por Carlos Ranulfo
Carlos Ranulfo Melo*
Em declaração recente, o ministro Dias Toffoli taxou de suicidas os membros de um seleto grupo de empresários que se posicionou a favor de uma ruptura institucional no caso de uma vitória de Lula na eleição presidencial. Talvez não seja o caso. O mais correto seria dizer que os digníssimos senhores vislumbravam que seus interesses estariam bem-posicionados estando ao lado dos golpistas. É claro que caberia alertar, como pretendeu o ministro Toffoli, sobre os deletérios efeitos que um golpe teria sobre a economia brasileira. Mas isso seria exigir demais do tosco raciocínio da turma diretamente envolvida na questão.
O episódio ajuda a explorar um ponto mais delicado – o compromisso democrático da elite brasileira. Uma coisa é certa: uma democracia não se faz, ou se mantém, sem democratas. Para que as coisas fiquem claras desde o início, um democrata é aqui tratado como aquele que possui uma preferência normativa pela democracia. Recorrendo a Scott Mainwaring e Anibal Pérez-Liñan [Democracies and dictatorships in Latin America – emergence, survival and fall] agentes políticos que possuem tal preferência estão dispostos a aceitar perdas no que se refere aos resultados das disputas políticas desde que se preserve ou estabeleça um regime democrático. Um comportamento desse tipo facilita a tolerância para com as falhas do regime e a aceitação do dissenso em relação a outros agentes.
Isso não significa que o surgimento ou a manutenção de uma democracia exija uma “cultura democrática” amplamente disseminada. Não existem casos de países onde uma cultura deste tipo tenha se firmado antes de iniciada a trajetória até a democracia. Além disso, existe farta evidência científica a confirmar que as crenças políticas da maioria das pessoas tendem a ser pouco consistentes. Mesmo quando os entrevistados em pesquisas de opinião afirmam ter preferência por regimes democráticos fica sempre a dúvida: o que eles entendem por democracia quando respondem à pergunta? Com alguma segurança se pode dizer que as pessoas preferem eleger seus governantes a não o fazer. Mas a partir daí cabe muita coisa: é possível, por exemplo, que elas considerem que seu candidato, uma vez eleito, possa utilizar o poder para contornar ou anular os limites legais e/ou constitucionais sobre seu governo.
A existência de uma preferência normativa torna-se crucial para a democracia quando o foco se dirige ao reduzido número de pessoas que, de uma forma ou de outra, se envolve com a atividade política. E isso porque é correto supor que tais pessoas possuem sistemas de crenças mais elaborados, tendem a pautar suas ações por tais crenças e a ter maior influência sobre os eventos políticos – inclusive aqueles que podem afetar a estabilidade de um regime democrático.
Por sua vez, preferências normativas pela democracia são submetidas a teste em contextos de radicalização. Em tais situações, os agentes políticos podem ser levados a assumir posturas extremas e a adotar, ainda nos termos de Mainwaring e Pérez-Liñan, um comportamento intransigente e impaciente na busca de suas preferências.
O impeachment de Dilma foi um bom exemplo do que se pretende dizer. Ali esteve em curso uma estratégia que combinava o bloqueio sistemático ao governo eleito com a exploração das prerrogativas institucionais até o seu limite com o objetivo de derrotar, quem sabe de forma permanente, o PT. Pedaladas fiscais foram transformadas em crime de responsabilidade. A comparação é elucidativa: se diante de Rousseff valeu a máxima “aos inimigos, a lei”, no atual governo o Presidente da República conta com amigos que, zelosamente, o protegem dessa mesma lei mesmo diante de denúncias incomensuravelmente mais graves.
Quando eleito em 2018, Bolsonaro não era um desconhecido para as pessoas e os setores sociais envolvidos com a atividade política. Tanto sua trajetória como deputado, como sua campanha presidencial, se encaixavam com perfeição nos indicadores de comportamento autoritário elencados por Levitsky e Ziblatt em Como as democracias morrem: rejeição das regras democráticas, negação da legitimidade dos adversários, tolerância ou encorajamento à violência e propensão a restringir liberdades civis de oponentes e/ou da mídia.
Foi, portanto, com pleno conhecimento de causa que boa parcela da elite brasileira viu em Bolsonaro uma oportunidade de ouro. A expectativa era que consolidar uma guinada à direita livraria o país de governos progressistas por um bom tempo. Nesse interim, o país avançaria na direção de uma reforma ultraliberal, fazendo retroceder os avanços sociais acumulados desde a redemocratização. Reafirmaria os valores tradicionais sobre família e sexualidade. Acabaria com o mimimi dos direitos humanos, armaria os cidadãos de bem e autorizaria a matança da “bandidagem”. Reduziria o espaço, ou tiraria de cena, os que se preocupam com a preservação do meio ambiente. Jogaria no lixo a corrupção que emporcalha a política. Fosse qual fosse o interesse em jogo, ele se sobrepunha à necessidade de preservar a democracia e tornava sem importância a eleição de um notório candidato a ditador.
