ainda que Zema pessoalmente aparente guardar proximidades ideológicas e de agenda com o presidente Bolsonaro, é interessante observar seu surpreendente pragmatismo na disputa presente. Isso porque ele tem se distanciado tacitamente de Bolsonaro, na sincera torcida para que o pleito se encerre no primeiro turno, o que o desobrigaria de manifestar predileções num eventual segundo turno. Caso este ocorra, a nacionalização da disputa, com Kalil aliado ao ex-presidente Lula, pode complicar uma eleição aparentemente tranquila para o atual governador. Até agora, porém, Zema que figurou em 2018 como um sucesso inesperado, em 2022 apresenta-se como favorito num cenário quase de inércia.
Thiago Rodrigues Silame é doutor em Ciência Política pela UFMG, professor da Universidade Federal de Alfenas e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG (CEL-DCP).
Diogo Tourino de Sousa é doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/IESP e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e um dos editores da Revista Escuta.
por Manoel Leonardo Santos
Manoel Leonardo Santos e
Ernani Carvalho
No último dia 21 de julho, com a presença de Lula em ato no Recife, a aliança histórica entre PSB/PT em Pernambuco foi vaiada. Esse fato pode ser interpretado como o prenúncio de que nessa eleição tudo pode ser diferente. A cúpula do PSB, formada por políticos como o prefeito de Recife, João Campos, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, e o próprio Danilo Cabral (candidato a governador pelo partido) tiveram os nomes apupados. Também foi vaiado durante sua fala o senador Humberto Costa (PT), um dos principais artífices da aliança por parte do PT. A pesquisa realizada pelo Ipec/TV Globo entre 12 e 14 de agosto ** parece confirmar essa tendência.
A pesquisa revela um quadro marcado por dois pontos principais: um possível descompasso entre o voto para governador em Pernambuco e o voto para presidente, e uma ameaça ao PSB, que não perde no estado desde 2006. Explico. Embora a chapa formada por Lula (PT) e Alckmin (PSB) conte com 63% das intenções de voto no estado, uma vantagem considerável sobre Bolsonaro, com apenas 22%, seu apoio à aliança PSB/PT parece não convencer a maioria de seus eleitores. Isso fica claro nas intenções de voto captadas pela pesquisa. A candidata Marília Arraes (Solidariedade) lidera a disputa com 33% no primeiro turno, já o candidato Danilo Cabral, da aliança PSB/PT, aparece com apenas 6%, posicionado em quinto lugar na corrida eleitoral (gráfico 1).
Cabral está a nada menos que 27 pontos percentuais de distância de Marília, e esse não é seu único desafio. Entre ele e Marília aparecem Raquel Lyra (PSDB) com 11%, Anderson Ferreira (PL) com 10% e Miguel Coelho (União Brasil) com 9%, tecnicamente empatados. Danilo aparece, ainda, tecnicamente empatado com os candidatos com 1% de intenção de votos. Esse quadro denota uma grande singularidade, se trata da eleição mais disputada da história política do estado.
Contudo, como 9% dos eleitores não responderam ou ainda não sabem em quem vai votar e o fato da campanha estar apenas começando, esse cenário pode mudar. Pelo que se pode observar, tudo indica que teremos segundo turno em Pernambuco e, se confirmada a preferência do eleitor por Marília, qualquer um dos quatro candidatos que a seguem estão aptos, probabilisticamente falando, a passar para o confronto final. Portanto, a incerteza ainda é grande e qualquer palpite neste momento é passível de contestação.
Tudo depende de muitas variáveis mas ao que aparece, prima facie, fator decisivo será a combinação da eleição para o Senado e o cenário nacional.
A disputa para o Senado e o cenário nacional
A disputa para o Senado aponta quatro candidatos com bom desempenho. Em primeiro lugar vem André de Paula (PSD), com 14% das intenções de voto, em segundo a deputada estadual Tereza Leitão (PT) com 12%, seguida por Guilherme Coelho (PSDB) com 9% e o ex-ministro do governo Bolsonaro Gilson Machado (PL), que possui 7%. Como a margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais, a disputa para o cargo de senador/a ainda está em aberto, mostrando um cenário de empate técnico entre os três principais candidatos.
Considerando que o percentual dos que declararam que não sabem em quem vão votar e os eleitores que não responderam ainda é bastante alto, 19%, pode-se dizer que a disputa não está, nem de longe, definida. Isso porque os quatro candidatos mais bem posicionados ao Senado têm seus trunfos e, se souberem usá-los, podem realmente mudar o rumo das eleições. Inclusive mudar o resultado da eleição para governador, por mais contraintuitivo que isso pareça.
Tereza Leitão é a representante legítima de Lula em Pernambuco e, portanto, pode se beneficiar muito do desempenho dele no estado. Ela pode alavancar tanto a sua candidatura quanto a de Danilo Cabral. Ela é a “ponte” entre Lula e Danilo Cabral que, como vimos, não vem tendo bom desempenho nas pesquisas. Assim, Danilo pode se beneficiar mais de Tereza do que o contrário. Sensato seria, portanto, colocar a máquina a favor da candidata, principalmente no interior. Desde que ela traga, claro, Lula para fazer campanha em Pernambuco.
