Eleições 2022: candidatura feminina é igual em qualquer lugar?

Eleições 2022: candidatura feminina é igual em qualquer lugar?

Carlos Machado, Pedro Paulo de Assis, Viviane Gonçalves Freitas e Danusa Marques

 

Discutir as condições de disputa eleitoral para mulheres, a partir da dimensão territorial, nos exige articular a desigualdade de gênero ao contexto local da concorrência política. Algumas dimensões importantes para tratar essa variação são o grau de competição política, as condições de desigualdade material e a disposição das elites políticas locais em apoiar tais candidaturas. Para além de identificar essas diferentes dimensões, no caso brasileiro, é preciso pensar em instrumentos de comparação entre as Unidades da Federação (UFs).

Um desafio para abordar as diferenças regionais refere-se a variações quanto ao peso populacional dos grupos analisados, ou seja, a quanto correspondem proporcionalmente ao todo da população. No caso da análise específica sobre as mulheres, esse aspecto é menor, dada a distribuição praticamente uniforme de gênero entre as UFs, mas o mesmo não ocorre quando consideramos a dimensão da distribuição racial no país. Para lidar com essas limitações técnicas, propomos, nesta breve análise, usar o Índice de Disparidade de Candidaturas, que, aplicado às eleições de 2014, 2018 e 2022 para a Câmara dos Deputados na distribuição das candidaturas femininas por UF, pode ser ilustrado pela figura a seguir. Quanto mais azuis, menores são os níveis de apresentação de mulheres candidatas em relação à sua proporção na população. No sentido oposto, quanto mais vermelhos, maiores são as quantidades de candidaturas femininas concorrentes naquele pleito em relação à população na UF. Nos casos das análises a seguir, o valor 0,5 equivale à igualdade de candidaturas em relação à população, situação que não ocorre em qualquer UF.

Em 2014, pela primeira vez, os partidos brasileiros cumpriram, em média, a exigência de apresentação do mínimo de 30% de candidaturas de mulheres para eleições proporcionais. Considerando os dados deste pleito, constata-se um elevado número de UFs nos patamares mínimos da apresentação de candidaturas, com destaque negativo para Maranhão, Bahia, Pernambuco, Goiás e Espírito Santo. É preciso ressaltar que a baixa apresentação de candidaturas femininas é um padrão nacional. Os pequenos desvios positivos se encontram em um conjunto de estados, sem concentração regional nítida, formado por Roraima, Amazonas, Tocantins e Mato Grosso do Sul. Já, em 2018, houve um aumento gradual nas candidaturas femininas à Câmara dos Deputados em todo o território brasileiro. 

A literatura sugere que candidaturas de grupos historicamente marginalizados tenderiam a ser menos discriminadas em ambientes com maior complexidade social, nos quais as formas de atuação política seriam menos tradicionais e patriarcalizadas. No entanto, os dados na figura acima não confirmam essa tese para as  eleições federais brasileiras, pois o aumento no lançamento de candidaturas femininas se dá nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde, historicamente, se observam cenários políticos mais tradicionais. Uma explicação alternativa pode estar associada a aspectos especificamente políticos: regiões onde há menor competitividade estariam mais abertas à entrada de candidaturas que acumularam menor capital político, abrindo a possibilidade de mulheres se posicionarem com maior frequência na disputa eleitoral. Por fim, retornando à tese vinculada aos aspectos de desenvolvimento regional, pode ser que em locais sob controle político de elites políticas tradicionais, as mulheres sejam mobilizadas a partir de clãs familiares para ocupar posição política, devido à pressão das cotas eleitorais para incentivo de candidaturas femininas.

Quando mudamos a análise para o nível de disputa, fica evidente a persistência dessas desigualdades. Nas candidaturas para as assembleias legislativas e a Câmara Legislativa do DF, apesar de se registrar um avanço no quantitativo de candidaturas entre 2014 e 2018, os patamares dessa variação são bastante tímidos, mais do que na disputa para deputada federal. Ao mesmo tempo, não se percebe variação sensível entre as UFs.

A comparação entre disputa nacional e regional permite levantar questões sobre o que significam esses jogos político-eleitorais, do ponto de vista das questões de gênero. Seria a disputa nacional uma vitrine para os partidos, na qual sua maior exposição os levaria a avançar com demandas sociais de mais amplo escopo, como a sobre maior representação feminina? Os partidos deixariam o jogo político sem grandes alterações no âmbito onde há menor visibilidade nacional, em uma política mais paroquial, justificando a baixa variação de candidaturas na arena estadual? Essas perguntas de pesquisa, que podem guiar estudos futuros, trazem em si possibilidades para se compreender mais especificamente as relações entre desigualdades de gênero e sua manifestação nos territórios.

 

Carlos Machado é professor de ciência política no Ipol-UnB (Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília), onde coordena o Núcleo de Pesquisa Flora Tristán. É coautor do livro “Raça e eleições no Brasil” (Zouk, 2020). Pesquisa partidos políticos, sistemas eleitorais, raça, gênero e política.

Pedro Paulo de Assis é doutor em ciência política pela UFSCar. Pesquisador do Centro de Estudos em Partidos Políticos da UFSCar e coordenador do projeto OddsPointer.

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

Danusa Marques é diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán, associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política, é coorganizadora de “Feminismos em Rede” (Zouk, 2019). Pesquisa elites políticas, eleições e gênero.

Novas regras eleitorais nas eleições de 2022 e as chances das candidatas

Novas regras eleitorais nas eleições de 2022 e as chances das candidatas

Clara Araújo, Lucas Okato e Marcus Chevitarese*

Nos últimos anos foram aprovadas leis visando tornar as cotas de gênero nas candidaturas legislativas mais eficazes. Foram instituídas ainda regras destinadas a reduzir a fragmentação partidária. 

