Entre Moinhos e Propostas: o realinhamento do campo lulista e bolsonarista no segundo turno

Entre Moinhos e Propostas: o realinhamento do campo lulista e bolsonarista no segundo turno

Ao focar no “golpe”, Bolsonaro deixa Lula dominar quase todos os temas nas plataformas

Publicado no Viomundo

 

As eleições de 2022 têm se caracterizado pela velocidade vertiginosa de mudança nos temas dos debates. Graças às plataformas de mídia digital, quem não está grudado nas telas corre o risco de ficar rapidamente desatualizado com relação ao que está pegando fogo no momento. O monitoramento de mídias sociais feito pela equipe de Redes e Desinformação Observatório das Eleições mostra, no entanto, que há alguns padrões e tendências quando observados mais à distância. 

O Observatório monitora os principais apoiadores de Bolsonaro e Lula no Twitter e Youtube desde o início do processo eleitoral. No caso do Twitter, é possível ver uma maior capacidade de engajamento do campo lulista entre o primeiro e o segundo turno, em comparação com o campo bolsonarista, em quase todos os temas (gráfico 01). Esse dado confirma o que o monitoramento do Observatório das Eleições está detectando desde o início das eleições: o fortalecimento do campo de apoio a Lula nessa plataforma e sua capacidade de disputar as narrativas.  As publicações sobre os temas aborto, drogas e ideologia de gênero foram as únicas que superaram o engajamento lulista durante o segundo turno. Como podemos ver, o campo lulista “virou” nos temas de economia, religião e mesmo sobre o poder judiciário, demonstrando uma melhor coordenação de conteúdo neste segundo turno. 

No YouTube, a mudança também ocorreu. O  campo lulista, que antes conseguia menos engajamento em todos os temas exceto economia, passa a ser majoritário em tópicos como gênero, armamento, drogas, pandemia e mesmo religião (gráfico 02). A melhor performance de Lula não é por acaso. Explica-se pela estratégia de ampliação da audiência do candidato, mas também pelo foco cada vez mais restrito do campo bolsonarista no processo eleitoral.

O grupo lulista aproveitou o segundo turno para alterar o público-alvo de seu discurso. Enquanto o primeiro turno teve foco significativo em mulheres e no voto em Lula pela defesa da democracia, o segundo turno foi para uma direção bastante distinta. Em primeiro lugar, o campo tentou atingir grupos que são normalmente refratários à imagem do presidente. Por exemplo, o tema de religião, que antes ocupava um espaço pequeno, apenas com 9.7% das postagens, quase duplica, chegando a 16.9% das publicações no Twitter (gráfico 03). No YouTube não é diferente. Nesta plataforma, a porcentagem de publicações do campo lulista com essa temática saltou de 6% para 13.5% (gráfico 04). O tema foi centralizado com o objetivo de tentar atingir o público de maior apoio de seu oponente: cristãos, em especial evangélicos que em sua maioria são apoiadores do atual presidente. A mesma lógica foi feita com a temática da corrupção: no campo lulista passa de 4.7% das postagens para 8.5% no Twitter e de 1 para 4% no YouTube. 

Mesmo com essa mudança de estratégia do primeiro para o segundo turno, Lula também foca nas bases que lhe dão apoio, ampliando a presença em temas sobre economia, mudança que, novamente, ocorre em ambas as plataformas. Postagens de Lula, André Janones e Guilherme Boulos foram centrais para trazer o tópico à tona, em especial relacionado com a proposta de Paulo Guedes de associar o salário mínimo à inflação esperada e focando mais na apresentação de propostas como Bolsa Família expandido e combate na remodelação de impostos. 

Por outro lado, o campo bolsonarista apostou, no segundo turno, na  centralização do seu discurso em grande medida na crítica ao sistema eleitoral. A temática, que já era explorada desde o início da campanha, ganha um destaque ainda maior . No primeiro turno as principais bandeiras temáticas  eram o  processo democrático, a religião e a economia. Já no segundo, o campo passa a ter como principal tópico o sistema eleitoral, compondo 23.4% das postagens (antes representava 7.6%). As postagens crescem radicalmente desde a penúltima semana antes do segundo turno, chamando de “censura” a ação do TSE de retirar conteúdos mentirosos das redes sociais, como da suposta eliminação de minutos de rádio da propaganda eleitoral em cidades do interior. No YouTube, algo muito similar ocorre, com um gigante aumento de menções ao sistema eleitoral, porém, acompanhado de um crescimento nas pautas de “costume” como aborto e gênero.

