Entre Moinhos e Propostas: o realinhamento do campo lulista e bolsonarista no segundo turno

Entre Moinhos e Propostas: o realinhamento do campo lulista e bolsonarista no segundo turno

Ao focar no “golpe”, Bolsonaro deixa Lula dominar quase todos os temas nas plataformas

Publicado no Viomundo

 

As eleições de 2022 têm se caracterizado pela velocidade vertiginosa de mudança nos temas dos debates. Graças às plataformas de mídia digital, quem não está grudado nas telas corre o risco de ficar rapidamente desatualizado com relação ao que está pegando fogo no momento. O monitoramento de mídias sociais feito pela equipe de Redes e Desinformação Observatório das Eleições mostra, no entanto, que há alguns padrões e tendências quando observados mais à distância. 

O Observatório monitora os principais apoiadores de Bolsonaro e Lula no Twitter e Youtube desde o início do processo eleitoral. No caso do Twitter, é possível ver uma maior capacidade de engajamento do campo lulista entre o primeiro e o segundo turno, em comparação com o campo bolsonarista, em quase todos os temas (gráfico 01). Esse dado confirma o que o monitoramento do Observatório das Eleições está detectando desde o início das eleições: o fortalecimento do campo de apoio a Lula nessa plataforma e sua capacidade de disputar as narrativas.  As publicações sobre os temas aborto, drogas e ideologia de gênero foram as únicas que superaram o engajamento lulista durante o segundo turno. Como podemos ver, o campo lulista “virou” nos temas de economia, religião e mesmo sobre o poder judiciário, demonstrando uma melhor coordenação de conteúdo neste segundo turno. 

No YouTube, a mudança também ocorreu. O  campo lulista, que antes conseguia menos engajamento em todos os temas exceto economia, passa a ser majoritário em tópicos como gênero, armamento, drogas, pandemia e mesmo religião (gráfico 02). A melhor performance de Lula não é por acaso. Explica-se pela estratégia de ampliação da audiência do candidato, mas também pelo foco cada vez mais restrito do campo bolsonarista no processo eleitoral.

O grupo lulista aproveitou o segundo turno para alterar o público-alvo de seu discurso. Enquanto o primeiro turno teve foco significativo em mulheres e no voto em Lula pela defesa da democracia, o segundo turno foi para uma direção bastante distinta. Em primeiro lugar, o campo tentou atingir grupos que são normalmente refratários à imagem do presidente. Por exemplo, o tema de religião, que antes ocupava um espaço pequeno, apenas com 9.7% das postagens, quase duplica, chegando a 16.9% das publicações no Twitter (gráfico 03). No YouTube não é diferente. Nesta plataforma, a porcentagem de publicações do campo lulista com essa temática saltou de 6% para 13.5% (gráfico 04). O tema foi centralizado com o objetivo de tentar atingir o público de maior apoio de seu oponente: cristãos, em especial evangélicos que em sua maioria são apoiadores do atual presidente. A mesma lógica foi feita com a temática da corrupção: no campo lulista passa de 4.7% das postagens para 8.5% no Twitter e de 1 para 4% no YouTube. 

Mesmo com essa mudança de estratégia do primeiro para o segundo turno, Lula também foca nas bases que lhe dão apoio, ampliando a presença em temas sobre economia, mudança que, novamente, ocorre em ambas as plataformas. Postagens de Lula, André Janones e Guilherme Boulos foram centrais para trazer o tópico à tona, em especial relacionado com a proposta de Paulo Guedes de associar o salário mínimo à inflação esperada e focando mais na apresentação de propostas como Bolsa Família expandido e combate na remodelação de impostos. 

Por outro lado, o campo bolsonarista apostou, no segundo turno, na  centralização do seu discurso em grande medida na crítica ao sistema eleitoral. A temática, que já era explorada desde o início da campanha, ganha um destaque ainda maior . No primeiro turno as principais bandeiras temáticas  eram o  processo democrático, a religião e a economia. Já no segundo, o campo passa a ter como principal tópico o sistema eleitoral, compondo 23.4% das postagens (antes representava 7.6%). As postagens crescem radicalmente desde a penúltima semana antes do segundo turno, chamando de “censura” a ação do TSE de retirar conteúdos mentirosos das redes sociais, como da suposta eliminação de minutos de rádio da propaganda eleitoral em cidades do interior. No YouTube, algo muito similar ocorre, com um gigante aumento de menções ao sistema eleitoral, porém, acompanhado de um crescimento nas pautas de “costume” como aborto e gênero.

Há, portanto, uma grande diferença entre as campanhas sobre como abordar os temas no segundo turno. Enquanto o campo lulista foca em acenar para determinados grupos de apoio que já encontram maior ou menor proximidade com o ex-presidente, Bolsonaro redobra seu foco nas críticas que faz ao processo eleitoral. Ou seja, o debate eleitoral se torna menos equilibrado, os campos políticos não discutem mais as mesmas temáticas, mas Lula passa a ser responsável por gerar mais conteúdo sobre praticamente todos os temas. Essa escolha também se deu pela redução significativa do discurso sobre um “valor democrático” no voto ao presidente, se ausentando das disputas onde Bolsonaro deposita sua energia.