Nesses quase quatro anos de mandato, Bolsonaro se esmerou em demonstrar seu desprezo pela democracia. Sempre afirmando jogar “dentro das quatro linhas da Constituição”, insistiu em traçar as linhas a seu feitio. Mentiu e atacou instituições o tempo todo. Instilou o ódio entre seus apoiadores e depois defendeu sua liberdade de expressão. Não obstante, seu apoio entre setores da elite brasileira é considerável. Bolsonaro cresce nas pesquisas com o aumento do nível de renda e escolaridade dos entrevistados. Tem seus mais altos índices de apoio entre os empresários.
O grupo de senhores colhidos trocando figurinhas sobre um golpe de estado expressa de forma exemplar o comportamento autoritário. Ou o seu time ganha o jogo ou eles levam a bola embora, fecham o campinho e prendem os inimigos. Não sabemos quantos grupos desse tipo existem, qual seu raio de ação e sua capacidade de tumultuar o ambiente.
Sem dúvida, a iniciativa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), articulando uma carta em defesa da democracia cumpriu importante papel na demarcação em relação aos arroubos autoritários de Bolsonaro. Mas a expressividade dos apoios recebidos pela carta, com destaque para a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), não chega a esconder a eloquência de inúmeras ausências. Entre os paulistas, pontua o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). Federações das Indústrias de peso, como a de Minas Gerais (FIEMG) e do Rio de Janeiro (Fierj), tampouco deram as caras. A primeira, é bom lembrar, em setembro de 2021, atacou o STF em resposta aos inquéritos abertos para a apuração de fake news. Igualmente notáveis foram as ausências das Confederações da Indústria (CNI), do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e dos Transportes (CNT), para não mencionar ainda a poderosa Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Não existem empresários suicidas. Tanto os abertamente golpistas, como as notórias ausências acima mencionadas sabem muito bem o que estão fazendo. Conhecem o seu gado, para usar um termo em voga. Como esperar que tenham algum compromisso normativo com a democracia no país?
*Doutor em Ciência Política, professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos. Autor de Retirando as Cadeiras do Lugar: Migração Partidária na Câmara dos Deputados, coautor de Governabilidade e Representação Política na América do Sul e coeditor de La Democracia Brasileña: Balance y Perspectivas para el Siglo XXI. Tem artigos publicados sobre partidos, estudos legislativos e instituições comparadas com foco no Brasil e nos países da América do Sul.
por Carlos Ranulfo
Carlos Ranulfo Melo*
Publicado no Jota
Uma organização federativa justifica, por si só, a vigência do bicameralismo em um arranjo institucional democrático. Mas no Brasil, assim como em muitos outros países, o Senado é muito mais do que uma instância de representação dos estados federados. No espírito do sistema de freios e contrapesos inaugurado pela experiência norte-americana, o bicameralismo brasileiro é simétrico, o que significa que a Constituição distribui de forma equilibrada os poderes legislativos entre as duas casas: tanto Câmara como Senado podem iniciar legislação. São poucas, ainda que importantes, as atribuições exclusivas de cada uma delas, e uma funciona plenamente como revisora da outra.
Isso tem, por certo, implicações nas relações com o Governo, já que serão duas as instâncias com as quais o Executivo terá que negociar sua agenda, especialmente se a composição partidária for significativamente diferente de uma para a outra. Certamente, não basta que determinada instituição tenha autoridade institucional para funcionar como instrumento de controle sobre outra – ela precisa ter condição política de fazê-lo. Um Senado e uma Câmara governistas tenderão a ser mais lenientes com equívocos ou omissões do Executivo. Mas basta que uma das duas casas não o seja para que o sistema de controle possa funcionar.
Sob Bolsonaro, os brasileiros puderam ter uma boa ideia da importância de tudo isso. Nos primeiros dois anos de governo, o Senado, sob a presidência de Davi Alcolumbre (União Brasil), esteve mais alinhado ao Governo do que a Câmara dos Deputados. Já na presidência desta última, Rodrigo Maia sempre se prontificava a dizer o que poderia ou não passar, operando com autonomia na condução da agenda legislativa e funcionando como um anteparo às tentativas mais reacionárias do governo.