Em 2021 foram transformadas em leis e incorporadas à Constituição (PEC 111) resoluções do STF e TSE sobre a distribuição de no mínimo 30% dos recursos dos fundos eleitoral e partidário e do tempo de horário de propaganda gratuita eleitoral  às candidaturas femininas e  negras. Aprovou-se, também, lei definindo que votos dados às mulheres e pessoas negras nas eleições de deputado federal contarão em dobro na distribuição de recursos do Fundo Eleitoral e do tempo da propaganda gratuita partidária.

Quanto ao sistema partidário e à representação parlamentar, está em andamento a cláusula de barreira, que ampliou exigências de desempenho partidário no número de votos válidos e de parlamentares a serem eleitos.

Como essas medidas podem impactar as candidaturas femininas?  

Dados recém divulgados pelo TSE permitem análise preliminar sobre aspecto específico da seleção de candidaturas: o fator “capital eleitoral” na disputa para a Câmara dos Deputados e as chances de eleição segundo esse tipo de capital. Aqui, a categoria “capital eleitoral” abarca candidatos detentores de cargos eletivos: os que tentam reeleição e os que têm outros cargos políticos eletivos – senadores, deputados estaduais, vereadores e prefeitos – e disputam vaga para deputado federal. 

Primeiro, houve aumento geral das candidaturas aos cargos legislativos no período e maior entre candidaturas femininas. No Senado, comparando-se 2022 com 2014 (renovação de 1/3 dos cargos), o total de candidatos aumentou em 26,2%. As candidaturas de mulheres corresponderam a 18,9% do total em 2014 e a 23,1% em 2022. Cabe lembrar que a lei não prevê cotas de gênero para o Senado.

Nas assembleias legislativas e Câmara dos Deputados, as porcentagens mínimas de candidaturas por gênero só foram de fato alcançadas no ano de 2018. É um provável efeito de maior rigor na fiscalização eleitoral e das resoluções sobre a aplicação dos 30% na distribuição dos recursos financeiros.

Nas assembleias legislativas, o total de candidatos aumentou 12,8% entre 2014 e 2018, mas apenas 2,2% entre 2018 e 2022.  As mulheres responderam por 29,1% em 2014, 31,1% em 2018 e em 2022 são 33,1% do total de candidatos.

Para o cargo de deputado federal, entre 2014 e 2018 o total de candidatos cresceu 30,3% e entre 2018 e 2022 aumentou 36,4% . As mulheres foram 29,4 % dos candidatos em 2014 e 31,7% em 2018. Em 2022 elas são 34,7% dos candidatos ao cargo de deputado federal.  

Proporcionalmente, as candidaturas de pessoas pretas foram as que mais cresceram. Em relação ao Senado, em 2014 tivemos 8,6% de candidatos pretos. Em 2022, esse percentual foi de 9,4%. Em 2014, tivemos 9,6% e 8,8% de candidaturas de pessoas pretas à Câmara Federal e assembleias legislativas, respectivamente. Já em 2022 os valores percentuais foram de 13,9% e 14,2%. Esse crescimento foi maior entre mulheres pretas. 

Segundo aspecto a destacar é que o maior crescimento de candidaturas deu-se para o cargo de deputado federal entre 2018 e 2022 e, comparativamente, o aumento foi maior entre as mulheres. Chama atenção ainda que esses crescimentos ocorrem após nova regra eleitoral (Lei nº 14.211/2021) que, em tese, reduziu em 50% ou mais o número total de candidatos a serem lançados por cada partido (ou federação).

Como se sabe, as candidaturas para esses cargos tendem a ser mais onerosas do que para as disputas legislativas estaduais. São também mais seletivas, exigem maior nível de articulação política e são mais competitivas. Como então ler essas tendências e possíveis efeitos sobre as mulheres?

Nestas eleições os partidos necessitam de muitos votos a fim de alcançarem o quociente eleitoral. Há proibição das coligações proporcionais. Com exceção das três federações criadas, Federação Brasil da Esperança (Fe Brasil) – PT, PCdoB e PV; Federação PSDB Cidadania – PSDB e Cidadania, e Federação PSOL REDE – PSOL e Rede, nestas eleições os partidos necessitarão de bem mais votos para eleger um parlamentar. 

Relacionado com os dois itens, está a distribuição de recursos financeiros futuros, que depende da performance eleitoral dos partidos. Ao mesmo tempo, os recursos do Fundo Eleitoral cresceram consideravelmente entre 2018 e 2022 – de R$ 1,7 bilhão para 4,9 bilhões, o que tende a tornar as campanhas individualmente menos custosas. Por fim, vale lembrar que os cálculos formais para esses requisitos terão por base os resultados dos partidos para a Câmara dos Deputados. 

Logo, obter muitos votos nas disputas federais e eleger o máximo de candidatos possíveis é questão de sobrevivência partidária. Votações expressivas dependerão de vários fatores, não possíveis de serem detalhados ainda. Mas analisando apenas sob o ângulo das candidaturas “já testadas” (com “capital eleitoral”), pode-se dizer que esses candidatos têm vantagens comparativas em relação à média dos concorrentes. Nesta eleição cresce a importância de tais perfis e é esperado que mulheres selecionadas como candidatas respondam também a essa lógica. A seguir apresentamos os dados para as três categorias segundo o gênero nas últimas três eleições gerais:

A proporção de mulheres “sem cargos” é sistematicamente maior do que a de homens “sem cargos”, assim como a de concorrentes à reeleição é sistematicamente menor.  