 

Os dados do Observatório mostram que os campos políticos em disputa utilizaram temas distintos para mobilizar suas bases durante a campanha. Enquanto no segundo turno o campo lulista  se concentrou em temas como religião, economia e corrupção, em busca de ampliar sua base de eleitores, o campo bolsonarista concentrou-se ainda mais no questionamento da integridade do processo eleitoral. Essa tendência fez com que o campo de Jair Bolsonaro focasse menos na construção de uma base de apoio mais sólida para desvalidar o resultado eleitoral. Isso permitiu que Lula fosse responsável pela maior parte dos debates tanto no Twitter que já era uma base com uma tendência maior à vitória do ex-presidente, como no YouTube, onde o campo bolsonarista costumava dominar radicalmente.

Em outras palavras, a escolha de Bolsonaro de focar-se nas críticas ao sistema eleitoral fez com que Lula ganhasse um grande espaço para emplacar sua narrativa sobre todos os outros temas, como também, apresentou um bolsonarismo mais alinhado com uma base já conquistada que tentando ampliar seu eleitorado como um todo. A disputa política nas redes se tornaram uma “não-disputa”. Enquanto que a campanha de Lula continua apostando nas discussões sobre temas relevantes para o eleitorado, a campanha de Bolsonaro vê o próprio processo eleitoral como seu principal adversário.

 

Maria Alice S. Ferreira é pesquisadora do INCT IDDC. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Francisco W. Kerche é mestrando em sociologia na UFRJ e consultor em análise de dados no Greenpeace Brasil.

Decisões do TSE que prejudicam Bolsonaro são compartilhadas como censura em grupos de WhatsApp e Telegram

Decisões do TSE que prejudicam Bolsonaro são compartilhadas como censura em grupos de WhatsApp e Telegram

 Amanda Mota e Bia Calza

Publicado no GGN

 

A série de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que se iniciaram com a desmonetização de quatro canais pró-Bolsonaro no Youtube, no último dia 18, provocou uma avalanche de mensagens em grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no WhatsApp e no Telegram. O formato das mensagens mais compartilhadas mistura fatos, notícias falsas e opinião para criar desordem informacional, induzir o eleitor brasileiro a acreditar em uma narrativa de censura (de apenas um dos lados) e gerar confusão sobre o conceito de liberdade de expressão.

 

No dia 18 de outubro, quando se iniciou a coleta, o TSE decidiu desmonetizar quatro canais pró-Bolsonaro no Youtube. Também suspendeu um documentário da produtora Brasil Paralelo sobre a facada em Bolsonaro em 2018, que agora será veiculado apenas depois do segundo turno. A corte também suspendeu conteúdo que associa Lula a aborto, drogas e assassinato, e concedeu direito de resposta a Lula em inserções na TV da campanha de Jair Bolsonaro.

 

Nossa análise das mensagens mostra que a campanha de desordem informacional nos grupos de apoiadores de Bolsonaro no WhatsApp e Telegram utilizou três estratégias, a partir das decisões da corte, para descredibilizar o processo eleitoral. No WhatsApp, entre as mensagens mais compartilhadas estão links destinados a divulgar sites de junk news com conteúdos sobre as decisões da corte. Esses sites mimetizam a linguagem jornalística para divulgar teorias da conspiração, ataques à imprensa e divulgação de conteúdo hiper partidário, sem respeitar padrões jornalísticos. Para ganhar tração e forçar uma descoberta pseudo-orgânica no Google, esses sites se utilizam de técnicas avançadas de SEO (Search Engine Optimization – que é um conjunto de ações usadas para posicionar o seu site bem nas buscas orgânicas no Google). Um estudo da universidade de Oxford mostra que a maior parte da receita desses sites vem justamente da remuneração que o Google dá a eles de acordo com as suas audiências, pelos anúncios que veicula ao lado dos conteúdos desses sites.

 

Entre as dez mensagens mais compartilhadas no período da coleta, oito são de links desses sites. A segunda mensagem mais compartilhada na amostra analisada é a seguinte: “BRASIL: LULA e PT entram com um pedido no TSE para acabar com a liberdade de expressão (Gustavo Gayer); ASSISTA https://www.pensandodireita.com/2022/10/brasil-lula-e-pt-entram-com-um-pedido.html?m=1”.

 

Outros portais de junk news aparecem como os mais presentes nas mensagens virais nos grupos de WhatsApp de apoiadores de Bolsonaro, como Vista Pátria, Terra Brasil, Jornal da Cidade Online, Conexão Política e Gazeta Brasil. O monitoramento de outros assuntos veiculados nesses grupos mostra que há compartilhamento sistemático de links desses sites. Usualmente, o número que dispara o link é o mesmo em diversos grupos. Isso aponta para o aproveitamento comercial do ecossistema bolsonarista de mensageria privada. É um rico canal de alavancagem de audiência.

 

Nas mensagens que contêm texto e não apenas links para esses sites, há diferentes estratégias discursivas para dar legitimidade à narrativa de que há um projeto ditatorial de censura em curso no Brasil. Uma delas é misturar conteúdo verdadeiro a conteúdo falso, tornando a realidade praticamente indistinguível para um usuário incauto.

 

Em outra amostra de mensagens, circula com mais frequência uma lista de “proibições” do TSE, que mistura decisões verdadeiras da corte com conteúdos falsos e absurdos, como uma suposta decisão vedando o uso de bandeiras do Brasil em fachadas de igrejas. Na verdade, a Justiça negou o pedido do PT para retirar a bandeira da fachada de uma igreja da Assembleia de Deus no Pará.