No segundo biênio, a situação se inverteu. Enquanto o Governo investia de forma determinante na vitória de Arthur Lira (PP) sobre Baleia Rossi (MDB) e com isso selava a aliança com o Centrão, no Senado a eleição de Rodrigo Pacheco (PSD), contra a também emedebista Simone Tebet, não pode ser creditada à intervenção governamental. Embora contasse com a simpatia do Governo, a candidatura do senador mineiro saiu vitoriosa graças a um arco de alianças ideologicamente diverso e que ia da direita à esquerda, incluindo o apoio declarado do PT.
Arthur Lira se revelou um aliado fidelíssimo do Planalto, apenas demarcando de forma cautelosa sua diferença com o Governo no episódio da votação da proposta de emenda constitucional que tornava obrigatória a impressão do voto. Se Rodrigo Maia afirmava não levar a frente um processo de impeachment de Bolsonaro por falta de apoio político para tanto, Lira nunca cogitou em fazê-lo uma vez que isso romperia o acordo básico entre o Centrão e o Governo, a saber, garantir a qualquer custo a sobrevivência desse último.
Por outro lado, Rodrigo Pacheco adotou uma postura de independência relativa do Palácio do Planalto, distanciando-se de forma explícita das investidas autoritárias do presidente da República. A existência de um bloco majoritário, onde se mesclavam senadores oposicionistas e independentes, logo se fez sentir na CPI da COVID. Em que pese a abertura da CPI só ter ocorrido após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o fato é que sua composição, ao configurar um quadro onde o Governo era minoria – algo que seria inconcebível na Câmara – já permitia ver a tendência mais geral da casa.
Para 2023, tanto Arthur Lira como Rodrigo Pacheco são fortes candidatos a continuar presidindo suas respectivas casas. A reeleição para as presidências no Congresso é vedada no interior de uma mesma legislatura, mas permitida na passagem de uma para outra.
Em 2019 Lira foi eleito para a Presidência da Câmara com 302 votos e desde então sedimentou sua liderança. Nesse meio tempo, o Centrão cresceu de forma expressiva. A opção partidária feita por Bolsonaro depois de romper com o Partido Social Liberal (PSL), o acesso progressivo a postos-chave no Governo e a vultosas parcelas do Orçamento da União, permitiram que Partido Liberal (PL), Progressistas (PP) e Republicanos aumentassem suas bancadas de 33, 38 e 30 deputados(as), respectivamente, para 77, 58 e 44, entre o primeiro e último ano da legislatura. Juntos passaram a controlar 34,9% da representação na casa e, com os recursos disponíveis, é possível que ainda ampliem sua força após a eleição. Segundo a Folha de São Paulo, eles estão entre as cinco legendas que mais aumentaram o número de candidatos em relação a 2018 – o PL de Bolsonaro dobrou o número de postulantes. Derrotar Lira em 2023 não é tarefa impossível, mas será muito difícil.
No Senado, o Centrão também cresceu. Os três partidos acima referidos controlam hoje, levando em conta os titulares e não os suplentes em exercício temporário, 21% das cadeiras na casa – eram 12% por ocasião da posse. E o PL, particularmente, pode crescer nessa eleição graças ao investimento do bolsonarismo em nomes competitivos. Mas isso não deve ser suficiente para superar a aliança mais ampla que deve se formar em torno de Rodrigo Pacheco. Ademais, o PSD é o partido com mais chance de formar a maior bancada na casa.
Tudo isso vem temperado por uma questão crucial – quem será o próximo presidente da República. A democracia, nas palavras de Adam Przeworski, é a incerteza institucionalizada; o desfecho das disputas é, dentro de certos limites, imprevisível. Nenhuma força política tem a garantia da vitória em uma eleição, mas todas, sem exceção, têm que aceitar o resultado – o que Bolsonaro vive ameaçando não fazer.
Se Lula vencer, o que parece mais provável, a recondução de Arthur Lira em 2023 abrirá um período de árdua negociação. A Presidência da Câmara acumula muito poder. E na atual gestão sua caixa de ferramentas se viu robustecida por uma centralização ainda maior da agenda e das dinâmicas legislativas – consubstanciada na redução da capacidade de obstrução por parte da minoria, no encurtamento do tempo de debate das proposições por meio de comissões especiais ou grupos de trabalho e na expansão das iniciativas votadas em regime de urgência e/ou de modo remoto.
Se Bolsonaro vencer, possibilidade que não se pode descartar, o Senado será crucial para a democracia brasileira. Ainda que a Câmara tenha a prerrogativa constitucional de iniciar a apreciação dos projetos que tem origem no Executivo, o Senado, instância revisora, pode barrar toda e qualquer proposição. Basta derrubá-la, ou simplesmente deixar de analisá-la.