Gilson Machado traz consigo o nome do Bolsonaro, que embora tenha apenas 22% em Pernambuco em 2022, vem melhorando nacionalmente, segundo pesquisas mais recentes. Considerando que o presidente vem encurtando a distância para Lula nacionalmente e, mais que isso, que ainda não contabilizou precisamente qual o tamanho do eleitorado que conquistou com o Auxílio Brasil de 600 reais. Imagina-se que com o Auxílio Brasil, somado à redução do preço dos combustíveis e a recente melhora nos indicadores econômicos, essa distância deve diminuir ainda mais. Se tudo der certo para Bolsonaro, Machado amplia exponencialmente seu potencial de crescimento, junto com Anderson Ferreira, contribuindo para levá-lo ao segundo turno.
André de Paula, que compõe com Marilia Arraes, talvez possa atrair para a candidata uma fatia do eleitorado que ela não tem. Por se tratar de uma chapa ideologicamente bastante heterodoxa, de Paula pode trazer para Marília um voto de direita que ela dificilmente teria, dada sua trajetória política no PT. Posicionada, hoje, em primeiro lugar para o governo, ela pode ter sua posição consolidada, e até ampliada, com o apoio de André
Por sua vez, a chapa puro-sangue do PSDB também pode agregar muito à candidatura da Raquel Lyra para governadora, ajudando-a a ir para o segundo turno. O ex-deputado federal Guilherme Coelho (PSDB), presidente do partido em Petrolina, traz a força de uma das regiões mais importantes do estado. Raquel, que já é bastante forte no Agreste (foi prefeita por duas vezes de Caruaru, cidade mais destacada da região), soma agora importante eleitorado do sertão. Além disso, ela conta ainda com a deputada estadual Priscila Krause (Cidadania) como vice na sua chapa. Priscila foi vereadora do Recife por três mandatos consecutivos. Seu bom desempenho eleitoral mostra que ela tem força na capital e, portanto, completa um quadro que sugere que Raquel Lyra pode ter bom desempenho do litoral ao sertão, e isso não é pouca coisa para uma candidata que é, reconhecidamente, um nome ainda regional.
Sabe-se que, historicamente, são os candidatos a governador que impulsionam a eleição de seus senadores, assim, parece estranho sugerir uma mudança na consolidada equação eleitoral. Mas, por mais contra intuitivo que possa parecer, as evidências apontam que é a eleição para o Senado que pode ser o fiel da balança. Especialmente porque a luta dos candidatos posicionados depois de Marília Arraes se resume, pelo menos nesse momento, a levar a eleição para o segundo turno. E a briga, de fato, está bastante equilibrada. Os candidatos ao Senado, cada um à sua maneira, podem agregar uma parcela de votos para o seu governador que não será desprezível nesse contexto. Ao contrário, eles podem ser decisivos para prolongar a disputa e, quem sabe, virar o jogo que, nesse momento, parece favorecer a desafiante principal da aliança PSB/PT, Marília Arraes.
Provavelmente a polarização política no nível nacional será decisiva, assumindo resultados distintos nas eleições majoritárias do estado. Se para o Senado o efeito da polarização será genuíno e direto, ou seja, tende a beneficiar Teresa Leitão (com os votos de Lula) e Gilson Machado (com os votos de Bolsonaro), para o governo do estado o efeito será matizado, com Bolsonaro beneficiando Anderson Ferreira, e Marília Arraes sendo beneficiada com a ajuda indireta dos eleitores mais convictos do PT e de Lula.
Na espera de quem vai para o segundo turno e do resultado das eleições para o Senado, vale tão somente especular. Dado o racha na elite política pernambucana, que pode ser constatado pelo grande número de candidatos viáveis tanto para governador como para senador, tudo vai depender de como essa mesma elite política vai se reacomodar no segundo turno das eleições em Pernambuco.
*Manoel Leonardo Santos é Professor do departamento de ciência política da UFMG. Coordenador do centro de estudos legislativos e editor da revista Teoria e sociedade da UFMG.
**Ernani Carvalho é Doutor em Ciência Política pela USP, Pesquisador de Produtividade Nível 2 do CNPq, Professor Associado do Departamento de Ciência Política e Coordenador do Mestrado Profissional em Políticas Públicas da UFPE.
por Humberto Dantas
Humberto Dantas
Bruno Souza da Silva
Publicado no Congresso em Foco
As chaves analíticas mais recentes para as eleições paulistas podem ser divididas em dois blocos de questões que tendem a se misturar. No primeiro deles, temos a conjuntura das eleições de 2022 que aponta para algo inédito no estado. Já no segundo bloco, temos uma lógica nacionalizada, que entre 2002 e 2010 foi caracterizada por um embate entre PT e PSDB com predomínio dos tucanos e forte impacto do antipetismo antes e depois desse período. Neste ponto, vale fazer um resgate do papel dos tucanos na construção das disputas políticas majoritárias no estado a fim de se compreender as características fundamentais da competição política paulista.