A distribuição interna a cada gênero mostra que, em 2018, o número de candidatas “sem cargos” aumentou, provavelmente em razão da determinação do STF sobre recursos financeiros. Em 2022, crescem as categorias “outros cargos” e “reeleição”. Candidatos que detinham outros cargos eletivos decrescem em 2018, mas voltaram a crescer em 2022 para ambos os gêneros. A “reeleição” cresce também, mas na proporção de cerca de cinco candidatos para uma candidata. 

A distribuição dos “com capital” por gênero e segundo os anos de eleição, mostra aumento considerável no perfil das candidaturas “outros cargos”, mais expressivo entre mulheres do que entre homens. 

Pode-se indicar um impacto inicial positivo sobre as mulheres em razão das medidas mencionadas. Como sugerido, as chances de eleição desses perfis de candidaturas tendem a ser mais elevadas do que a média. Em 2014 e 2018 as taxas de sucesso entre aqueles que detinham cargos eletivos foram elevadas para ambos os sexos, embora mais elevadas para os homens. Em 2014, entre aqueles que concorriam “sem cargos” essas taxas foram 3,6% para homens e 1% para mulheres. Entre os que concorriam ao cargo de deputado federal e eram detentores de outros cargos, as chances foram, respectivamente, de 14,5% e 13,1% e entre os candidatos à reeleição as chances foram 74,3% e 60%. Em 2018, entre aqueles que concorriam sem cargos, as taxas de sucesso dos homens eram de 4,5% e das mulheres de 1,8%. Entre aqueles que concorriam aos cargos de deputado federal e eram detentores de outros cargos, essas taxas foram, respectivamente, de 5,6% e de 6,0% e entre aqueles que concorriam à reeleição, a taxa de sucesso dos homens foi de 61,7% e a das mulheres de 65%. Quando concorreram sem cargos, os homens tiveram bem mais chances do que as mulheres nos dois pleitos, mas em 2018 há uma inversão entre aqueles detentores de cargos. 

Com o estímulo da contagem do voto das mulheres em dobro para a distribuição de recursos do fundo, em que medida essa taxa de sucesso repetirá os padrões anteriores? Podemos esperar resultados mais promissores para as mulheres diante dos contextos e das novas regras? Resta verificar como os partidos irão ou não investir nessas candidaturas em termos de recursos financeiros e estratégicos e qual será o impacto nas eleições.

 

Clara Araújo é doutora em Ciências Sociais e professora do PPCIS/UERJ;

Lucas Okato é doutor em Ciência Política e professor da UFPa;  

Marcus Chevitarese é doutor em Ciência Política e analista de dados na Câmara dos Deputados.

A aposta dos partidos nas candidaturas femininas para a Câmara dos Deputados

A aposta dos partidos nas candidaturas femininas para a Câmara dos Deputados

Carlos Machado, Danusa Marques e Viviane Gonçalves Freitas

Pubicado na Carta Capital

 

Um dos dilemas para entender a dinâmica eleitoral no Brasil está em como analisar um sistema partidário tão fragmentado, ou seja, com uma alta quantidade de partidos políticos registrados. A título de ilustração, há 32 legendas autorizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a participar da disputa eleitoral de 2022. Para facilitar a comparação e compreensão sobre os partidos, frequentemente acabamos selecionando alguns casos para análise, normalmente aqueles com maior expressão eleitoral nacional.

No entanto, excluir as legendas de menor porte da análise significa desconsiderar a expressão profunda das desigualdades partidárias no Brasil. As chances de uma legenda lançar mais candidaturas femininas e de pessoas negras variam de acordo com seu porte eleitoral, sendo a ideologia apenas um segundo aspecto neste processo. A lista de candidaturas é proporcionalmente mais diversa (com mulheres e pessoas negras, por exemplo) entre aqueles partidos de menor porte. Os considerados pequenos são aqueles que conquistaram poucas cadeiras nas eleições anteriores, o que configura um indicador prévio de que são pouco competitivos. A maior presença de mulheres e pessoas negras entre suas candidaturas é reflexo da violência institucional que incide sobre grupos demograficamente majoritários, embora politicamente periféricos, que encontram mais dificuldades em se viabilizar em partidos maiores e significativamente estabelecidos.

Reconhecer que partidos pequenos, como PCdoB, PCB e PSTU (em 2014), PCO e PMB (em 2018) e PCdoB e UP (em 2022), foram mais abertos à apresentação de candidaturas mais diversas para a Câmara dos Deputados ajuda a compreender as dificuldades de entrada no campo político. Para se entender as desigualdades políticas, é importante considerar que os partidos não são todos iguais e variam quanto à sua capacidade organizativa, tanto na apresentação de candidaturas como na habilidade de angariar recursos financeiros e organizativos suficientes para viabilizar a eleição de postulantes.

O conjunto das candidaturas a deputado/a federal pode apresentar desigualdades internas relevantes não só quanto ao gênero, mas também quanto às características raciais. Em 2014, 81% das candidaturas femininas do PMDB eram de mulheres brancas, seguido por PV e PRTB (67%) e PSDB e Patriota (63%). Nas eleições de 2018, PV, PSDB, MDB, PRB, PROS e PSL apresentaram mais de 60% de mulheres brancas entre as candidatas que buscavam vaga na Câmara dos Deputados. No mesmo pleito, 48% das mais de 200 candidatas do PSOL eram brancas. 