Além disso, caberá ao Senado aprovar as designações para a Procuradoria Geral da República (PGR) para pelo menos duas vagas para o STF. Desde a redemocratização nenhuma indicação para a PGR foi recusada. No que se refere ao STF, somente no governo de Floriano Peixoto, um presidente teve suas indicações barradas. Mas depois do que se viu neste mandato presidencial, algo pode mudar. Como dito antes, o Senado tem poder institucional para tanto. A questão é sempre política.
*Carlos Ranulfo F. Melo é doutor em Ciência Política, professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos. Autor de Retirando as Cadeiras do Lugar: Migração Partidária na Câmara dos Deputados, coautor de Governabilidade e Representação Política na América do Sul e coeditor de La Democracia Brasileña: Balance y Perspectivas para el Siglo XXI. Tem artigos publicados sobre partidos, estudos legislativos e instituições comparadas com foco no Brasil e nos países da América do Sul.
por Carlos Ranulfo
Carlos Ranulfo Melo*
A eleição de 2018 renovou mais de 80% das 54 vagas disputadas no Senado, alterando o perfil da casa ao trocar políticos experientes por uma leva de novos representantes. Em 2022 a renovação, ainda que deva ser expressiva, terá menor impacto devido ao menor número de vagas em disputa. A novidade para 2023 vai estar na correlação de forças entre os partidos.
A tabela 1 mostra como a composição partidária do Senado foi fortemente modificada ainda no curso da atual legislatura. Enquanto o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) manteve sua bancada, o Partido Social Democrático (PSD) e, em especial, o Partido Liberal (PL) cresceram de forma expressiva. Tal como ocorreu na Câmara dos Deputados, rendeu frutos a opção de Bolsonaro pelo partido de Valdemar da Costa Neto – um dos demônios que, segundo recente declaração da primeira-dama, andaram circulando pelo Planalto.
Tabela 1
Bancadas no Senado – 2019 e 2022
PARTIDO |
Bancada na posse (2019) |
Bancada atual |
MDB |
12 |
12 |
PSD |
7 |
12 |
PL |
2 |
9 |
PODEMOS |
5 |
8 |
PT |
6 |
7 |
PP |
5 |
7 |
PSDB |
9 |
6 |
DEM |
6 |
6 (União Brasil) |
PSL |
4 |
PDT |
4 |
4 |
PTB |
3 |
2 |
PROS |
1 |
2 |
REDE |
5 |
1 |
CIDADANIA; PSB |
2 cada |
1 cada |
Republicanos; PSC |
1 cada |
1 cada |
PHS |
2 |
– |
SD; PTC e PRP |
1 cada |
– |
Sem partido |
1 |
1 |
Rede e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) tiveram reduções expressivas em suas bancadas. O União Brasil não se materializou como a soma das bancadas do Democratas e do Partido Social Liberal (PSL) graças, novamente, ao peso do atual Presidente da República. Solidariedade, Partido Trabalhista Cristão (PTC), Partido Republicano Progressista (PRP) e Partido Humanista da Solidariedade (PHS) perderam representação.
A troca de legendas entre os senadores favoreceu os partidos alinhados à direita, que passaram a controlar 60,5% dos mandatos ao invés dos 48,1% de 2019. O forte crescimento do PL fez com que o Centrão – aí incluídos também o Progressista (PP), Republicanos, Partido Social Cristão (PSC) e Trabalhista Brasileiro (PTB) – passasse a responder por 40,8% desse total (20 senadores em 49). Os partidos situados a esquerda – Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Socialista Brasileiro (PSB) e Rede – recuaram de 21% para 16%. Ao centro – MDB, PSDB, Cidadania e SD – observou-se recuo semelhante, de 29,6% para 23,5%.
A essa altura do campeonato, o cenário eleitoral para o Senado ainda traz muitas incertezas. São escassas as pesquisas disponíveis e em diversos estados o quadro das candidaturas sofreu alterações de última hora, com nomes de peso entrando ou saindo da disputa. Não obstante, é possível falar em tendências gerais com base no que se sabe até o momento.
O MDB tem 4 vagas em disputa – nos estados da Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo. Nos dois primeiros não lançou candidato e no terceiro o nome apresentado não tem chance contra a ex-ministra Teresa Cristina (PP). No último, a senadora Rose de Freitas enfrentará acirrada disputa com candidatos do PL e Republicanos. Apenas em Alagoas o partido é favorito. A menos que algum azarão desponte por aí, a tendência é de diminuição da bancada.