O PSDB domina eleitoralmente o estado desde o pleito de 1994, uma hegemonia que não encontra semelhança em qualquer outra unidade federativa do país. Em 1994 e 1998, o embate central ficou entre o grupo que nascia com a ascensão nacional e estadual do PSDB. Este grupo se dirigia contra, predominantemente, duas elites: por um lado, o conservadorismo de Paulo Maluf e, por outro, o governo do PMDB que nasceu no combate ao regime militar com Franco Montoro – governador eleito em 1982 – e posteriormente elegeu Orestes Quércia em 1986 e Antônio Fleury Filho, em 1990. O pleito de 2002 marca o protagonismo do PT em nível federal e estadual. O segundo turno da eleição para governador daquele ano ocorreu entre José Genoíno (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) em uma disputa na qual o PT ficou mais próximo de conquistar o estado. No entanto, a vitória acabou sendo de Alckmin por 59% a 41%.
Nas disputas seguintes, até 2014, o PSDB conquistou a vitória sempre no primeiro turno: José Serra em 2006, Alckmin em 2010 e 2014 (nesse ano, o segundo colocado havia sido Paulo Skaf do PMDB à época). O ponto mais alto da resistência a um partido de esquerda no estado se verificou em 2018, quando João Dória (PSDB) manteve o partido no comando das eleições, derrotando o Partido Socialista Brasileiro de Márcio França, o qual havia herdado o governo de Geraldo Alckmin, candidato a presidente na ocasião pelo PSDB. Márcio França saiu derrotado das eleições estaduais em 2018 e seu correligionário, Alckmin, recebeu fortes críticas devido ao fato de França pertencer ao PSB.
Sob esse recorte histórico, o pleito de 2022 se desenha a partir de alguns contornos inéditos. Existem espaços a serem ocupados na política estadual e também para a ressignificação da esquerda. A eleição para governador começa, ainda antes do início oficial das campanhas, com quatro candidatos competitivos: Fernando Haddad (PT), Márcio França (PSB), Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia, vice-governador eleito em 2018 pelo DEM e tucano novo. Até certo ponto do primeiro semestre deste ano, as pesquisas mostravam a esquerda liderando com seus dois candidatos (Haddad e França), em um cenário absolutamente improvável de se concretizar.
São Paulo é um estado conservador que em 2014 teve o segundo maior percentual de votos pró-Aécio no segundo turno e, em 2018, entregou mais de dois terços dos votos a Bolsonaro. França governou o estado e foi candidato majoritário derrotado em 2018 e na capital em 2020 nas eleições municipais – apesar de ter sido prefeito de São Vicente, na Baixada Santista, seu principal reduto. Haddad foi candidato ao Planalto em 2018 e prefeito eleito da capital em 2012. Ambos tinham um recall considerável. Mas também era esperada a subida de Garcia, pela força extrema da máquina estadual paulista, e/ou de Freitas, pela potência da máquina federal e do bolsonarismo. Isso levava à percepção de que uma eleição dividida em quatro seria disputada na forma de semifinais. De um lado, os candidatos de esquerda tentando levar Haddad ou França à segunda rodada, e à direita, a disputa entre Freitas e Garcia. O embate da esquerda se resolveu nos bastidores: França será candidato ao Senado, deixando o caminho para Haddad disputar a preferência do eleitor paulista pela esquerda.
França, que conduziu o governo paulista entre abril e dezembro de 2018, lidera as pesquisas mais recentes ao Senado. Mas é importante considerar que ele tem menos de 30% dos votos, seus adversários mais conservadores aparecem com algo na casa de 15 pontos e o volume de indecisos ainda é grande. Seus adversários mais competitivos são a deputada estadual Janaína Paschoal, eleita pelo PSL e hoje no PRTB, e o ex-ministro de Bolsonaro e astronauta Marcos Pontes (PL). Ambos não conseguiram reunir o conservadorismo bolsonarista numa mesma chapa e parecem enfraquecidos. A chapa de Rodrigo Garcia lança, pelo MDB, o ex-PSDB e ex-deputado, secretário de vários governos tucanos, Edson Aparecido – sendo que aqui parece haver um “acordo de cavalheiros” que teria levado a um apoio velado à França, o qual ao retirar a candidatura ao governo do estado teria ajudado Haddad, mas também Rodrigo Garcia, que o retribuiria com o apoio a uma candidatura menos forte ao Senado. Além disso, a esposa de França será vice de Haddad, que conta com a maior rejeição entre todos os nomes que disputam o governo, mas consegue vencer simulações de segundo turno por margens estreitas – na última pesquisa da Genial Quaest, por exemplo, 49% não votariam nele de forma alguma. Já na pesquisa do Ipec a rejeição é de 32% e no Datafolha 30%.