Quatro anos depois, em 2022, este pódio é composto por PL (60%), Republicanos e União Brasil (55%). Nesta eleição, o inverso ocorre com PT, PSOL e AVANTE, que apresentam mais de 60% de candidaturas femininas pretas e pardas. O contraste entre as candidaturas femininas nos partidos indica que não é suficiente considerar apenas se há uma inserção maior de mulheres na corrida eleitoral em um ou outro partido, mas também que é necessário analisar qual é a distribuição racial destas candidaturas – um poderoso indicador de diversidade do perfil de recrutamento político dos partidos, o que diretamente tem reflexo nos problemas políticos mobilizados por essas candidatas.

* Foram selecionados os partidos que apresentaram maior quantidade absoluta de candidaturas à Câmara dos Deputados, considerando aqueles com valor superior à mediana.

Fonte: Site do TSE (2022) / Colaboração Pedro Paulo de Assis

Nas eleições de 2014, os partidos que mais elegeram mulheres apresentaram uma taxa de sucesso média de 6,7% de suas candidatas vitoriosas, sendo que apenas PCdoB e PT se destacaram, respectivamente, com 12,5% e 7,2%. Porém, ao considerar as seis mulheres negras eleitas neste pleito, é importante ressaltar que elas se concentraram no PCdoB (3), PRB (2) e PSB (1), sendo que cada um desses partidos, respectivamente, apresentou taxa de sucesso de mulheres negras de 9,3%, 2,3% e 0,7%.

Nas eleições de 2018, quando houve uma importante mudança no entendimento das regras de distribuição do financiamento eleitoral público e do tempo de TV e rádio para a propaganda eleitoral pública, reservando 30% para as candidaturas femininas (Resolução TSE nº 23.575/2018), houve um incremento de 50% na eleição de mulheres para a Câmara dos Deputados (de 10%, em 2015, para 15%, em 2018 – um grande crescimento sobre um percentual muito baixo). Aqui, notamos que há uma maior quantidade de partidos que elegeram mulheres no geral, assim como especificamente deputadas negras. Porém, a taxa de sucesso feminina (eleitas/candidatas), permaneceu baixa. 

Em 2018, as maiores taxas de sucesso de candidaturas femininas no geral são observadas nas seguintes legendas: PP (12,8%), PR (12%), PSDB (8,4%) e PCdoB (8%). Neste mesmo pleito, para as mulheres negras, houve um aumento significativo de 46% nas cadeiras conquistadas; mas, em números absolutos, isso representa sair de seis eleitas em 2014 para 13, em 2018 – entre 513 cadeiras em disputa. Quatro anos atrás, as maiores taxas de sucesso foram de PSDB, PCdoB e PR, todos com valor de 2%, mostrando como a eleição de 2018 continuou sendo de baixíssima chance de vitória para as mulheres negras que se candidataram.

*Partidos que elegeram alguma deputada federal em 2018.

Fonte: Site do TSE (2022) / Colaboração Pedro Paulo de Assis

Foi apenas em 2014 que, finalmente, se atingiu o percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas nas listas partidárias, exigido desde 2000, pelas cotas de gênero, expressas na Lei Eleitoral 9.504/97. Desde essa eleição, percebemos que não há um viés ideológico claro entre quem recruta mais ou menos mulheres candidatas. Isso é esperado, porque todos os partidos, necessariamente, precisam apresentar o mínimo de 30% de candidatas em suas listas. O que os dados mostram é que este piso passou a ser tratado como um teto pelos partidos: em vez de se caminhar rumo à paridade de gênero, que é uma demanda por justiça na representação que diversos países vizinhos já atingiram, o terço das candidaturas passou a ser um máximo informal. Entretanto, quando observamos as características raciais dessas candidaturas femininas, fica evidente um viés mais branco entre partidos de direita e centro, enquanto partidos de esquerda são mais abertos a candidaturas de mulheres negras. 

Quanto às eleitas, há dispersão partidária de 2014 para 2018. Devido ao número muito baixo de mulheres negras eleitas, a análise comparativa entre os partidos se vê prejudicada. Ainda assim, o fato de que a taxa de sucesso mais alta de candidaturas de mulheres negras é de 2% representa um forte indicativo de que há necessidade de os partidos registrarem uma quantidade muito maior de candidaturas negras para viabilizar um número, mesmo que ainda bem pequeno, de eleitas. Evidentemente, esta mesma baixa taxa de sucesso é um indicativo forte de que essas candidatas urgentemente precisam acessar as estruturas de financiamento e recursos organizativos partidários para serem competitivas.

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Carlos Machado é professor de ciência política no Ipol-UnB (Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília), onde coordena o Núcleo de Pesquisa Flora Tristán. É coautor do livro “Raça e eleições no Brasil” (Zouk, 2020). Pesquisa partidos políticos, sistemas eleitorais, raça, gênero e política.

 

Danusa Marques é diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán, associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política, é coorganizadora de “Feminismos em Rede” (Zouk, 2019). Pesquisa elites políticas, eleições e gênero

 

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

 

A preparação dos dados para o artigo foi feita por Pedro Paulo Ferreira Bispo de Assis.

Os tons femininos na eleição em Pernambuco

Priscila Lapa e Luciana Santana*

Publicado na Revista Nordeste

O cenário da disputa para o Governo de Pernambuco em 2022 não traz exatamente novidades no que tange ao número de mulheres candidatas. Dos dez postulantes, três são mulheres: Marília Arraes (Solidariedade); Raquel Lyra (PSDB) e Cláudia Ribeiro (PSTU). Em 2018, o número era proporcionalmente maior: três entre sete candidatos (Dani Portela, PSOL; Simone Fontana, PSTU e Ana Patrícia Alves, PCO). Para o Senado, na eleição anterior, dos doze candidatos, eram quatro mulheres (Albanise, PSOL; Eugênia, PSOL; Adriana Rocha, REDE e Lidia Brunes, PROS). Nenhuma delas se elegeu. Em 2022, dos nove postulantes, quatro são mulheres (Teresa Leitão, PT; Roberta Rita, PCO;  Eugênia Lima, PSOL e Dayse Medeiros, PSTU). 

Há maior presença das mulheres nas eleições no estado como candidatas a vice-governadora. Das dez candidaturas em disputa, oito têm mulheres como vice. Na chapa governista, que tem o deputado federal Danilo Cabral (PSB) como candidato, foi escolhida como vice a atual vice-governadora do estado Luciana Santos. O ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Anderson Ferreira (PL) escolheu como vice Izabel Urquiza, que foi secretária de desenvolvimento econômico de Olinda. O candidato da União Brasil Miguel Coelho escolheu a deputada estadual Alessandra Vieira como vice.

O Partido da Mulher Brasileira (PMB) tem como candidato Jadílson “Bombeiro”, sargento do Corpo de Bombeiros Militares de Pernambuco, e, como vice,  a bombeira militar Rose Viana. Já a federação partidária formada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pela Rede Sustentabilidade (Rede) lançou o advogado João Arnaldo (PSOL) para governador e para vice Alice Gabino (Rede). Jones Manoel, do PCB, tem como vice a assistente social Raline Almeida. A ex-prefeita de Caruaru Raquel Lyra (PSDB) escolheu como vice a deputada estadual Priscila Krause (CD). Outra mulher que concorre a vice é a advogada petrolinense Carol Tosaka, que compõe a chapa de Wellington Carneiro (PTB)

 

Desempenho das mulheres nas pesquisas de opinião

 

Até o momento, as pesquisas de opinião apontam como favoritas duas mulheres: Marília Arraes (Solidariedade) e Raquel Lyra (PSDB), ainda que a segunda colocação permaneça indefinida, de acordo com as pesquisas de opinião realizadas ao longo do mês de agosto. 

Na última rodada da pesquisa IPEC, divulgada em 30/08, Marília Arraes aparecia na liderança com 33% das intenções de voto, seguida pela ex-prefeita de Caruaru, Raquel Lyra, que pontuou 12%. O ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Anderson Ferreira, marcou 11%. Esses percentuais são bem próximos dos apontados pelo Agregador de Pesquisas JC/Oddspointer, que realiza o cálculo da média de todas as pesquisas de intenção de votos para governador em Pernambuco. Os dados do dia 5 de setembro mostravam estabilidade na disputa, com Marília atingindo 32,9% de intenção de votos, imediatamente seguida por Lyra, com 11,7%. O terceiro colocado, Anderson Ferreira, teria 10,9%.

Marília Arraes vem ocupando protagonismo político no estado há alguns ciclos eleitorais. O ato de saída do PT para disputar o governo pelo Solidariedade, em março deste ano, é, até o momento, um dos pontos de destaque das eleições de 2022. Quem acompanhou a disputa para prefeitura do Recife, em 2020, lembra como Marília se afirmou como liderança política, ainda que não tenha sido vencedora nas urnas. Antes disso, ela já era uma personagem pelo qual passavam as relações entre o PT e o PSB de Pernambuco. Todas as vezes em que se colocava como candidata, aparecia como favorita, para desespero de adversários e aliados.

É sabido que a renovação da aliança entre socialistas e petistas, em 2018, passou pela decisão do PT de barrar as intenções de Marília ser candidata ao executivo estadual. Naquele ano, elegeu-se deputada federal, com a segunda maior votação do estado (193.108 votos), ficando atrás apenas do seu primo João Campos (PSB), com quem disputaria, dois anos depois, o segundo turno da eleição na capital. Após uma disputa marcada pelos ataques, Marília passou a demonstrar insatisfação pela forma como o PT, até então seu partido, mantinha aliança com o PSB, o que certamente faria com que, possivelmente, suas pretensões fossem novamente sacrificadas em nome da aliança.

Desde que anunciou sua candidatura pelo Solidariedade, Marília Arraes é a candidata líder em intenções de voto em todas as pesquisas. Antes, a liderança era de Raquel Lyra (PSDB), que foi deputada estadual e secretária da infância e juventude, no governo Eduardo Campos, além de ter sido reeleita prefeita de Caruaru, em 2020, com 114.466 votos (66,86%) do total. A tucana foi a primeira mulher a assumir a gestão do município, quando foi eleita em 2016. Como candidata a governadora, Lyra enfrenta o desafio da divisão de votos da oposição entre candidatos com um perfil e posicionamento político, até certo ponto, similar ao seu, como é o caso de Miguel Coelho (União Brasil) e Anderson Ferreira (PL), igualmente lideranças jovens e com experiência no executivo municipal atestada pelas urnas.

Apoiadora de Simone Tebet (MDB), Raquel tem fugido do discurso nacionalizado, afirmando que “o que importa é discutir os problemas da vida real”. Sua principal adversária, Marília Arraes (Solidariedade) caminha no sentido oposto: traz o ex-presidente Lula (PT) como principal cabo eleitoral, apesar de Danilo Cabral (PSB) ser o candidato oficial de Lula. Na visita que realizou ao estado, o presidenciável pôde presenciar que o palanque da Frente Popular tem um desafio duplo: desconstruir o discurso da oposição protagonizada pelo trio Raquel/Anderson/Miguel; e vencer a potência que a candidatura de Marília Arraes assumiu, ao agregar lideranças políticas insatisfeitas com o desgaste do material político do PSB.