Ainda ao centro do espectro partidário, o quadro tampouco é animador para a federação PSDB/Cidadania. Os tucanos perderão José Serra e Tasso Jereissati. Seu candidato é pouco competitivo em São Paulo e no Ceará o partido não lançou ninguém. As perdas poderão ser parcialmente compensadas em Goiás, onde Marconi Perillo é forte concorrente, e no Amazonas, estado em que a disputa com o PSD, do senador Omar Aziz será dura. O Cidadania deve apenas manter a senadora Eliziane Gama, cujo mandato vai até 2027.
A esquerda tem chances de crescer, mas não haverá um grande salto. O PSB deve perder a cadeira em Santa Catarina, onde a direita domina o jogo. A perda tende a ser compensada por Flávio Dino, favorito no Maranhão. A vitória também é possível com Marcio França, que pode ser beneficiado pela divisão da direita paulista, entre Janaína Pascoal (PRTB) e Marcos Pontes (PL). Mas no Rio de Janeiro, a candidatura de Alessandro Molon (PSB) será prejudicada pela divisão na esquerda. O partido tem ainda boas chances em Sergipe e na Paraíba.
Pelo PDT o senador Acir Gurgacz concorrerá à reeleição em Rondônia, numa disputa ainda em aberto contra candidatos do PP e do Republicanos. O partido tem boa chance no Rio Grande do Norte, onde disputa a cadeira na chapa da governadora petista – o que, por sua vez, levou o PT a desistir de tentar a reeleição do senador Jean Paul Prates.
Os petistas são favoritos no Piauí e no Ceará, com Wellington Dias e Camilo Santana. Em Pernambuco, Tereza Leitão lidera em empate técnico com nomes do PL e PSD. No Pará, com a desistência do senador Paulo Rocha, o candidato do partido concorre em desvantagem com nomes de maior projeção do PL e do PP. No Acre, a substituição de Jorge Viana, lançado a governador, por Nazareth Araújo diminuiu as chances da legenda. No Rio Grande do Sul, Olívio Dutra terá a difícil tarefa de superar os favoritos Ana Amélia (PSD) e Hamilton Mourão (Republicanos).
A direita deve crescer. A começar pelo Centrão, o PL encontra-se a frente no Mato Grosso e no Rio de Janeiro, estados onde tem vagas em disputa. Sua bancada pode aumentar em função do forte investimento feito pelo bolsonarismo. No Distrito Federal Flávia Arruda lidera. No Rio Grande do Norte, Rogério Marinho persegue o candidato do PDT. O partido tem ainda candidatos competitivos no Acre, Pernambuco, Pará, Espírito Santo, São Paulo e Santa Catarina.
Nos quatro estados onde suas vagas estão em disputa, o PP não concorre no Acre, tem nome pouco competitivo em Sergipe e enfrenta situação muito difícil no Piauí. Tem boas chances apenas no Tocantins, com a senadora Katia Abreu. É favorito no Mato Grosso do Sul. Tem ainda candidatos competitivos no Pará, Rondônia e Roraima, estados onde o quadro está indefinido.
No Republicanos, Hamilton Mourão é quem tem mais chances. Damares Alves pode crescer no Distrito Federal. No Espírito Santo o candidato é competitivo e em Rondônia está no bolo. Ainda no Centrão, o PTB deve perder sua bancada e o PSC tem chance em Minas.
Na direita não necessariamente vinculada ao bolsonarismo, o PSD pode manter os três estados em que seus mandatos estão em disputa, com destaque para Otto Alencar na Bahia. No Amazonas e em Minas Gerais seus candidatos dividem o primeiro lugar com nomes do PSDB e PSC. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina o partido está na frente, isolado ou em empate técnico.
O União Brasil perderá a cadeira no DF, mas deverá manter no Amapá. Disputa o primeiro lugar no Tocantins e no Paraná. Tem nomes competitivos na Paraíba e no Acre. O Podemos perderá a vaga no Rio Grande do Sul e no Paraná Álvaro Dias enfrenta Sergio Moro. O PRTB só tem chance em São Paulo.
Feito esse balanço, cabe destacar que o crescimento da direita deverá fazer com que, pela primeira vez desde 1986, um partido situado nesse lado do espectro ideológico conquiste a maior bancada no Senado, desbancando o MDB. PL e PSD são os candidatos ao posto. Por fim, é pouco provável que o Centrão cresça muito além do que já tem devido às mudanças de partido ocorridas ao longo da legislatura. E isso porque os partidos do bloco não conseguiram coordenar suas estratégias eleitorais. Desse modo, em pelo menos seis estados – DF, SP, ES, PA, RO e MT – seus candidatos estão em disputa direta pela vaga, o que, é evidente, abre espaço para outros partidos.