Na outra semifinal, algo bastante desafiador aparece no horizonte eleitoral: o novo e antigo conservadorismo paulista em choque. O tradicional PSDB tentando se desvincular da imagem e do estrago promovido por Dória no ninho tucano, que afugentou Márcio França e Geraldo Alckmin para o guarda-chuva de Lula, contra a intensidade de um bolsonarismo que, na voz do ex-ministro Tarcísio de Freitas, tenta ser um pouco mais ameno. Um deles deve disputar o segundo turno contra o PT, sendo improvável nesse instante que os dois o ultrapassem. Tarcísio é neófito e precisará superar o antibolsonarismo, também expressivo no estado, enquanto Garcia tem às costas a fadiga tucana e a resistência à Dória, que ele tenta esconder. Rodrigo Garcia tem um governo visto como regular por mais de 40% dos paulistas, segundo a Quaest, e por estar mais ao centro pode ser mais competitivo contra Haddad, sobretudo considerando um segundo turno estadual que poderá estar imerso em um eventual segundo turno nacional entre Lula e Bolsonaro.
Contribui para essa análise, e para testar o que seria um novo momento de uma esquerda mais competitiva no estado, a eleição presidencial. Pesquisa do Ipec finalizada em 14 de agosto mostra Lula (PT) com 43% dos votos no estado e Bolsonaro com 31%. A rodada da Quaest do começo de agosto tinha 37% para o petista e 35% para o atual presidente. A última pesquisa do Datafolha mostra o petista com 44% e o presidente com 31%.
Por fim, um comentário sobre as disputas proporcionais. A onda de votos no PSL em 2018 foi avassaladora. O partido teve 21% das posições válidas para a Câmara dos Deputados e 19% para a Assembleia no estado. Nominalmente, Janaína Paschoal superou dois milhões de votos, com 10% do total, para a Alesp. Ademais, a dupla Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann fez mais de um milhão de votos cada para a conquista de vagas para a Câmara dos Deputados. Devido às regras vigentes e à exigência de 10% do quociente eleitoral em votos nominais, diversos candidatos do PSL ficaram de fora da lista de eleitos, o que levou o partido, sem sucesso, ao Supremo Tribunal Federal, para questionar a constitucionalidade da lei.
Esse resultado extremo não deve se repetir, sendo esperado, diante das novas regras de nominatas mais enxutas e do fim de alianças para os pleitos proporcionais, uma distribuição menos desequilibrada de votos entre partidos e postulantes. Também contribui para isso um ambiente menos hostil em relação à política em comparação com 2018. Até o momento, segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral, 1.510 candidatos a deputado federal buscam as setenta cadeiras em disputa no estado e 2.028 disputam as 94 cadeiras da ALESP.
Humberto Dantas é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e diretor do Movimento Voto Consciente.
Bruno Souza da Silva é mestre em Ciências Sociais, doutorando em Ciência Política pela Universidade de Campinas e diretor do Movimento Voto Consciente.
por Vitor Peixoto
Vitor Peixoto (UENF)*
Felipe Borba (UNIRIO)**
Publicado no Congresso em Foco
No domicílio eleitoral do atual presidente da República, a disputa presidencial tem marcado a configuração da disputa estadual. Não é exatamente uma novidade a nacionalização das campanhas de governador no Rio de Janeiro, pois em 2018 o impichado Wilson Witzel (PSC) foi um dos casos de desconhecidos do mundo da política a ser eleito no rastro da onda bolsonarista.
A eleição de 2022 no Rio promete reproduzir a polarização política nacional de maneira ainda mais intensa. Em 2018, o candidato derrotado Eduardo Paes não era um apoiador entusiasmado de Fernando Haddad (PT) e escondeu, sempre que pode, o candidato do PT em sua campanha. Então, é possível dizer que houve uma candidatura bolsonarista no Rio no segundo turno de quatro anos atrás, mas não uma de apoio ao PT, o que talvez ajude a explicar os 67,95% dos votos válidos dados a Bolsonaro no estado.
Na atual eleição, as dobradinhas estão mais claras. Bolsonaro tem a seu favor o apoio declarado do atual governador Cláudio Castro (PL), que ascendeu ao poder após a queda do governador Witzel. Do lado da oposição, há duas candidaturas sinalizando apoio a Lula. Uma delas é a de Marcelo Freixo (PSB) e outra de Rodrigo Neves (PDT), que embora seja candidato pelo partido de Ciro Gomes tem manifestado que apoiará o ex-presidente.
O atual inquilino do Palácio das Laranjeiras, Claudio Castro, surge no momento como favorito. Castro não terá apenas o apoio de Bolsonaro como principal ativo eleitoral. Desde que assumiu o cargo de governador, Castro tratou de estabelecer alianças com figuras tradicionais da política fluminense, sobretudo, com lideranças presentes na ALERJ e prefeitos do interior que foram re-aglutinados após o impeachment do seu antecessor.