 

O protagonismo feminino na disputa pelo governo pernambucano

 

Independentemente do resultado no próximo mês de outubro, esta já é a disputa com maior protagonismo das mulheres na história do estado. Não exatamente com uma agenda essencialmente feminista, essas lideranças cumprem um papel importante no rompimento da cultura que determina às mulheres um espaço secundário na política. Jovens, impõem a sua presença não apenas pela herança política que carregam (ambas têm origem política familiar), mas pela demonstração de protagonismo na condução das suas trajetórias. Bancando suas escolhas, elas provam que outros tons são possíveis e desejáveis nas disputas atuais.

Priscila Lapa é doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, possui graduação em Comunicação Social (Jornalismo) e em Serviço Social. Professora na Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO) e Analista Técnica no SEBRAE-PE, atuando na área de Políticas Públicas. 

 

Luciana Santana é professora da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e da UFPI (Universidade Federal do Piauí). Mestre e doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha). Líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia e diretora da regional Nordeste da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).

Perfis de gênero nas eleições: idade, conjugalidade e escolaridade

Perfis de gênero nas eleições: idade, conjugalidade e escolaridade

Flávia Biroli, Marlise Matos e Breno Cypriano*

Publicado no Congresso em Foco

Em 2022, as mulheres são 35% das pessoas que se candidataram à Câmara dos Deputados, um aumento tímido em relação aos 32% de 2018 e 29% de 2014. As mulheres negras, o grupo demográfico mais numeroso no país, seguem minoria na política e é entre as mulheres pretas que o percentual de candidaturas mais aumentou: de 3% em 2014, passaram a ser 4% em 2018 e, em 2022, são 6% das candidaturas ao legislativo federal. É preciso fiscalizar o cumprimento, pelos partidos, da legislação que, desde 2018, determina um mínimo de 30% do fundo eleitoral partidário para as candidaturas de mulheres e garante isonomia para as candidaturas negras. 

Ao mesmo tempo, a violência política não pode comprometer a cidadania política e mesmo a vida das mulheres, chamando a um compromisso coletivo com a democracia, com investigação e punição dos culpados, nos termos da legislação específica existente desde 2021. Com apoio dos partidos e mais segurança, é possível que se ampliem as taxas de sucesso eleitoral, que têm sido baixas entre as mulheres: 3% em 2014 e 2018, contra 11% e 8% no caso dos homens, nos mesmos pleitos. Esse é o quadro geral em que as mulheres concorrem. 

Mas quem são as mulheres candidatas? Seu perfil tem se modificado ao longo dos anos? Para responder a essas perguntas, verificamos os registros de candidaturas observando idade, conjugalidade e escolaridade. A média de idade das pessoas que concorrem à Câmara dos Deputados tem aumentado nos últimos pleitos. A diferença entre mulheres e homens fica em torno de 3 pontos percentuais, com um leve aumento nessas eleições. Em 2014, a idade média delas era de 45,5 anos, a deles de 48,8. Em 2018 e 2022, ela foi, respectivamente, de 46,4 e 46,9 anos no caso delas e de 48,9 e 50 anos no caso deles. As médias de idade das candidaturas de mulheres e homens negros em todos os pleitos foram menores do que as candidaturas de mulheres e homens brancos. Cabe destacar uma tendência na série temporal de aumento nessa diferença: entre as mulheres, de 2014 a 2022 vai de 0,27 para 1,52 anos, enquanto entre os homens passa de 1,28 para 2,42 anos. Quando observamos apenas as candidaturas à reeleição, a idade média em geral se eleva, mas a delas foi levemente superior a deles em 2014 e 2018, algo que se inverteu em 2022, em que eles têm em média de 53,3 e elas de 51,7 anos. 

Quando observamos conjugalidade, os perfis são mais diferenciados em termos de gênero do que por idade.

As mulheres que disputam uma vaga na Câmara dos Deputados são predominantemente solteiras, enquanto os homens predominantemente casados. Entre as que disputaram eleições em 2014, 39% eram casadas. Esse percentual subiu para 41,2% em 2018 e voltou a 39% em 2022. Entre eles, houve leve queda no percentual de casados, mas permanecem os 20 pontos percentuais acima do delas: 63,3% de candidatos homens eram casados em 2014, 61% em 2018 e 59,5% em 2022. O percentual de candidatas mulheres divorciadas e separadas judicialmente, por sua vez, se ampliou nesse período, partindo de 15,8% e 15,5% em 2014 e 2018, para chegar a 18,3% em 2022. Entre eles, esses percentuais são mais baixos e mais estáveis, ficando próximos a 12% em todas as eleições. Entre as pessoas que buscam a reeleição, o percentual de casados aumenta, chegando a 74% entre os homens e 49,2% entre as mulheres, em 2022. Chama a atenção, no entanto, que entre os homens que buscam reeleger-se, o percentual de divorciados e separados se mantenha estável em 2022, reduzindo-se o percentual de solteiros. Já no caso delas, o percentual de divorciadas e separadas foi dos 18,3% mencionados acima para 20,6%.

O perfil conjugal não é, no entanto, homogêneo entre as mulheres. Entre as candidatas brancas, em 2022, 41,2% são mulheres casadas, 21,6% divorciadas e separadas e 32,7% solteiras. Já as mulheres negras têm mais concentração de solteiras (43,6%) e menos de casadas e divorciadas ou separadas (37,1% e 15,4%, respectivamente). Se tomamos os estudos e dados disponíveis sobre divisão sexual do trabalho e usos do tempo, podemos levantar como hipótese que a sobrecarga de trabalho assumida pelas mulheres com o casamento, em especial quando elas têm filhos, é um obstáculo adicional para a sua participação na política, sem que o mesmo aconteça para os homens. Códigos culturais de natureza patriarcal podem também se traduzir em maior apoio familiar para eles, quando decidem trilhar a carreira política. 

Por fim, analisamos o perfil de gênero e raça em termos de escolaridade. Na população brasileira, as mulheres hoje têm níveis de educação formal superiores aos homens. Apesar disso, entre as candidaturas ao cargo de deputado federal, elas se apresentam com níveis médios de instrução levemente menores que os deles, nos três pleitos considerados. Em 2014, 44,7% das mulheres e 53,9% dos homens tinham nível superior completo. Em 2018, o percentual de pessoas com superior completo aumenta e a diferença entre o contingente de mulheres e de homens candidatos com esse nível de instrução diminuiu um pouco: com 50,3% e 57,2% com superior completo. Já em 2022, o percentual de mulheres candidatas que completaram a universidade ficou bem próximo ao de candidatos, sendo 57,8% no caso delas e 58,6% no deles. 

Se, entre as candidaturas em geral, o percentual de pessoas com ensino superior é mais do que o dobro daquele da população brasileira, quando observamos apenas as candidaturas à reeleição, dois aspectos chamam a atenção. Em primeiro lugar, a fatia de candidaturas com nível superior completo salta para a casa dos 80% para elas e para eles. Em segundo, em 2022, o percentual de mulheres candidatas à reeleição com ensino superior completo foi maior que o deles, sendo de 90,5% para elas, contra 81,7% para eles. Tal elevação pode indicar que para manter-se na carreira política elas precisam contar com maior qualificação (e, se pensamos na educação como um indicador de posição socioeconômica, também renda), num patamar mais elevado do o deles.    

Mas a questão racial é fundamental aqui. A diferença de pontos percentuais de candidaturas com ensino superior completo é de 15,2 entre as mulheres brancas e negras, em favor das primeiras, e de 17,1 entre os homens brancos e negros, também explicitando o acesso maior dos brancos aos níveis mais altos de instrução.

As diferenças de gênero e raça aparecem mais acentuadamente quando se trata de candidaturas à reeleição que são, em geral, de pessoas mais velhas, geralmente casadas e, sendo mulheres, mais escolarizadas; revela-se, assim, o perfil predominante do provável parlamento que virá a se constituir. O problema está no afunilamento que leva às formas atuais de sub e sobrerrepresentação.

 

Flávia Biroli é doutora em História pela Unicamp (2003). É professora do Instituto de Ciência Política da UnB, pesquisadora do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (2018-20). É autora, entre outros, de Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil (Boitempo, 2018) e Gênero, neoconservadorismo e democracia (com Maria das Dores C. Machado e Juan Vaggione, Boitempo, 2020).

Marlise Matos é professora associada de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM) e do Centro do Interesse Feminista e de Gênero (CIFG) da UFMG.  Co-presidenta do RC32 Gênero e Sociedade da Associação Internacional de Sociologia (ISA) 2022/2023.

Breno Cypriano é doutor em Ciência Política pela UFMG, pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM) e associado à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política.

Sobrerrepresentados: os candidatos policiais e militares nas eleições de 2022

Sobrerrepresentados: os candidatos policiais e militares nas eleições de 2022

Pedro Paulo Assis, Flávia Biroli e Viviane Gonçalves

 

Espelhar a população. Em tese, essa é a ideia que fundamenta o método das eleições de parlamentares para a Câmara dos Deputados e para as Assembleias Legislativas. Eleições proporcionais visam, normativamente, a correspondência entre os representantes e o conjunto diverso do eleitorado. É algo que não tem sido alcançado porque, historicamente, os que têm tido mais oportunidades de se candidatar e vencer são homens brancos, que desempenham ocupações de empresários e advogados. Nas eleições deste ano, um novo setor vem se somando aos sobrerrepresentados: candidaturas policiais e militares destacam-se entre as profissões mais frequentemente exercidas pelos postulantes.

Isso está relacionado ao ambiente político-ideológico do país, que faz do momento atual aquele com maior participação das forças de segurança na política, desde a ditadura militar de 1964. Destacam-se, na esteira da crise política recente e diante da insegurança da população no seu cotidiano.

Segundo o Instituto Ranking Brasil, em junho/2021, as Forças Armadas e as polícias (Federal, Civil e Militar) apareciam na terceira (15,7%) e na quarta (13,6%) posição do ranking quanto ao grau de confiabilidade que os brasileiros tinham nas instituições públicas e civis. Ficavam atrás apenas do Corpo de Bombeiros e do Serviço de Assistência Médica de Urgência (Samu), com 25,10%, e de igrejas e líderes religiosos (padres, pastores e outros), que contabilizavam 16,23%. Neste contexto, procuramos compreender o perfil de candidatos e candidatas da área de segurança, nas reflexões que se seguem.

De acordo com o levantamento do Informe de Análise – Candidaturas de Profissionais da Segurança Pública – 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, neste ano 1.888 candidatos são oriundos das forças de segurança pública e defesa, frente a 1.469 candidatos na eleição de 2018. O crescimento de 28,5% das candidaturas do setor tem cinco ocupações principais informadas pelos pleiteantes: policial militar (824), militar reformado (244), policial civil (192), bombeiro militar (119) e membro das Forças Armadas (60).

Restringindo às candidaturas legislativas, a ascensão do grupo é evidente nas últimas três eleições nacionais, de acordo com dados extraídos do site do TSE (21/08/2022). Conjuntamente, a quantidade de candidatos para as Assembleias Legislativas com carreiras militares e policiais citadas cresceu 20%, de 2014 a 2018, e 17%, de 2018 a 2022, apresentando 797 candidaturas na presente eleição. Já na disputa proporcional nacional, o avanço desses pleiteantes é mais avassalador – 47%, de 2014 a 2018, e 73%, de 2018 a 2022, registrando agora 550 candidatos a deputado federal. Como no montante geral, em 2022, prevalecem, nessas candidaturas estaduais e nacionais, os policiais militares (60% e 55%), os militares reformados (16% e 19%) e os policiais civis (15% e 12%), respectivamente.

Há variações significativas entre os estados. O Rio de Janeiro, um dos maiores colégios eleitorais do Brasil (com 8,2% do eleitorado), concentra as candidaturas legislativas do setor: 17,2% dos deputados estaduais e 14,2% dos deputados federais. De 2014 a 2018, chama a atenção o aumento dessas candidaturas em São Paulo. Considerando o total do grupo no país, no intervalo mencionado, a taxa de candidatos paulistas policiais e militares subiu de 6,5% para 13,5% para o legislativo estadual e teve leve redução, de 13,4% para 11,3%, para o legislativo federal. Bahia, Pará, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal e Amazonas também ampliaram consideravelmente a presença do setor das forças de segurança pública e defesa em suas listas de pleiteantes a vagas nas casas legislativas.

As legendas de direita têm concentrado fatias cada vez maiores dessas candidaturas. Nas eleições de 2014 para deputado estadual, policiais e militares candidatos estavam assim distribuídos: 56% em partidos de direita, 23% em partidos de centro e 21% em partidos de esquerda. Já na atual eleição estadual, as listas partidárias do setor registram 76% em partidos de direita, 19% em partidos de centro e 5% em partidos de esquerda. No pleito para a Câmara dos Deputados, a tendência foi bem semelhante: entre 2014 e 2022, os candidatos militares e policiais em partidos de direita passaram de 58% para 77%, e decresceram em partidos de centro (de 24% a 17%) e de esquerda (de 18% a 6%). Nessa migração para a direita dos candidatos das forças de segurança, destacam-se as novas-velhas legendas do sistema partidário, ou seja, partidos recentemente repaginados e (re)fundados (União Brasil, Republicanos, Avante, Patriota e Solidariedade) ou legendas mais experimentadas (PL, PTB, PRTB e PP).

As candidaturas legislativas de policiais e militares estão mais concentradas entre os homens do que entre as mulheres, representando 88% das primeiras e 12% das últimas, nas eleições de 2022. No pleito de 2014, entre as candidaturas para deputado federal, 88% eram deles e 12%, delas. Em 2018 e 2022, esses percentuais passam a 91% e 83% (homens) e a 9% e 17% (mulheres), respectivamente. Nesse sentido, cabe observar que o aumento da participação das mulheres nas Forças Armadas, que vem sendo registrado nos últimos anos, é mais lento do que seu avanço nas candidaturas. Em junho de 2021, elas representavam 9% do quadro. Sete anos antes, em 2014, este percentual era de 7%. Proporcionalmente, as mulheres são um contingente maior na Aeronáutica, com 18,73% (12.343) de seu efetivo. No entanto, em números absolutos, é no Exército que estão mais concentradas, sendo 12.463 ou 5,68% dos oficiais.

Quando se observa o perfil dessas candidaturas por gênero e raça, um dado interessante é que, entre os homens, candidatos negros (pretos e pardos) formam maioria. Entre as mulheres, o perfil racial segue a mesma tendência apenas no presente pleito. Entre as candidaturas masculinas de policiais e militares à Câmara dos Deputados, 54% eram negros em 2014, passando a 54% e 57%, respectivamente, em 2018 e 2022. Já entre as mulheres, em 2014 e 2018, as candidaturas negras eram 52% e 45%, chegando, em 2022, a 61% das candidatas. Nas disputas estaduais, entre os homens, 53% se declararam negros em 2014, subindo para 58%, em 2018, e mantendo o patamar em 2022, quando são 57% das candidaturas da área de segurança. No caso das mulheres, há uma progressão mais linear do contingente de candidatas negras, com 43% em 2014, passando a 52% e 57%, respectivamente, em 2018 e 2022. 

O gráfico abaixo permite visualizar a composição racial das candidaturas, explicitando a predominância do segmento que se declara pardo entre homens e entre mulheres:

 

Neste momento, ainda não é possível precisar quantas dessas candidaturas serão convertidas em cadeiras para os legislativos estaduais/distrital e federal. Dada a concentração dessas candidaturas em partidos de direita, os resultados das urnas de 2 de outubro permitirão medir se a agenda de “lei e ordem” terá expressão, levando em conta também seu alinhamento a setores mais radicalizados, de extrema-direita. O sucesso dessas candidaturas também poderá ser um indicador da configuração do voto nos estados em um eventual segundo turno presidencial, visto que o candidato que atualmente ocupa o segundo lugar nas pesquisas tem a identificação com as forças de segurança como uma de suas principais bandeiras.

 

Pedro Paulo de Assis é doutor em Ciência Política pela UFSCar. Pesquisador do Centro de Estudos em Partidos Políticos da UFSCar e coordenador do projeto OddsPointer.

Flávia Biroli é doutora em história pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), professora de ciência política da UnB e pesquisadora do CNPq. Foi presidente da Associação Brasileira de Ciência Política. É autora, entre outros, de “Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil” e coautora de “Gênero, neoconservadorismo e democracia”, ambos publicados pela Boitempo em 2018 e 2020.

Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).

 

Esse artigo se insere em um projeto de colaboração entre o Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL/UnB) e Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados. Foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.