 

Já no Telegram, há mais imagens e vídeos do que texto sendo compartilhado sobre o tema. Entre os textos mais virais, verifica-se o uso ostensivo de desinformação deliberada e de caráter alarmista. A mensagem mais enviada nos grupos monitorados é uma notícia falsa que afirma que o TSE proibiu a comemoração do dia do médico. O texto se inicia com a expressão “censura sem limites” em negrito e caixa alta.

 

Curiosamente, os pedidos da campanha do presidente Jair Bolsonaro ao TSE de derrubada de conteúdos ou canais que o prejudicam e as decisões da corte que determinam a retirada de conteúdos anti-Bolsonaro (como a decisão que mandou o Twitter tirar do ar um post do deputado André Janones (AVANTE-MG)) não são tratados como censura.

 

É importante ressaltar que os ataques ao processo eleitoral têm acontecido em diversas redes sociais, em forma de campanha permanente, e não apenas no período eleitoral. A narrativa de que haveria censura por parte do TSE é apenas mais uma dedicada a descredibilizar as eleições, que se junta ao ataque às urnas eletrônicas, ao judiciário de maneira geral, aos institutos de pesquisa e à imprensa.

 

A análise acima considerou uma coleta de 476451 mensagens em 326 grupos no WhatsApp, e 276476 mensagens de 172 grupos  no Telegram, do dia 18 ao dia 20 de outubro. Foram consideradas as seguintes palavras-chave: censura, TSE, ditadura, Brasil Paralelo, Jovem Pan, Venezuela e STF. Os dados são do Projeto Farol Digital do Departamento de Computação da UFC.

 

Amanda Mota – Graduada em Ciência Política na Universidade de Brasília. Pesquisa sobre internet e populismo.

 

Bia Calza é mestranda em Ciência Política na Universidade de Brasília e pesquisa desinformação política. É estrategista de comunicação política da Avaaz no Brasil.

O que está em jogo: religião, valores e política

O que está em jogo: religião, valores e política

No esforço de manter a dianteira após o primeiro turno, a campanha de Lula mudou a estratégia com relação a um dos pontos sensíveis da eleição: a relação entre valores, religião e política. O Observatório das Eleições tem acompanhado postagens de atores ligados às duas campanhas nas redes sociais, onde essa mudança é bastante clara. 

 

Até o início de outubro, postagens no Twitter relacionadas ao tema da religião representavam 18% do total de publicações dos perfis bolsonaristas acompanhados. Entre os atores do campo lulista, não passavam de 10%. No período de 3 a 20 de outubro, no entanto, essa porcentagem sobe para 20%, superando a do campo bolsonarista. No YouTube vemos dados similares: a comparação entre os temas dos vídeos publicados no primeiro e no segundo turno mostra que religião foi o tema que mais cresceu entre atores do campo lulista.

 

A mudança da estratégia petista vai além de simplesmente falar mais sobre o tema, no entanto. A ampliação das menções à religião pode ser entendida a partir de dois movimentos distintos. Primeiro, a contraofensiva, desencadeada em boa medida por fora dos perfis oficiais da campanha, que associa Bolsonaro à maçonaria, à intolerância religiosa e até ao satanismo, virando assim a mesa da narrativa bolsonarista. Em paralelo, há também um movimento de aproximação a setores religiosos, em especial evangélicos, cujo maior símbolo é uma carta divulgada no dia 19 de outubro. 

Logo no início do segundo turno, vídeos sobre Bolsonaro e a maçonaria repercutiram tanto entre apoiadores de Lula, como entre atores do outro campo. O episódio foi um raro momento da campanha em que o campo progressista obrigou o adversário a defender-se sobre um tema que envolvia religião. E foi o primeiro de vários que se sucederam.

 

A partir da semana do 12 de outubro, vídeos feitos por apoiadores de Lula circularam amplamente, mostrando fiéis bolsonaristas indignados, interrompendo, aos gritos, missas do dia de Nossa Senhora Aparecida, hostilizando outros fiéis ou questionando homilias. Um desses vídeos mostra, por exemplo, a reação à menção a Marielle Franco  por um padre. Aos berros, duas mulheres interrompem a missa para dizer que o padre não poderia mencionar o nome de uma homossexual. Também bradam notícias falsas sobre Marielle, já fartamente desmentidas. Uma internauta comentou “mais uma apoiadora de Bolsonaro interrompendo uma missa e hostilizando o padre. Eles querem destruir a Igreja Católica”. É o feitiço voltando-se contra o feiticeiro, porque até então a única narrativa anti-Igreja era uma narrativa anti-Lula. 

 

Um olhar detalhado para o conteúdo das mensagens ratifica a mudança. Algumas das que foram mais reencaminhadas antes do primeiro turno tendiam a questionar a aproximação entre evangélicos e Bolsonaro, com textos como: “saudade quando os evangélicos queriam que a gente aceitasse Jesus e não o Bolsonaro”. No segundo turno, as mais retuitadas no campo de atores acompanhado pelo Observatório das Eleições são de ataque e de construção de contra-narrativas: “EITA! Vídeo de Bolsonaro na maçonaria vem à tona. A sociedade discreta tem como membros Carla Zambelli, Jorginho Mello (…)”. E, ainda: “se Lula ganhar, Igrejas NÃO serão fechadas. Se Bolsonaro continuar, Universidades SERÃO fechadas.”