*Carlos Ranulfo Melo é doutor em Ciência Política, professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos. Autor de Retirando as Cadeiras do Lugar: Migração Partidária na Câmara dos Deputados, coautor de Governabilidade e Representação Política na América do Sul e coeditor de La Democracia Brasileña: Balance y Perspectivas para el Siglo XXI. Tem artigos publicados sobre partidos, estudos legislativos e instituições comparadas com foco no Brasil e nos países da América do Sul.
por Carlos Ranulfo
O peso que os partidos MDB, PSDB, PSD e União Brasil terão no jogo político a partir de 2023 ainda é uma incógnita
Carlos Ranulfo Melo*
Vamos aos fatos: uma eventual coligação PSDB (em federação com o Cidadania), MDB, PSD e União, dotada de ramificação em todo o território nacional, contando com vultosos recursos do Fundo Eleitoral e um enorme tempo para a propaganda gratuita, poderia ter impacto eleitoral. Partindo desse pressuposto, a questão é saber por que a centro-direita brasileira não conseguiu se articular e apresentar uma candidatura competitiva para as eleições.
A resposta passa, em boa parte, pela situação do sistema partidário brasileiro, que se encontra em estado de fluxo – não é mais o que era até 2014 e não se pode afirmar com certeza como será. A crise emitiu seus primeiros sinais nas manifestações de 2013, quando o veto à participação dos partidos nos protestos sinalizou para uma demanda não satisfeita pela representação política vigente.
A isso seguiram-se a recessão do biênio 2015/2016, a Operação Lava Jato e as manifestações contra o governo eleito em 2014 que, somadas à ação estratégica de lideranças do Congresso, de setores do Judiciário e da sociedade civil, “autorizaram” a transformação das chamadas pedaladas fiscais em crime de responsabilidade e forneceram a cobertura legal ao impeachment de Dilma Rousseff.
O resultado eleitoral de 2018 agravou a crise. Tucanos e emedebistas, atingidos por desdobramentos da Lava Jato, foram engolidos pela maré antipolítica. Carente de base social, o PSDB perdeu seu mais valioso ativo nos últimos anos, o antipetismo, e ficou sem ter onde se apoiar. A “fórmula mágica” do MDB, sucesso nas disputas para os governos estaduais como caminho para alcançar bancadas fortes em Brasília, deixou de funcionar. A legenda perdeu o lugar de ator pivotal no Congresso, que passou a ser ocupado pelo bloco impropriamente chamado de Centrão que, por sua vez, foi “alugado” por Bolsonaro. Tentando manter-se à tona, lideranças do DEM encaminharam uma fusão com o PSL. O ajuntamento pragmático daí criado, o União Brasil, foi parcialmente desidratado pelo bolsonarismo.
Um sistema partidário se define pela interação entre seus principais membros, em especial, no que se refere à disputa do governo central. A chegada de Bolsonaro à Presidência da República interrompeu o padrão de alternância existente até então – entre coalizões de centro-esquerda e centro-direita – e teve profunda repercussão sobre os partidos e suas interações.
Como resultado, o sistema partidário que orbitava em torno de PT, PSDB, MDB e, em menor grau, do DEM, deixou de existir. Somente o PT resistiu ao “tsunami” graças a seu enraizamento em parcela do eleitorado e, especialmente, ao prestígio de Lula. A centro-direita, por sua vez, foi fortemente atingida e se desorganizou por completo. Essa foi a principal consequência da crise.
Na ausência de um partido capaz de assumir protagonismo a partir do centro, a eleição de 2022, como seria de se esperar, mantém o padrão de 2018. O país já havia experimentado, em 1989, uma eleição em que o centro político – à época representado pelo PMDB – não se revelara minimamente competitivo. A diferença é que em 2022, ao contrário do que ocorreu em 1994, o centro não teve forças para se reapresentar e atrair parte da direita.
Esta é a razão pela qual a chamada terceira via nunca passou de uma ilusão. Os partidos que poderiam lhe conferir musculatura – MDB, PSDB, União Brasil e PSD, simplesmente não tinham capacidade e unidade para tanto. O atual quadro torna isso claro.