O candidato à reeleição goza de uma relativa liberdade fiscal concedida por três fatores: rolagem da dívida estadual com a inserção do Rio de Janeiro no programa de recuperação fiscal, recursos da venda de empresas estatais como a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE) e, por fim, da inflação que permitiu aumentar a arrecadação com impostos. Isso permitiu ao governo estadual colocar a máquina do estado para atuar com fins eleitorais, principalmente com a inauguração de inúmeras obras.
O grande problema de Castro é que um dos instrumentos utilizados para construir as alianças foi alvo de investigação jornalística e se transformou no que ficou conhecido como “escândalo do CEPERJ”. Foram descobertos pagamentos na boca do caixa para quase 30 mil indicados políticos sem qualquer transparência que totalizam cerca de meio bilhão de reais. Até o momento não é possível identificar com precisão a extensão do estrago eleitoral que um escândalo como este pode causar à beira do início do período eleitoral, principalmente, em um estado que parece ter se anestesiado após tantos escândalos que levaram à cadeia cinco de seus ex-governadores.
No campo da oposição há uma completa falta de coordenação entre os diferentes partidos para compor a chapa para governador em apoio a Marcelo Freixo (PSB). O PT exigia que um único candidato ao Senado fosse lançado e que o nome fosse do presidente da ALERJ, André Ceciliano (PT), mas Alessandro Molon (PSB) conseguiu manter sua candidatura alegando estar melhor colocado nas pesquisas e, por conseguinte, estar em situação estratégica para o Rio eleger um Senador de esquerda. Esse desentendimento quase inviabilizou a coligação entre PT e PSB no estado.
O fato é que, iniciado o período oficial da campanha, em 16 de agosto, a eleição estadual parece ainda não ter contagiado o eleitor. Segundo a última pesquisa IPEC para o governo do Rio de Janeiro, divulgada no dia 15 de agosto, o atual governador tem 21% das intenções de voto, contra 17% de Marcelo Freixo e 5% de Rodrigo Neves – os demais sete candidatos somam 15%. Quem “lidera” a disputa são os votos brancos e nulos (29%) junto com os indecisos (10%) – cenário pouco distinto da pesquisa Quaest divulgada no dia 18 de agosto na qual brancos, nulos e indecisos somam 38%. Esse panorama sugere que ou a atenção do eleitor está mesmo na disputa presidencial ou há profundo descrédito com as elites políticas do estado.
O favoritismo de Castro nesta fase inicial da campanha provém mais de uma fragmentação da oposição e da incapacidade de coordenar uma candidatura unificada do que propriamente de uma avaliação positiva do seu governo – que conta com 22% de ótimo e bom, 40% de regular e 26% de ruim ou péssimo. A maior vantagem eleitoral de Castro se dá entre moradores do interior, evangélicos, eleitores com renda entre 2 e 5 salários mínimos e pessoas com idade acima de 35 anos.
Uma das maiores dificuldades da candidatura de Marcelo Freixo é atingir a população mais pobre, religiosa e periférica. Seu melhor desempenho se dá entre os eleitores com idade até 35 anos, os que possuem ensino superior, os sem religião e os residentes na capital. Rodrigo Neves, mesmo apoiado por Eduardo Paes, não se destaca em nenhum estrato socioeconômico relevante.
A disputa pela vaga no Senado é liderada com folga pelo atual ocupante da cadeira, Romário (PL), que conta com 27% das intenções de voto. Seguido de longe por uma miríade de candidatos empatados como Daciolo (PDT) com 8%, Molon (PSB) com 7%, Clarissa Garotinho (UB) 7%, Daniel Silveira (PTB) com 6% e André Ceciliano (PT) com 4%.
Este é o cenário que abre a campanha eleitoral no estado do Rio de Janeiro: há um candidato à reeleição ao governo estadual apoiado por Bolsonaro e uma oposição com sérias dificuldades para se coordenar que apoia o ex-presidente Lula.
Felipe Borba é cientista político e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. É bolsista Jovem Cientista da Faperj e Pesquisador Produtividade PQ-2 do CNPq. Coordena o Grupo de Investigação Eleitoral (Giel) e o Observatório da Violência Política e Eleitoral (OVPE).
Vitor Peixoto é cientista político e professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e membro do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política.
por Marta Mendes
Estamos diante de um cenário em que os partidos e forças derrotadas na competição nacional têm a possibilidade de encontrar espaço na política subnacional e manter sua relevância
Por Marta Mendes da Rocha*
Luciana Santana**
Publicado no NEXO
A estrutura federativa do país, com eleições diretas em todos os níveis, abre espaço para que candidatos e partidos se articulem para maximizar seu desempenho eleitoral nos diferentes níveis da política nacional. Isso significa a possibilidade de transferência de capital político entre lideranças e candidatos estaduais e nacionais.
A importância das lideranças estaduais, por exemplo, fica evidente no esforço dos presidenciáveis em assegurar palanques nos estados como forma de ampliar sua visibilidade e mobilizar eleitores. Há expectativa de que, em 2022, a nacionalização das disputas estaduais seja mais intensa. Levantamentos recentes mostram que o ex-presidente Lula conseguiu articular palanques fortes em estados estratégicos. Bolsonaro também articulou palanques importantes, mas persistem dúvidas se seus aliados se engajarão na campanha de um presidente que amarga os piores índices de aprovação de um chefe de governo em primeiro mandato.