 

Neste segundo movimento, pela primeira vez nesta campanha, viu-se o campo lulista demonstrar sua força no campo das discussões morais, ou religiosas.

Além disso – e esse é um aspecto que foi menos comentado -, ficou visível a existência de divisões ideológicas também entre os católicos. Há tempos sabemos que evangélicos, católicos e outros grupos religiosos são internamente heterogêneos e que também têm muitas divergências entre si. Isso, porém, vinha passando ao largo dos debates eleitorais de 2022. Texto de cientistas políticos publicado recentemente no Nexo apontava para isso ao discutir possibilidades de diálogo da campanha petista com evangélicos. Desde a fundação do PT, também se sabe que o partido tem raízes nos setores progressistas da Igreja Católica. 

 

Menos do que uma contraposição entre uma ou outra religião, é o conjunto de valores no interior de cada uma delas que está em disputa. E o PT, para se manter na liderança, precisa superar a percepção construída durante a campanha de que pode ser ameaça aos valores conservadores. Daí o segundo movimento.

 

A divulgação da “Carta Pública ao Povo Evangélico” em 19 de outubro abre mais um capítulo dos esforços petistas para angariar apoios entre cristãos, ou pelo menos neutralizar o discurso bolsonarista. No primeiro turno já houve, como se sabe, aproximação com lideranças evangélicas e a preparação de materiais de campanha voltados especificamente a este público. Até ali, a principal tendência era disputar interpretações de textos bíblicos – a disputa entre armas e amor, autodefesa e o valor da vida, por exemplo.

 

Comparada com alguns desses materiais, nos quais a questão dos direitos e do papel do Estado para garantir direitos era o tom central, a nova carta faz um movimento mais intenso de aproximação das pautas conservadoras. Primeiro, reafirma o compromisso com a liberdade de culto e de religião, depois posiciona-se diretamente sobre questões de valores com ênfase nas famílias e jovens. Menciona políticas públicas apenas na parte final do texto, e também ali a ênfase é no lar: a casa para a família, com referência ao programa Minha Casa Minha Vida.

Desloca-se o foco da atuação do Estado na proteção das populações mais vulneráveis para a  possibilidade de cada pessoa – ou família – “adquirir necessários e suficientes meios para viver dignamente por seu trabalho, sem ter que depender da ajuda do Estado”. Há aí uma visível mudança de tom.

 

Detectar esses movimentos, porém, não significa dizer que terão impactos nas urnas. Aliás, essa segunda virada pode complicar a vida dos petistas com seus apoiadores de primeira hora, em caso de eleição, mas a campanha parece confiar que a ampliação do espaço para outras pautas não vai minar a adesão de seus apoiadores mais estáveis.

 

Do outro lado, a campanha bolsonarista precisou pela primeira vez atuar reativamente no campo dos valores, sem deixar de apostar suas fichas na mobilização da pauta conservadora. A questão, agora, é qual dos dois conjuntos vai convencer os poucos indecisos e os muitos ausentes a tomar partido. 

Marisa von Bülow é professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e doutora em ciência política pela Universidade Johns Hopkins (EUA). Suas publicações tratam do tema do ativismo digital, das estratégias digitais eleitorais e das relações entre sociedade e Estado. 

 

Priscila Delgado de Carvalho é pós-doutoranda no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Inova Juntos) e pesquisadora do INCT-IDDC (Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação). Investiga a atuação de atores coletivos em processos democráticos, com ênfase na transnacionalização de movimentos sociais e sindicatos rurais e percepções de cidadãos sobre autoritarismo e democracia. Doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Durante o debate da Band, internautas buscam por pedofilia, corrupção e pandemia

Durante o debate da Band, internautas buscam por pedofilia, corrupção e pandemia

Alexandre Arns, Helena Martins e Maria Alice S. Ferreira

Publicado no GGN

 

A pandemia de coronavírus e a corrupção foram os principais temas que marcaram o primeiro debate do segundo turno entre os candidatos à Presidência da República no domingo, 16 de outubro. O debate foi promovido por um pool de veículos – Band, jornal Folha de S. Paulo, portal Uol e bateu recorde de audiência. Além dos dois temas que apareceram entre os candidatos e os internautas com mais força,  há destaque também para o assunto “pedofilia” e “pintou um clima”, a partir do vídeo de Jair Bolsonaro relatando, em entrevista, um episódio com meninas venezuelans. Sem contar também a avalanche de desinformação que circuou durante o debate, especialmente levada à cena pelo candidato  Jair Bolsonaro. Um resumo desse conjunto  foi apresentado por Jair Bolsonaro nos minutos (quase seis) que o atual presidente teve para falar, sozinho, no penúltimo bloco do debate. Naquele momento, Jair Bolsoanro desfilou o cabedal de fake news que já inunda as redes sociais, como fechamento de templos, proposição de banheiro unissex, menção a grupos criminosos e avaliações enviesadas sobre a política internacional latino-americana, sem que houvesse   a  possibilidade de checagem.

 

Na TV, a audiência da Band ultrapassou a da Record e chegou a se aproximar da audiência  da Globo, especialmente na segunda metade do debate.

Com muito engajamento nas redes, o debate na Band foi apontado como a live jornalística com mais visualizações no YouTube no Brasil, segundo anunciou a emissora. No Twitter, foram mais de 670 mil mensagens com a #DebatenaBand até 22h15.

 

Bolsonaristas demoram a se engajar nas redes

 

Pressionado por dias de críticas sobre possível caso de pedofolia de Bolsonaro, o campo bolsonarista demorou a começar a se engajar no debate. Durante o primeiro e o segundo blocos, em que Lula teve melhor participação, o campo dadireita tentou dar vazão às falas de Bolsonaro. Nikolas Ferreira, o deputado federal mais votado do país,  por  Minas Gerais, teve mais reações em um tweet em que critica o que seria o uso político das mortes da esposa de Lula e de sua sogra e também mobilizou suas redes ao comentar o sorriso de Lula. A a postagem com a fala de Jair Bolsonaro saudando, ironicamente, a jornalista Vera Magalhães, teve ampla repercussão Perto do fim do debate, refletindo a expectativa em torno do tempo livre para Bolsonaro falar, depois de Lula ter esgotado o seu tempo, críticas a falas com palavras equivocadas de Lula mobilizaram as redes, culminando com post tentando subir a hashtag #LulaVergonhaNacional.

 

No campo lulista, André Janones engajou os internautas  com informações de bastidores, especialmente com uma foto de Sérgio Moro e Jair Bolsonaro no estúdio, e fazendo alusões à estratégia do debate. O deputado também trouxe à tona a questão da pedofilia, comentando que Lula estava com um  broche que é símbolo de campanha contra a exploração sexual infantil. O post com maior adesão de Janones referia-se a Bolsonaro como miliciano.

 

“Covid” foi o  mais comentado do debate

 

Carla Zambelli,deputada federal reeleita e uma das principais apoiadoras de Jair Bolsonaro, utilizou a estratégia de contagiar seus seguidores com um certo clima de entusiasmo e otimismo durante o debate. A deputada publicou memes com o rosto de Lula, vídeos de luta e vídeos editados do próprio debate para passar a mensagem de que Bolsonaro havia se saído muito melhor do que  Lula. Além disso, a deputada também publicou um gráfico sobre o desmatamento (citado por Bolsonaro durante o debate) fazendo comparações. Esse dado, porém, foi contestado pelo Observatório do Clima.

 

Alexandre Frota, ex-aliado de Bolsonaro, também utilizou memes e vídeos com trechos do debate em seu feed. Frota, no entanto, publicou vários tuítes desmentindo informações ditas por Jair Bolsonaro durante o debate, como os dados sobre o desmatamento e a afirmação de que ele, Bolsonaro, não  seria o “pai” do orçamento secreto.

 

O Google Trends, na véspera do debate, apontava que as principais buscas relacionadas ao termo “Bolsonaro” nas últimas 24 horas eram “bolsonaro pintou um clima” e “bolsonaro pedófilo”, em razão da repercussão de um vídeo com sua  fala, em entrevista a um podcast, dizendo que “pintou um clima” entre ele e “umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos”. Com relação ao termo “Lula”, nas últimas 24 horas após o debate, as principais buscas relacionadas eram “mané garrincha” e “mané garrincha posse Lula”. A busca por esses  termos leva, como primeiro resultado, um tuíte de Roger Rocha, que criticava o fato de o Google apresentar, como programação de atividades no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, uma festa pela posse de Lula.

Com relação às buscas no YouTube, o Google Trends apresentou um padrão similar ao Google com relação ao termo “Bolsonaro”. No YouTube, as principais buscas relacionadas ao termo  “Bolsonaro” nas 24 horas anteriores ao debate eram “vídeo bolsonaro pintando um clima” e “bolsonaro falando que pintou um clima”. Em contrapartida, as buscas relacionadas a  “Lula” no YouTube eram “lula beija criança” e “lula pedófilo”.

Após o debate, nas 24 horas posteriores, as principais buscas relacionadas a “Bolsonaro” e “Lula” padronizaram, segundo o Google Trends. No Google, relacionadas a “Bolsonaro”, predominaram buscas por “desmatamento governo lula e bolsonaro”, “desmatamento jair bolsonaro”; relacionadas a “Lula” predominaram “desmatamento 2003 e 2006” e “desmatamento da amazônia governo lula”. No Youtube, as buscas eram sobre o próprio debate;  relacionadas a “Bolsonaro” foram “debate lula e bolsonaro na band ao vivo” e “debate lula e bolsonaro ao vivo”, e relacionadas a “Lula” foram “debate lula e bolsonaro 16/10” e “debate lula e bolsonaro na band ao vivo”.

 

Alexandre Arns é pesquisador colaborador do Instituto de Ciência Política da UnB, doutor e mestre em Ciência Política

 

Helena Martins é doutora em Comunicação pela UnB, professora da Universidade Federal do Ceará

 

Maria Alice S. Ferreira é pesquisadora do INCT IDDC. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Furou a bolha: saiba como o tema da pedofilia repercutiu nas redes a partir do “pintou o clima”

Furou a bolha: saiba como o tema da pedofilia repercutiu nas redes a partir do “pintou o clima”

Helena Martins, Eduardo Barbabela, Thayla Souza, Alexandre Arns Gonzales*

Publicado no Congresso em Foco

O relato de Jair Bolsonaro de que “pintou um clima” entre ele e garotas venezuelanas, as quais o presidente associou à prostituição, repercutiu em diversas esferas. A situação fez Bolsonaro gravar uma live na madrugada de domingo, depois um vídeo, ao lado de Michele Bolsonaro, sobre o tema. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão polêmica por vetar menção à fala do presidente por parte da campanha de Lula, o que impediu o candidato de trazer a polêmica à tona no debate da Band abertamente. Nas redes, André Janones comemorou a repercussão, que pareceu conter ataques bolsonaristas. O Observatório das Eleições monitorou as menções ao caso no Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, bem como em grupos bolsonaristas no WhatsApp, a fim de averiguar se o tema furou a bolha, o que poderia ampliar a rejeição de Bolsonaro nesta apertada reta final. 

Foram monitoradas as conversas sobre o tema entre os dias 14 (sexta-feira) e 18 (terça-feira). Para tanto, buscamos menções a: “pedofilia”, “pedófilo”, “meninas venezuelanas”, “pintou um clima” e “assédio”. Os dados apontam que o tema gerou repercussão. A discussão foi bem mais frequente nas redes do campo lulista, mas também alcançou o bolsonarista, forçando-o a responder. O campo bolsonarista tende a não replicar conteúdos críticos ao candidato, como é evidente no caso dos grupos de WhatsApp, mas, neste caso, não foi possível silenciar nas redes abertas.

No Twitter, foram 1.048.576 mensagens sobre o tema, entre postagens únicas e replicações. Os maiores números de reações e compartilhamento foram registrados nas postagens de Felipe Neto, Jones Manoel, Janja Lula, Marina Silva, Maurício Ricardo e Levi Kaique, todos críticos à fala de Bolsonaro. O único comentarista de direita que ganhou destaque foi o próprio filho Carlos Bolsonaro, com o compartilhamento de um vídeo, acompanhado da frase “Meninas venezuelanas: compartilhe e restabeleça a verdade diante da simples verdade!”, o que mostra que o bolsonarismo teve que ser reativo em relação ao tema.

No Instagram, o campo que está apoiando o ex-presidente Lula predominou com larga vantagem. Das dez postagens que mais repercutiram, oito foram associadas a críticas a Bolsonaro (das páginas e perfis Quebrando Tabu, Mídia Ninja, Guilherme Boulos, Seremos Resistência e Manuela D’Ávila), uma jornalística (Folha de S. Paulo) e uma bolsonarista (Pedro Delfino). Quando somadas, as interações das páginas monitoradas, foram 943.078 lulistas, 88.103 bolsonaristas e 81.442 em veículos noticiosos. A diferença dos números indica que o campo lulista falou bem mais sobre o assunto, mas que ele teve repercussão, ainda que menos expressiva, fora dessa bolha.

Outra rede em que o bolsonarismo não levou vantagem foi o YouTube, no qual 268 contas trataram sobre o tema. O número de visualizações foi de quase vinte milhões. O total de engajamento ultrapassou 1,3 milhões de interações. Canais jornalísticos tiveram maior projeção, como mostra a tabela abaixo:

Das dez publicações com maior engajamento, temos vídeos veiculados pelo Portal do José, TV 247, Rádio Band News (com comentário crítico de Reinaldo Azevedo) e UOL. Houve, portanto, prevalência de conteúdos vinculados ao campo lulista ou de grupos de comunicação que criticaram a fala do presidente. Dos associados ao bolsonarismo, os canais pertencentes ao youtuber OiLuiz TV e ao programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, tiveram ampla repercussão.

Confirmando a presença maior da direita no Facebook, o que este Observatório já demonstrou em outros momentos da eleição, foi nessa única rede que o bolsonarismo teve protagonismo. Foram registradas 1,4 milhão de menções. A página “Desmascarando” teve o maior número de interações: 99.360. Crítica a Bolsonaro, ela se apresenta como de comentário político, tendo linguagem simples, de tom exagerado e com recursos de edição típicos da internet. O político bolsonarista Vagner Nagelstein aparece em segundo lugar, com 97.917 interações em postagens que buscam mostrar que a fala de Bolsonaro teria sido editada. A projeção e a diferença das duas contas expressam a polarização em torno do tema no Facebook. Considerando as dez principais páginas, foram 578.423 interações, sendo que o campo lulista interagiu menos (178.032) que o bolsonarista (274.578), porém mais do que as páginas de sites noticiosos (125.813). Se nos determos às dez publicações com maior número de interações no Facebook sobre o tema, a distância se torna ainda maior: são três páginas lulistas (156.773) contra sete bolsonaristas (298.449).

Outro espaço de projeção do bolsonarismo foi o buscador do Google. No domingo, às vésperas do debate, as tendências de busca no YouTube associadas ao Lula foram “Lula beija criança” e “Lula pedófilo”. Ao Bolsonaro são “vídeo Bolsonaro pintando um clima” e “Bolsonaro falando que pintou um clima”. Como o gráfico abaixo mostra, as buscas associando Lula a problemas tiveram picos maiores, no domingo, do que as que trataram do fato informado pelo próprio Bolsonaro, mas o volume geral de buscas associando ambos foi equivalente.

As pesquisas mais frequentes sobre a Lula e a Bolsonaro são expostas a seguir.

 

 

O que vemos é que houve uma tentativa de relacionar Lula ao que na verdade estava posto para Bolsonaro, uma estratégia que teve sucesso, dada a presença de temas que não estavam na pauta nas buscas. Não obstante, as buscas sobre Lulas foram mais diversas, ao passo que Bolsonaro foi completamente vinculado ao possível caso de pedofilia.

Quase impenetráveis, os grupos bolsonaristas no WhatsApp não deram destaque ao tema, ao contrário. Monitoramento do Farol Digital, grupo da UFC parceiro do Observatório das Eleições, revela que, entre 00:00 do dia 14 e 11:00 do dia 18, 183 mensagens de um universo de 17.774 mensagens contendo texto trataram do assunto. Não são consideradas aqui as mensagens apenas com mídia (vídeo, áudio). Elas foram enviadas por 107 números distintos, sendo distribuídas em 72 grupos. O pico das menções foi no domingo, 17, depois o assunto foi praticamente inexistente nos grupos.

Essa situação é indicativa de como os grupos de WhatsApp, por serem mais fechados, são importantes para manter a circulação de informações mais controlada, mantendo os adeptos encerrados em discursos que reiteram seus posicionamentos. Isso ocorre nas redes sociais, por força da mediação algorítmica que resulta na conformação de bolhas, mas nelas há zonas de intersecção ou, como no caso de Jair Bolsonaro e Carlos Bolsonaro, a necessidade de tratar de um tema que inegavelmente ganhou merecida dimensão pública. 

Importa ter em vista que furar a bolha não significa ganhar votos. O levantamento mais recente do Datafolha já capta o debate da Band e o episódio da pedofilia, bem como outros casos que ganharam repercussão, como a participação de Bolsonaro e seus apoiadores em Aparecida e no Círio de Nazaré. Como a pesquisa mostra, apesar de tudo isso, não houve variações significativas nas intenções de votos. As poucas mudanças levaram à ampliação da margem de Bolsonaro, que tem mobilizado recursos públicos em prol de sua eleição, por meio de diversas políticas. Assim, a mobilização em torno do tema parece funcionar como uma barreira de contenção para mais ações de desinformação por parte do bolsonarismo, que teve que suspender a artilharia para dar respostas.

*Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

Eduardo Barbabela é pesquisador do Manchetômetro e do Observatório das Eleições 2022. Doutor em Ciência Política pelo IESP UERJ.

Thayla Souza  é graduada em Ciência Política pela UnB e pesquisadora bolsista do Observatório das Eleições 2022 em parceria com o Instituto de Ciência Política (IPOL-UnB).

Alexandre Arns Gonzales é bolsista de pós-doutorado pesquisador colaborador do Instituto de Ciência Política (IPOL) da Universidade de Brasília.

Grupos bolsonaristas promovem medo e retomam narrativas sobre corrupção, urnas e religião

Grupos bolsonaristas promovem medo e retomam narrativas sobre corrupção, urnas e religião

Helena Martins

Publicado na Mídia Ninja

Em grupos bolsonaristas no WhatsApp, narrativas que associam o ex-presidente Lula à corrupção são as mais recorrentes, ao lado daquelas que promovem medo, atacam as urnas e usam a religião para agregar adeptos do atual presidente. Entre os dias 11 e 12 de outubro, foram mapeados 6.551 conteúdos em 165 grupos associados a Jair Bolsonaro. Os estados com maior número de mensagens, de acordo com os DDDs utilizados, são, pela ordem: São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Paraíba, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais e Pernambuco. Os dados são do Farol Digital, grupo da Universidade Federal do Ceará (UFC), parceiro do Observatório das Eleições.

O período foi estabelecido para verificar o impacto de um programa específico da campanha de Jair Bolsonaro, exibido no dia 11 durante o horário  gratuito de rádio e TV. Nele, Lula era relacionado a presidiários de forma pejorativa, com vídeos mostrando adesão de pessoas presas ao ex-presidente e associando esse suposto apoio ao que seria um comportamento leniente com bandidos. O programa levou a Defensoria Pública da União (DPU) a acionar o Ministério Público Federal (MPF), por considerar a peça racista e discriminatória. Nos grupos mapeados, não foram registradas menções a presidiários. A narrativa sobre corrupção é tão presente que parece dispensar a necessidade de novos conteúdos. 

“Lulladrão” e “Lullarapio” são termos comumente utilizados. Uma das mensagens com bastante projeção nos grupos diz que “filho de Lulladrão e vários políticos de esquerda são os acionistas da Petrobrás, por isso, o PT não quis a CPI”, informação que é creditada à revista Veja. A mensagem termina conclamando: “O STF sai e a Lava Jato fica!”. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) é atacado neste e em diversos outros conteúdos. Os ministros são chamados de “urubus de toga”. Ações do STF em relação a conteúdos desinformativos de Bolsonaro são criticadas, assim como o suposto apoio do Supremo a Lula. Uma das mensagens divulgadas diz: 

“Só precisa as autoridades se levantar a favor da nação brasileira, e não permitir que eles juntos com o Lula, destrua o Brasil, VCS acham que os ministros do STF tiraram o Lula, dá cadeia porque? eles sabem que o Lula, tem uma cambada de pessoas sem noção, igualmente, e todos os bandidos que vota no Lula, ele Alexandre de Moraes, no TSE garantia a Eleições para o lula, no primeiro turno, ai eles dominaria o Brasil, Mais o povo de direita já sabendo que eles ia frauda as urnas, elegeram os deputados e senadores de direita ai ficou difícil”.

Essa não é a única com ataques às urnas. Outro texto anuncia que o “CEO (presidente) da Smartmatic, que é a empresa que controla as eleições brasileiras, acabou de ser preso pelo FBI nos Estados Unidos”, o que já foi apontado como falso por agências de checagem. O áudio mais compartilhado na amostra, com mais de 160 aparições distintas, fala de uma suposta operação para, na apuração, conferir mais votos para Lula no primeiro turno. A mensagem, de quase dois minutos, detalha o que seria uma manipulação das urnas, que resultaria em uma vitória apertada do petista no primeiro turno. Tal conteúdo também é falso.

Convém notar que, nas mensagens de texto, não há qualquer menção a casos de corrupção de Bolsonaro. Contra Lula, ao contrário, elas aparecem das formas mais variadas. O link mais compartilhado é de um site que reúne notícias vinculando Lula e o PT a práticas de corrupção. Segundo a campanha de Lula, o site já foi denunciado, mas ainda não houve decisão por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Mobilizando o medo e a religiosidade

Mensagens categorizadas como “terrorismo psicológico” pelo Farol somam mais de 190. São conteúdos que pregam o medo de um possível governo Lula, os quais são utilizados para convocar os adeptos de Bolsonaro a se mobilizarem em prol campanha. Vídeos e fotos de supostos venezuelanos fugindo do país também ganharam destaque. O recado é claro, ainda que não seja explicitado textualmente: o Brasil não pode virar uma Venezuela. 

O vídeo que mais viralizou, com sessenta compartilhamentos na amostra, apresenta a área interna de uma igreja, com várias imagens de santos quebradas no chão. A pessoa que filma a cena lamenta a situação e diz: “Isso é o começo do comunismo”. Não há informações sobre o local no qual teria ocorrido a ação e nem quando. 54 pessoas distintas compartilharam o vídeo em 41 grupos. Em apenas duas mensagens, o vídeo estava acompanhado de um texto: “ATENÇÃO CATÓLICOS; vejam o início da perseguição da religião”.

Do total de mensagens, pelo menos duzentas tratam sobre religião, o que é expressivo, tendo em vista que os grupos analisados são declaradamente de apoio a Bolsonaro, não sendo, portanto, de conteúdos religiosos ou gerais. Se as mensagens sobre corrupção apresentam forte teor crítico e agressivo em relação ao ex-presidente Lula, a narrativa religiosa emerge como agregadora, definidora de uma identidade comum, de um “nós” que se contrapõe ao “eles”. Esse tipo de oposição é típico do discurso fascista, como ensina o filósofo Jason Stanley, autor de “Como funciona o fascismo: A política do “nós” e “eles”” (publicado no Brasil pela L&PM, em 2018). O “nós” visível nos grupos analisados é conformado por religiosos, patriotas, pessoas preocupadas com a família. “Eles” são os esquerdistas, comunistas e corruptos. 

Um ecossistema midiático diverso

Essas narrativas ganham capilaridade por meio de todo um complexo ecossistema midiático associado ao bolsonarismo, dentro e fora da Internet, que combina uso de desinformação, informações descontextualizadas ou simplesmente parciais. 

Exemplo disso, o segundo link com maior número de aparições na amostra é do programa “Os Pingos nos Is”, transmitido pelo YouTube, pela rede Jovem Pan AM e FM e na TV JP News. A “notícia” tem como centro o questionamento do número de pessoas presentes em ato da campanha de Lula em Belo Horizonte. Além do apresentador, um comentarista reforça a ideia de esvaziamento do ato. Não houve espaço para o contraditório na matéria.

Em um vídeo compartilhado quarenta vezes, a jornalista Carla Cecato, apresentadora do programa Linha de Frente, também da Jovem Pan, elogia Bolsonaro, que ela descreve como “o cara mais humilde, mais simples que eu já vi na vida”. O vídeo tem tom emotivo e apresenta imagens de um Bolsonaro simpático falando sobre futebol. 

Além da emissora, outros portais ajudam a propagar mensagens e aparecem entre os domínios mais presentes, tais como: Pensando Direita, Terra Brasil Notícias, Portal Toca News, Portal Cidade News, Gazeta Brasil, Aliados Brasil Oficial e Contra Fatos. Os dois primeiros, conhecidos por veicular fake news, foram compartilhados mais de duzentas vezes cada. 

A diversidade de estratégias no âmbito da comunicação é um elemento que deve ser considerado na explicação da força demonstrada pelo bolsonarismo no primeiro turno. Mais que ganhar lastro pela repetição, a presença dos conteúdos em diversas mídias e formatos faz com que tais narrativas passem a integrar o cotidiano dos receptores, moldando sua visão de mundo. 

Como explica Jason Stanley, “o objetivo do fascismo (…) é destruir nosso respeito pela verdade, destruir nosso senso de realidade. É nos fazer pensar que há apenas ruído e que devemos escolher um lado”. A batalha da comunicação, tão visível neste segundo turno das eleições brasileiras, é parte essencial da estratégia desenvolvida para atingir tal fim.

Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.