O PSDB sequer conseguiu manter sua candidatura. Seu apoio à candidata do MDB não revela qualquer entusiasmo e o mais provável é que seus candidatos nas distintas seções estaduais tratem de cuidar de sua sobrevivência, em muitos casos sem se preocupar em demarcar com o bolsonarismo, como é o caso da disputa pelo governo de São Paulo. O MDB, por sua vez, está notoriamente polarizado pela candidatura do Lula. O PSD, definido desde o berço como uma legenda que não é “de direita, de esquerda, nem de centro”, confirmou que não é mesmo nada além de um aglomerado de forças regionais de olho em algum espaço na esfera federal. Incapaz de se definir, divide-se entre Lula e Bolsonaro, a depender das circunstâncias. O mesmo vale para o União Brasil: em Goiás e no Mato Grosso seus candidatos a governador apoiam Bolsonaro; no Piauí e na Bahia não querem o atual presidente no palanque e no Ceará o capitão Wagner não diz nem sim nem não. Sacramentando a “união”, Bivar, o presidente do partido decidiu apoiar Lula e ainda especulou com a possibilidade, de resto inexistente, de levar a sigla para o mesmo caminho.
O que acontecerá com o sistema partidário a partir do ano que vem depende de vários fatores, entre os quais o desfecho da disputa pela Presidência da República. O que parece certo é que PP, PL e Republicanos irão crescer; afinal contam com vultosos recursos governamentais, verba das emendas de relator e uma candidatura competitiva à Presidência. O mesmo deve ocorrer, ainda que em menor proporção, com a esquerda, pela força das federações e devido ao “efeito arraste” de Lula. O peso de MDB, PSDB, PSD e União Brasil no jogo político a partir de 2023, no entanto, é uma incógnita; depende da sorte de seus candidatos a governador – mas isso é outra história.
*Carlos Ranulfo Melo é doutor em ciência política, professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos. Autor de “Retirando as Cadeiras do Lugar: Migração Partidária na Câmara dos Deputados”, coautor de “Governabilidade e Representação Política na América do Sul” e coeditor de “La Democracia Brasileña: Balance y Perspectivas para el Siglo XXI”. Tem artigos publicados sobre partidos, estudos legislativos e instituições comparadas com foco no Brasil e nos países da América do Sul.Carlos Ranulfo Melo
por Carlos Ranulfo
A batalha pelo Legislativo
Por Carlos Ranulfo Melo*
Publicado no jota.info
A conquista de bancadas expressivas no Congresso, e em especial na Câmara dos Deputados, sempre foi fundamental no Brasil. As razões para tanto são claras. De um lado, o acesso a recursos vitais para os partidos depende do tamanho das bancadas eleitas para a Câmara dos Deputados. De outro, nosso presidencialismo é, sempre foi e continuará sendo, um regime que demanda a montagem de coalizões para funcionar a contento.
A novidade dos últimos anos, e de 2022 em particular, é que a importância da batalha pelo Legislativo Federal aumentou e muito. E isso vale para os dois aspectos acima ressaltados.
Do ponto de vista dos recursos, além do fundo partidário e do horário de propaganda gratuita – repartidos de forma proporcional ao tamanho das bancadas eleitas para a Câmara – a força dos partidos no Congresso passou a definir, desde 2017, a divisão do fundo eleitoral, cujo montante disponibilizado saltou de R$ 1,7 para R$ 4,9 bilhões de 2018 a 2022. A distribuição dos recursos inovou ao considerar o Senado: 15% do total é distribuído proporcionalmente às bancadas eleitas em 2018, agregados aos senadores em cumprimento do segundo quadriênio. Mas o papel da Câmara continuou decisivo: 35% dos recursos são distribuídos proporcionalmente aos votos obtidos na eleição de 2018 entre partidos que tenham conquistado pelo menos uma cadeira; outros 48% dependem do tamanho das bancadas eleitas. 2% são distribuídos igualmente entre todas as legendas registradas no TSE.
A segunda razão pela qual a batalha pelo Legislativo assume hoje maior relevância do que antes está em mudanças nos dois pilares que contribuíram para o funcionamento do presidencialismo de coalizão no país desde a redemocratização: o controle da agenda decisória pelo poder Executivo e da dinâmica legislativa pelos líderes partidários.
A dinâmica legislativa foi fortemente afetada pelo aumento na fragmentação partidária. Tal processo exigiu coalizões de governo mais amplas. Especialmente na Câmara, as grandes bancadas gradativamente perderam peso e a cena legislativa passou a depender das pequenas e médias. A dispersão do poder “inchou” o Colégio de Líderes, diminuindo sua capacidade de coordenação e negociação. Os líderes, com menos poder e menor capacidade de atender as demandas, perderam força relativamente aos membros de suas bancadas. O grau de disciplina nas votações diminuiu. Nas coalizões de governo aumentou o “poder de chantagem” de cada membro. Cresceu o peso dos blocos partidários, em detrimento dos partidos, elevando o grau de incerteza na definição da Mesa Diretora, como evidencia a ascensão de Eduardo Cunha e Artur Lira. Em ambos os casos, a conquista da Presidência da Câmara baseou-se em acordos feitos “cabeça a cabeça”, à revelia dos líderes. E a posterior condução dos trabalhos revelou uma centralização e um protagonismo inéditos na condução da agenda legislativa.
