Marisa von Bülow
Publicado no GGN
Quando se fala sobre redes sociais e eleições no Brasil, um tema sempre mencionado é o do impacto negativo da difusão de notícias falsas. Não é à toa. As eleições presidenciais de 2018 serão para sempre lembradas como o pleito no qual as mentiras dominaram os debates, sendo ampla e rapidamente difundidas via redes sociais. Em 2022, as notícias falsas continuam sendo um desafio importante, mas temos outros desafios que vão além dessa questão e que merecem toda a nossa atenção.
Apesar de as notícias falsas continuarem sendo tema central, há mudanças relevantes em termos da consciência da opinião pública sobre esse fenômeno. Em 2018, dados da pesquisa A Cara da Democracia, produzida pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, mostraram que apenas 23% dos entrevistados admitiam ter lido, ouvido ou visto notícias falsas sobre política nos seis meses anteriores. A mesma sondagem, realizada em nova rodada da pesquisa em 2022, mostrou que essa porcentagem subiu para 54% dos entrevistados.
Essa mudança deve muito à mobilização da sociedade civil brasileira sobre o tema. Desde antes de 2018, acadêmicos, ONGs, jornalistas e movimentos sociais têm promovido campanhas de checagem de fatos e denunciado sistematicamente notícias falsas. Mas ela também tem a ver com a experiência traumática vivida no país durante a pandemia. Frente a uma verdadeira avalanche de notícias falsas, que iam das teorias da conspiração sobre a origem do vírus à defesa criminosa de remédios cuja eficácia não estava comprovada, houve uma ampla mobilização de internautas. Profissionais da área da saúde, cidadãos comuns e organizações da sociedade civil foram às redes sociais para oferecer conteúdo confiável e de fácil compreensão para uma população que, em contexto de isolamento, passou a depender ainda mais da internet para obter informações. Segundo a pesquisa TIC Domicílios, 81% da população conectou-se à Internet em 2021, um aumento de 7 pontos em relação ao período pré-pandemia.
A ampliação da consciência da opinião pública sobre notícias falsas é positiva, porque, para combatê-las, não basta a atuação das plataformas e nem das autoridades eleitorais. As reações desses atores são, em geral, tardias e parciais. Dependemos dos próprios usuários de redes sociais se quisermos ter qualquer chance de diminuir o impacto negativo das notícias falsas no processo eleitoral. No entanto, ainda precisamos avançar muito. O fato de, em 2022, quase metade dos respondentes da pesquisa não admitirem ter tido contato com notícias falsas sobre política é um dado preocupante e, francamente, estarrecedor.
Para além das notícias falsas, temos outros desafios, que não existiam ou não eram tão claros em 2018. O ecossistema digital está ainda mais fragmentado e, portanto, difícil de monitorar (o que é diferente de censurar, vale sempre a pena esclarecer). Em 2018, a novidade era o WhatsApp. Hoje, temos também o Telegram, o TikTok e outras plataformas. É um universo ainda mais complexo. E o problema é que nós adotamos uma mentalidade de plataforma única, quando o seu uso é multiplataforma. Alguns exemplos dessa dinâmica: prints do tweet de Anitta declarando o voto em Lula foram disseminados em grupos de WhatsApp e no Instagram; vídeos que promovem a violência política ou atacam o sistema eleitoral aparecem primeiro no YouTube, mas são rapidamente compartilhados em grupos de WhatsApp e em canais no Telegram.
Isso nos leva ao segundo desafio que ganha destaque no pleito de 2022: a circulação de discursos de ameaça à democracia nas redes sociais digitais. Em parte, esses discursos são baseados em notícias falsas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral, os resultados das pesquisas eleitorais e o funcionamento das urnas eletrônicas. Mas também vão muito além. São discursos que promovem a violência e o ódio, alguns baseados em mentiras e conspirações, outros baseados em ideologias autoritárias.
Todos esses desafios estão no escopo do trabalho do Observatório das Eleições 2022, uma colaboração entre pesquisadores de diversas instituições brasileiras, cujo objetivo é coletar dados e oferecer análises sobre o processo eleitoral. Nas próximas semanas, o Observatório acompanhará de perto o uso das redes sociais digitais pelos principais atores políticos brasileiros. Somamos, assim, os nossos esforços a um conjunto amplo de iniciativas que, na sociedade civil e nas instituições políticas, nas redes e fora delas, estão preocupadas em garantir a integridade do processo eleitoral. Afinal, está em jogo nada mais nada menos do que a nossa democracia.
* Professora da UnB e pesquisadora do Observatório das Eleições 2022.