Para além dos efeitos na corrida presidencial, está em jogo na eleição estadual o comando político dos estados e o acesso a posições que permitam aos partidos e políticos intervirem sobre políticas públicas em áreas sensíveis para a população. Os governadores eleitos controlarão orçamentos bilionários, além do poder de nomear aliados para cargos na administração pública. Nas assembleias estaduais, a conquista de uma boa bancada é crucial para o governador eleito assegurar condições de governabilidade. Além disso, o pleito proporcional é importante para grupos minoritários que veem aí melhores possibilidades para a defesa de seus direitos.
Na política subnacional, além das peculiaridades da competição eleitoral, é importante levar em conta a diversidade inter e intrarregional. O Brasil é marcado por grande diversidade demográfica e disparidades socioeconômicas, o que faz com que algumas questões e atores adquiram maior saliência do que outros.
Não é possível, por exemplo, compreender a grande vantagem do PT nos estados do Nordeste sem considerarmos os efeitos das políticas de transferência de renda e outras políticas implementadas nos governos petistas na região voltadas para a população mais vulnerável. O predomínio do catolicismo também explica o menor apoio de Bolsonaro em seus estados.
Por outro lado, no Norte, segunda região mais pobre do país, Bolsonaro obteve vitórias importantes em 2018 e continua forte em 2022, apesar da avaliação negativa do governo entre os eleitores mais pobres. A força do bolsonarismo aqui se explica, em parte, pelos conflitos agrários e disputas envolvendo povos indígenas, ambientalistas, e grupos envolvidos com atividades predatórias (mineração, pesca ilegal e extração ilegal de madeira). A defesa da regularização de terras ocupadas ilegalmente e da expansão do agronegócio nessas regiões ajuda a explicar o apoio de certos grupos ao presidente. Além disso, sendo berço da Assembleia de Deus, conta com uma proporção significativa de evangélicos e estes foram em 2018 e ainda são, segundo as pesquisas, uma das mais importantes bases de sustentação de Bolsonaro.
No Sul e no Centro-Oeste não é de hoje que o PT encontra dificuldades na corrida presidencial e nas disputas estaduais. Na região Sul a centralidade do setor agropecuário, especialmente no Rio Grande do Sul, e sua capacidade de fazer valer seus interesses na bancada ruralista do Congresso, ajudam a entender a força de Bolsonaro. O perfil da economia do Centro-Oeste também é relevante para entender o apoio consistente a Bolsonaro. Está concentrada aí boa parte da agropecuária, com destaque para a produção de soja, voltada para exportação. Mesmo que alguns setores do agro tenham iniciado um movimento de afastamento em relação ao presidente, ele ainda conta com apoio importante do setor.
O Sudeste é um palco privilegiado da disputa presidencial pelo fato de concentrar 42% dos eleitores brasileiros. Além do processo de nacionalização das disputas, as questões da agenda estadual também devem ganhar centralidade, como o problema da segurança pública e da letalidade policial no Rio de Janeiro, além da situação fiscal já que o estado, assim como Goiás, encontra-se em RRF (Regime de Recuperação Fiscal (Minas Gerais e Rio Grande do Sul também devem aderir ao RRF).
Em todo o país, o desemprego, o aumento da insegurança alimentar e da fome, a precarização do trabalho, o aumento da população em situação de rua, e a baixa qualidade da educação, devem ocupar um espaço de destaque nos debates, nas eleições estaduais e nacionais. A saúde, que tradicionalmente figura entre as principais preocupações dos brasileiros, ganhou ainda mais relevo durante a pandemia e é provável que o desempenho dos governos estaduais no combate à crise sanitária ocupe um espaço importante na campanha. A questão ambiental, tradicionalmente ausente das campanhas eleitorais no país, deve ganhar mais espaço, devido ao expressivo aumento do desmatamento e outras atividades predatórias na região da Amazônia e do desmonte da política ambiental durante o governo Bolsonaro. É razoável que estes temas adquiram mais importância nos estados que fazem parte da Amazônia Legal, naqueles onde concentra-se a produção de grãos e de gado e nos estados com forte presença da mineração.
Estamos diante de um cenário em queos partidos e forças derrotadas na competição nacional têm a possibilidade de encontrar espaço na política subnacional e manter sua relevância. A pandemia ofereceu um exemplo desta dispersão resultante do federalismo ao opor os governadores e o presidente em relação à qual deveria ser a melhor abordagem diante da emergência sanitária.
Se por um lado o federalismo aumenta os custos de construção de consensos, ao multiplicar os atores com poder de bloquear decisões, por outro, ele oferece algumas importantes defesas democráticas. Nas eleições deste ano, marcadas por sucessivos ataques de Bolsonaro e de seus aliados ao processo eleitoral brasileiro, a coincidência das eleições estaduais e nacionais pode ser crucial como um dique de contenção. Afinal, não interessa aos candidatos que lideram a disputa e menos ainda aos futuros governadores e governadoras eleitos o levantamento de suspeitas infundadas sobre a lisura das eleições.