Paralelamente ao aumento da fragmentação partidária, o Congresso foi assumindo maior protagonismo na produção legislativa. Desde 2007 a maior parte da legislação aprovada no Congresso passou a ter origem na iniciativa dos parlamentares, e não do Executivo, invertendo o quadro prevalecente desde a promulgação da Constituição.
Trata-se de um processo de mudança institucional incremental, calcado em pequenas modificações nas regras e/ou mudanças na interpretação das regras existentes. As duas modificações mais expressivas se deram na tramitação das Medidas Provisórias (MPs) e no processo orçamentário. No primeiro caso, Michel Temer, quando presidente da Câmara em 2009, passou a considerar que o trancamento da pauta, medida que facilitava o controle da agenda pelo Executivo, deveria valer apenas para matérias relacionadas à temática da MP. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que as Medidas Provisórias (MP) deveriam obrigatoriamente passar por uma Comissão Mista – algo previsto, mas nunca efetivado no Congresso. Finalmente, em 2015, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade permitiu ao Presidente da Câmara decidir, de ofício, o que é ou não matéria estranha à MP. A sequência de modificações aumentou o poder de barganha do legislativo vis a vis o Executivo.
As modificações no Orçamento viriam a ter impacto ainda maior. Desde 2015, a execução das emendas individuais dos congressistas deixou de depender do arbítrio do Executivo para tornar-se obrigatória. O mesmo aconteceu com as emendas de bancada. Em 2019, o Congresso transformou as “emendas do relator”, que até então se destinavam a corrigir erros ou omissões de ordem técnica ou legal, em um mecanismo que confere ao relator da Lei Orçamentária o direito de encaminhar emendas que precisam ser priorizadas pelo Executivo. Tal inovação, ao invés de referir-se às emendas já aprovadas, abriu espaço para que o Congresso abocanhasse uma maior fatia do orçamento; uma fatia cujo valor total a ser empenhado equivale à soma das emendas individuais e de bancadas.
De um ponto de vista mais substantivo, a sequência de mudanças no processo orçamentário turbinou o particularismo na distribuição dos recursos da União – ao invés de uma distribuição feita com base em critérios nacionalmente definidos, prevalece uma lógica onde cada congressista destina recursos para sua base eleitoral prioritária. Do ponto de vista da relação entre os poderes, as mudanças no orçamento, assim como no caso das MPs, tornaram menos potente a “a caixa de ferramentas” do Executivo para lidar com o Legislativo.
Levando em conta todas as mudanças, o que se tem hoje é um Legislativo dotado de maior protagonismo, capaz de formular e implementar sua própria agenda e menos dependente do Executivo. O quadro desenha-se com mais nitidez na Câmara com a formação de uma coalizão legislativa majoritária de centro-direita. Por ocasião do segundo mandato de Dilma tal coalizão operou contra o governo. Sob Bolsonaro, garante a sua sobrevivência, mas opera sob prioridades internamente definidas e é capaz de impor limites ao Executivo – não é à toa que o atual presidente é o recordista em vetos derrubados na Nova República. Nos dois momentos, a coordenação de tal coalizão coube a um presidente da Câmara regimentalmente cada vez mais poderoso. Ao direito de iniciar os processos de impeachment, a gestão de Artur Lira acrescentou à “caixa de ferramentas” da Presidência um controle ainda maior sobre a agenda – consubstanciado na redução da capacidade de obstrução da minoria, e na expansão das iniciativas votadas em urgência e das votações remotas – e a prerrogativa de indicar o relator da Comissão Mista do Orçamento, nos anos em que tal decisão cabe à Câmara.
A governança tornou-se mais complexa. As mudanças na relação entre Executivo e Legislativo são de difícil reversão. Poder não se devolve facilmente. Em tese, um Legislativo dotado de maior protagonismo e autonomia é bom para a democracia. Mas combinado com uma hiper centralização nas presidências das casas e com a exacerbação de uma dinâmica particularista pode tornar-se um elemento de instabilidade. Supondo, como indicam as pesquisas, que Bolsonaro seja derrotado, a batalha pelo Legislativo torna-se crucial, começando pelas eleições de outubro próximo e continuando na definição das presidências de Câmara e do Senado.
*Doutor em Ciência Política e professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG.