Helena Martins e José Maria Monteiro

No WhastApp, bolsonarismo enaltece militares, ataca Globo e mobiliza discurso sobre corrupção

Críticas ao Grupo Globo e mensagens associando práticas de corrupção ao ex-presidente Lula foram os conteúdos que mais circularam em grupos de WhatsApp bolsonaristas públicos entre os dias 24 e 25 de agosto, no contexto da entrevista concedida pelo ex-presidente ao Jornal Nacional. Mensagens religiosas e a tentativa de opor Lula ao agronegócio também povoam a conversação nesses espaços. Ao todo, 17.397 mensagens foram analisadas.

 

A mensagem mais recorrente enalteceu o Dia do Soldado, comemorado em 25 de agosto. Ela apareceu em 11 grupos. Depois, duas postagens de candidatos militares no Amazonas tiveram destaque, uma em 11 grupos e outra em nove. A repercussão da entrevista de Lula ao JN começa a aparecer a partir da quarta posição no ranking das mais compartilhadas, tendo sido registrada em nove grupos diferentes. A primeira delas convoca para não assistir a entrevista. Interessante notar que a mensagem sugere que as pessoas acompanhem a sabatina pelo YouTube após o início dela.

 

A segunda mais frequente sobre a sabatina sugere que a entrevista foi “horário eleitoral gratuito”, indicando que os jornalistas teriam favorecido o petista. O texto chama Lula de “ex-presidiário” e ativa a memória de denúncias de corrupção. Corrupção também é o tema de outra mensagem com bastante alcance que critica os apresentadores do telejornal, que “não descansavam em sua missão de proteger Lula” e que defende a Lava Jato. As demais mensagens seguem o mesmo padrão. Cada mensagem foi vista em, pelo menos, cinco grupos.

 

Os termos mais recorrentes na amostra analisada pelo Farol são mostrados abaixo:

Muitas mensagens (40,91%) usam texto e outras mídias de forma combinada. O link mais compartilhado foi o convite para um grupo no Telegram. O segundo, o link de uma petição pública pelo impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moares. O terceiro link mais compartilhado aponta para o podcast Minuto com Deus.

1.297 contas enviaram mensagens no período, uma média de 13,4 mensagens para cada uma. O usuário com maior número de mensagens, um candidato a deputado estadual, publicou 31 vezes. Usuários de São Paulo, Bahia, Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina e Espírito Santo são os mais presentes na amostra analisada.

O monitoramento de mensagens no WhatsApp, ainda que a partir de um número limitado de grupos, permite visualizarmos o teor da conversação nesses espaços. Comparando os dados do Farol com o do Radar Aos Fatos, plataforma que monitora 180 grupos (não apenas bolsonaristas), notamos o mesmo teor. No Radar, o texto mais compartilhado trata da Globo e de denúncias de corrupção. O conteúdo, que também apareceu na amostra do Farol, seria um e-mail enviado à emissora com críticas sobre o teor “tendencioso” da entrevista. 

Em geral, o Radar classificou a qualidade média das mensagens monitoradas em 3,3, em uma escala de 0 a 10. Os principais conteúdos contendo desinformação estavam relacionados a invasões de terra pelo MST, a um suposto processo envolvendo o pai da apresentadora Renata Vasconcelos e a participação de Lula em um ritual umbandista onde teria sido consagrado filho de Xangô.

O que vemos até aqui são mensagens associandopráticas de corrupção ao PT e a Lula, bem como tentativas de descredibilizar a imprensa. Um tipo de conteúdo diferente do que aparece em outras redes, nas quais, como temos mostrado no Observatório das Eleições, predominam imagens de humor e que demonstram apoio aos candidatos. A diferença reforça a necessidade de uma análise das diferentes redes para a compreensão das estratégias desenvolvidas neste campo de batalha.

 

Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.

 

José Maria Monteiro é professor de Computação da Universidade Federal do Ceará, coordenador do Farol Digital