No que se refere às articulação entre candidatos e partidos nas arenas estadual e nacional, alguns elementos que a partir de agora prometem influenciar os rumos da eleição e aos quais devemos prestar atenção são: (1) os efeitos do início do pagamento dos auxílios da PEC 15/2022, apelidada de PEC dos Auxílios, principalmente nas regiões Norte e Nordeste que concentram a maior proporção de beneficiários; (2) a capacidade das candidaturas de Lula e Bolsonaro solucionarem impasses com aliados estaduais e evitarem rachas em suas bases; (3) o nível de engajamento dos aliados estaduais, principalmente os que estão à frente nas pesquisas, nas campanhas dos presidenciáveis, o que pode variar, em parte, em função do item 1; (4) a capacidade dos presidenciáveis transferirem seu capital político para os candidatos a governador. Isso pode ser fundamental para virar o jogo em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, por exemplo.
Marta Mendes da Rocha é professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), onde coordena o Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local). É doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisadora do CNPq. Foi pesquisadora visitante na Universidade do Texas em Austin (EUA). Webpage: martamrocha.com
Luciana Santana é professora da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e da UFPI (Universidade Federal do Piauí). Mestre e doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha). Líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da regional Nordeste da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).
por Luciana Santana
Marta Mendes
Luciana Santana
Nara Salles
O que pode ocorrer nas eleições presidenciais de 2022 por estado e região, considerando o padrão eleitoral dos últimos 20 anos? Na eleição de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu as eleições em todos os estados brasileiros, com exceção de Alagoas. A partir de 2006, contudo, as eleições para presidente passaram a ser marcadas por uma clara clivagem regional com o PT obtendo vantagem nas regiões Norte, Nordeste e nos estados de Minas Gerais e no Rio de Janeiro, e o PSDB no Centro-Oeste, Sul e estados como São Paulo e Espírito Santo.
Em 2018, outras clivagens – de gênero, raça e renda – se sobrepuseram à regional tornando ainda mais complexo o quadro das eleições nacionais. No primeiro turno, Bolsonaro, então no PSL, venceu em 16 estados, no DF e em 23 capitais; Fernando Haddad venceu em oito dos noves estados do Nordeste e no Pará e apenas em três capitais (São Luís, Teresina e Salvador); e Ciro Gomes venceu no estado que é seu berço político, o Ceará, e na sua capital, Fortaleza. No segundo turno, Fernando Haddad venceu no Ceará e no estado de Tocantins que tinha dado a vitória a Bolsonaro no primeiro turno. Bolsonaro venceu nos outros 15 estados e no DF. Nas capitais, Haddad conseguiu vencer em mais três capitais do Nordeste, Aracaju, Recife e Fortaleza.
O que esperar da corrida presidencial de 2022? Onde há perspectiva de mudança em relação ao observado na última eleição? Onde há tendência para continuidade?
A novidade pode vir do Sudeste
No Sudeste, região mais desenvolvida do país, o Partido dos Trabalhadores (PT) tem chances de recuperar a hegemonia em Minas Gerais e no Rio de Janeiro onde venceu todas as eleições presidenciais de 2002 a 2014. Em São Paulo, o PT saiu vencedor em 2002 com Lula e em 2014 com Dilma, mas perdeu quando concorreu com figuras importantes da política estadual, caso de Geraldo Alckmin em 2006 e José Serra em 2010, ambos filiados ao PSDB na ocasião. Este ano o PT tem chance de superar Bolsonaro (PL) na eleição presidencial e sair vitorioso na eleição para governador pela primeira vez no estado. No Espírito Santo, o PT não ganha a eleição desde 2006. Agora tem a chance de voltar a vencer já que Lula lidera as pesquisas e conta com o apoio do atual governador, Renato Casagrande (PSB), que também lidera na corrida pela reeleição. Mas, a eleição promete ser disputada. Na última pesquisa Quaest, no plano nacional, Lula liderava por 44% a 32%, mas no Sudeste Lula e Bolsonaro apareciam empatados com 37% das intenções de voto. Observou-se, também, uma redução da avaliação negativa do governo na região, de 49% para 41%, de janeiro a agosto de 2022.
2002 pode se repetir em 2018 na região Sul?
Nos três estados do Sul do país, a única e última vez em que o PT ganhou uma eleição presidencial foi em 2002, com Lula. Em 2018, Bolsonaro superou Haddad com 68,4% dos votos no Paraná, 63,2% no Rio Grande do Sul e incríveis 75,9% em Santa Catarina. Algumas pesquisas, este ano, sugerem mais equilíbrio. Na última pesquisa Quaest, no agregado da região, Lula superava Bolsonaro por 41% a 32%. Isso sinaliza a possibilidade de uma mudança significativa em relação às últimas eleições. Por outro lado, Bolsonaro tem a vantagem de contar com mais aliados e palanques nestes estados, além do apoio de lideranças do agronegócio.
O Norte: entre Lulistas e Bolsonaristas
Após a vitória de Bolsonaro nos dois turnos da eleição de 2018 em quase toda a região Norte – as exceções foram o Pará no primeiro turno e o Tocantins no segundo –observa-se uma tendência de aproximação do padrão de voto identificado entre 2006 e 2014. Nesse período, o PT venceu na maioria dos estados nas eleições presidenciais, no 1º e no 2º turno, mas foi sistematicamente derrotado em três localidades: Roraima, Acre e Rondônia. Esses estados são os locais onde Bolsonaro aparece na liderança das intenções de voto – excetuando o caso de Rondônia, que, como o Amapá e o Tocantins, não contou com a divulgação de pesquisas. No Amazonas e no Pará, territórios em que o PT venceu nos dois turnos entre 2002 e 2014, Lula lidera.
O PT pode voltar a ter força no Centro-Oeste?
As eleições de 2022 podem representar uma oportunidade de recuperação do PT na região Centro-Oeste, onde Bolsonaro venceu o 1º e o 2º turnos nas últimas eleições presidenciais. O movimento de derrota petista na região se iniciou em 2006, com a vitória do PSDB em todos os estados e no Distrito Federal no 1º turno. Há exceções, mas, desde então, em todas as unidades territoriais da região, o PT foi derrotado pelo PSDB e, depois, pelo PSL. As projeções para 2022 ainda indicam a preferência por Jair Bolsonaro em todos os estados desta região e no Distrito Federal. No entanto, agora de modo mais competitivo com Lula, já que as pesquisas revelam diferenças mínimas, às vezes na casa dos três pontos percentuais, entre os dois candidatos. Isso acontece no Distrito Federal, no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. Goiás aparenta manter o seu vínculo bolsonarista, já que a vantagem nas intenções de voto sobre aquelas declaradas em Lula é mais ampla. O PT, por sua vez, tem se articulado para ampliar a sua base na região.
Nordeste: a vantagem consolidada do PT se manterá?
O Nordeste é a segunda região mais populosa do país e concentra 27,11% do eleitorado, além de uma expressiva bancada no Congresso Federal. Se até o início dos anos 2000 era considerada uma região eleitoralmente conservadora devido ao passado de domínio dos “coronéis” e predomínio de lideranças tradicionais de direita, isso começou a mudar após a eleição de 2002 que deu a vitória a Lula (a única exceção foi o estado de Alagoas). Em 2018 foi a única região na qual Bolsonaro não conseguiu vencer em nenhum estado e que no segundo turno deu vitória a Fernando Haddad (PT) em sua totalidade (68% dos votos para Haddad contra 32% para Bolsonaro). A maior vitória proporcional na região veio do Piauí, onde o PT teve 77% dos votos válidos. A menor foi em Alagoas, com 59,9%. Em 2022, a história deve se repetir, é o que apontam as pesquisas eleitorais que vêm sendo realizadas nos últimos meses. Embora a avaliação negativa do presidente tenha caído de 56% para 49%, Lula continua liderando com ampla margem, 61% contra 20% de Bolsonaro
O que ainda pode mudar
A este ponto da corrida eleitoral é arriscado analisar perspectivas de mudanças e continuidades. Os partidos têm até o dia 15 de agosto para registrar suas candidaturas, o que ainda deixa espaço para novos alinhamentos e reacomodações. Com o início oficial da campanha eleitoral, no dia 16 de agosto, os candidatos terão melhores condições de testarem sua força e a de seus cabos eleitorais nos estados. Com quase metade da população avaliando o governo como ruim ou péssimo, não se sabe se os aliados de Bolsonaro nos estados irão realmente se engajar em sua campanha.
Por outro lado, especula-se se o início do pagamento dos benefícios oriundos da PEC 15/2022, apelidada de PEC dos Auxílios, terá o efeito de melhorar a avaliação do governo e tornar o cenário mais favorável para Bolsonaro, principalmente entre os mais pobres, grupo no qual ele encontra mais dificuldades. Espera-se este efeito principalmente no Nordeste, região com maior número de famílias beneficiadas pelo vale gás e pelo Auxílio Brasil. A questão em aberto é se ele será suficiente para apagar o legado dos governos petistas na região e para garantir superioridade no Sudeste, região que concentra 42% do eleitorado apto a votar este ano.
* Marta Mendes da Rocha É professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, onde coordena o Núcleo de Estudos sobre Política Local (NEPOL). Doutora em Ciência Política pela UFMG. Foi pesquisadora visitante na University of Texas at Austin. Webpage: martamrocha.com
* Luciana Santana é professora na Universidade Federal de Alagoas e do PPGCP da UFPI. Mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Universidade de Salamanca. Líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da regional Nordeste da ABCP.
* Nara Salles é pesquisadora associada ao Doxa (IESP/UERJ). Doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ. Foi pesquisadora visitante no WZB Social Science Center. Idealizadora e coordenadora do VotaAí (http://www.votaai.com.br/).