Há, portanto, uma grande diferença entre as campanhas sobre como abordar os temas no segundo turno. Enquanto o campo lulista foca em acenar para determinados grupos de apoio que já encontram maior ou menor proximidade com o ex-presidente, Bolsonaro redobra seu foco nas críticas que faz ao processo eleitoral. Ou seja, o debate eleitoral se torna menos equilibrado, os campos políticos não discutem mais as mesmas temáticas, mas Lula passa a ser responsável por gerar mais conteúdo sobre praticamente todos os temas. Essa escolha também se deu pela redução significativa do discurso sobre um “valor democrático” no voto ao presidente, se ausentando das disputas onde Bolsonaro deposita sua energia.

 

Os dados do Observatório mostram que os campos políticos em disputa utilizaram temas distintos para mobilizar suas bases durante a campanha. Enquanto no segundo turno o campo lulista  se concentrou em temas como religião, economia e corrupção, em busca de ampliar sua base de eleitores, o campo bolsonarista concentrou-se ainda mais no questionamento da integridade do processo eleitoral. Essa tendência fez com que o campo de Jair Bolsonaro focasse menos na construção de uma base de apoio mais sólida para desvalidar o resultado eleitoral. Isso permitiu que Lula fosse responsável pela maior parte dos debates tanto no Twitter que já era uma base com uma tendência maior à vitória do ex-presidente, como no YouTube, onde o campo bolsonarista costumava dominar radicalmente.

Em outras palavras, a escolha de Bolsonaro de focar-se nas críticas ao sistema eleitoral fez com que Lula ganhasse um grande espaço para emplacar sua narrativa sobre todos os outros temas, como também, apresentou um bolsonarismo mais alinhado com uma base já conquistada que tentando ampliar seu eleitorado como um todo. A disputa política nas redes se tornaram uma “não-disputa”. Enquanto que a campanha de Lula continua apostando nas discussões sobre temas relevantes para o eleitorado, a campanha de Bolsonaro vê o próprio processo eleitoral como seu principal adversário.

 

Maria Alice S. Ferreira é pesquisadora do INCT IDDC. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Francisco W. Kerche é mestrando em sociologia na UFRJ e consultor em análise de dados no Greenpeace Brasil.

Durante o debate da Band, internautas buscam por pedofilia, corrupção e pandemia

Durante o debate da Band, internautas buscam por pedofilia, corrupção e pandemia

Alexandre Arns, Helena Martins e Maria Alice S. Ferreira

Publicado no GGN

 

A pandemia de coronavírus e a corrupção foram os principais temas que marcaram o primeiro debate do segundo turno entre os candidatos à Presidência da República no domingo, 16 de outubro. O debate foi promovido por um pool de veículos – Band, jornal Folha de S. Paulo, portal Uol e bateu recorde de audiência. Além dos dois temas que apareceram entre os candidatos e os internautas com mais força,  há destaque também para o assunto “pedofilia” e “pintou um clima”, a partir do vídeo de Jair Bolsonaro relatando, em entrevista, um episódio com meninas venezuelans. Sem contar também a avalanche de desinformação que circuou durante o debate, especialmente levada à cena pelo candidato  Jair Bolsonaro. Um resumo desse conjunto  foi apresentado por Jair Bolsonaro nos minutos (quase seis) que o atual presidente teve para falar, sozinho, no penúltimo bloco do debate. Naquele momento, Jair Bolsoanro desfilou o cabedal de fake news que já inunda as redes sociais, como fechamento de templos, proposição de banheiro unissex, menção a grupos criminosos e avaliações enviesadas sobre a política internacional latino-americana, sem que houvesse   a  possibilidade de checagem.

 

Na TV, a audiência da Band ultrapassou a da Record e chegou a se aproximar da audiência  da Globo, especialmente na segunda metade do debate.

Com muito engajamento nas redes, o debate na Band foi apontado como a live jornalística com mais visualizações no YouTube no Brasil, segundo anunciou a emissora. No Twitter, foram mais de 670 mil mensagens com a #DebatenaBand até 22h15.

 

Bolsonaristas demoram a se engajar nas redes

 

Pressionado por dias de críticas sobre possível caso de pedofolia de Bolsonaro, o campo bolsonarista demorou a começar a se engajar no debate. Durante o primeiro e o segundo blocos, em que Lula teve melhor participação, o campo dadireita tentou dar vazão às falas de Bolsonaro. Nikolas Ferreira, o deputado federal mais votado do país,  por  Minas Gerais, teve mais reações em um tweet em que critica o que seria o uso político das mortes da esposa de Lula e de sua sogra e também mobilizou suas redes ao comentar o sorriso de Lula. A a postagem com a fala de Jair Bolsonaro saudando, ironicamente, a jornalista Vera Magalhães, teve ampla repercussão Perto do fim do debate, refletindo a expectativa em torno do tempo livre para Bolsonaro falar, depois de Lula ter esgotado o seu tempo, críticas a falas com palavras equivocadas de Lula mobilizaram as redes, culminando com post tentando subir a hashtag #LulaVergonhaNacional.

 

No campo lulista, André Janones engajou os internautas  com informações de bastidores, especialmente com uma foto de Sérgio Moro e Jair Bolsonaro no estúdio, e fazendo alusões à estratégia do debate. O deputado também trouxe à tona a questão da pedofilia, comentando que Lula estava com um  broche que é símbolo de campanha contra a exploração sexual infantil. O post com maior adesão de Janones referia-se a Bolsonaro como miliciano.

 

“Covid” foi o  mais comentado do debate

 

Carla Zambelli,deputada federal reeleita e uma das principais apoiadoras de Jair Bolsonaro, utilizou a estratégia de contagiar seus seguidores com um certo clima de entusiasmo e otimismo durante o debate. A deputada publicou memes com o rosto de Lula, vídeos de luta e vídeos editados do próprio debate para passar a mensagem de que Bolsonaro havia se saído muito melhor do que  Lula. Além disso, a deputada também publicou um gráfico sobre o desmatamento (citado por Bolsonaro durante o debate) fazendo comparações. Esse dado, porém, foi contestado pelo Observatório do Clima.

 

Alexandre Frota, ex-aliado de Bolsonaro, também utilizou memes e vídeos com trechos do debate em seu feed. Frota, no entanto, publicou vários tuítes desmentindo informações ditas por Jair Bolsonaro durante o debate, como os dados sobre o desmatamento e a afirmação de que ele, Bolsonaro, não  seria o “pai” do orçamento secreto.

 

O Google Trends, na véspera do debate, apontava que as principais buscas relacionadas ao termo “Bolsonaro” nas últimas 24 horas eram “bolsonaro pintou um clima” e “bolsonaro pedófilo”, em razão da repercussão de um vídeo com sua  fala, em entrevista a um podcast, dizendo que “pintou um clima” entre ele e “umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos”. Com relação ao termo “Lula”, nas últimas 24 horas após o debate, as principais buscas relacionadas eram “mané garrincha” e “mané garrincha posse Lula”. A busca por esses  termos leva, como primeiro resultado, um tuíte de Roger Rocha, que criticava o fato de o Google apresentar, como programação de atividades no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, uma festa pela posse de Lula.

Com relação às buscas no YouTube, o Google Trends apresentou um padrão similar ao Google com relação ao termo “Bolsonaro”. No YouTube, as principais buscas relacionadas ao termo  “Bolsonaro” nas 24 horas anteriores ao debate eram “vídeo bolsonaro pintando um clima” e “bolsonaro falando que pintou um clima”. Em contrapartida, as buscas relacionadas a  “Lula” no YouTube eram “lula beija criança” e “lula pedófilo”.

Após o debate, nas 24 horas posteriores, as principais buscas relacionadas a “Bolsonaro” e “Lula” padronizaram, segundo o Google Trends. No Google, relacionadas a “Bolsonaro”, predominaram buscas por “desmatamento governo lula e bolsonaro”, “desmatamento jair bolsonaro”; relacionadas a “Lula” predominaram “desmatamento 2003 e 2006” e “desmatamento da amazônia governo lula”. No Youtube, as buscas eram sobre o próprio debate;  relacionadas a “Bolsonaro” foram “debate lula e bolsonaro na band ao vivo” e “debate lula e bolsonaro ao vivo”, e relacionadas a “Lula” foram “debate lula e bolsonaro 16/10” e “debate lula e bolsonaro na band ao vivo”.

 

Alexandre Arns é pesquisador colaborador do Instituto de Ciência Política da UnB, doutor e mestre em Ciência Política

 

Helena Martins é doutora em Comunicação pela UnB, professora da Universidade Federal do Ceará

 

Maria Alice S. Ferreira é pesquisadora do INCT IDDC. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.

As recentes viagens de Bolsonaro e os diferentes  recortes das  mídias sociais

As recentes viagens de Bolsonaro e os diferentes recortes das mídias sociais

Maria Alice S. Ferreira, Rachel Callai Bragatto, Eduardo Barbabela e Francisco Kerche

Publicado no GGN

 

Que as redes sociais não se comportam da mesma maneira não é algo novo. Enquanto o Twitter é terreno fértil para os debates políticos ou futebolísticos, o Instagram parece ancorar discussões comportamentais e de estilo de vida, ecoando celebridades dos mais diversos campos. No YouTube, a polarização ganha espaço faz tempo e o Facebook, entre o esvaziamento e a replicação de outras redes, parece ser o novo CEP digital: se não está lá, não existe – porém não aguarde grandes novidades ou exclusividades por ali.

Mas como os grandes debates nacionais transitam nessas diferentes redes sociais? Há diferença no engajamento, interações e visualizações? Ainda que não sejam possíveis grandes generalizações, foram essas perguntas que guiaram a exploração da repercussão das viagens do presidente Bolsonaro para acompanhar o enterro da rainha Elizabeth II, do Reino Unido, e a sua participação na ONU na semana passada, dois dos eventos que mais repercutiram na agenda política. 

Essa repercussão, porém, se deu de forma diferente em cada mídia social. O Observatório das Eleições monitorou em quatro redes sociais as principais menções relacionadas às viagens de Bolsonaro. Para isso, captou dados de todas as postagens e publicações no período de 17 a  20 de setembro que usavam os termos relacionados à  viagem, como: “bolsonaro rainha”, “bolsonaro viagem”, “bolsonaro ONU”.

No Facebook, os dados analisados mostram que as postagens sobre o tema com maiores interações foram de atores alinhados ao bolsonarismo e publicações do próprio presidente Jair Bolsonaro. 

As interações são métricas que consideram os números de reações, comentários e compartilhamentos para avaliar o sucesso ou não das publicações nas redes sociais. Já as visualizações medem quantas pessoas visualizaram o conteúdo em seu feed ou na página da publicação, mesmo que não tenham reagido a ele. 

Em relação às interações, destacam-se as páginas de Carla Zambelli, que aparece com três dentre as dez postagens com maior engajamento, gerando cerca de 180 mil interações, e de Eduardo Bolsonaro com duas postagens somando um engajamento de mais de 140 mil cliques. 

Apenas uma publicação crítica a Bolsonaro aparece entre as com maior interação. Trata-se de uma postagem do “Brasil de Fato” repercutindo uma projeção surgida em Nova Iorque criticando o atual presidente da República.

No que se refere às visualizações no Facebook, duas páginas do grupo UOL – UOL e UOL Notícias – se destacaram com mais de 700 mil visualizações cada no período analisado. Nas posições seguintes temos quatro páginas bolsonaristas: “Bolsonaro TV”, “Bolsonaro Presidente 2022”, “Folha Política” e “Notícias do Brasil”, todas com mais de 520 mil visualizações (gráfico 1). Na sétima posição, temos a página da BBC Brasil, sucursal brasileira da empresa britânica, que acompanhou todos os movimentos do cortejo fúnebre de Elizabeth II. Em seguida, temos mais três páginas alinhadas com o Bolsonarismo: “Apoiadores do Dr. Serginho”, “Professor Paschoal” e a “Jovem Pan News”. 

Portanto, dentre as dez páginas do Facebook que tiveram maior número de visualizações, sete delas possuem publicações favoráveis a Bolsonaro, somando quase três milhões de visualizações, enquanto as demais páginas possuem quase 1,9 milhão de visualizações. Essas outras três páginas são de empresas de comunicação tradicionais, fornecendo informações de caráter jornalístico e, portanto, de natureza distinta das demais.

Nesse sentido, podemos perceber que o Bolsonarismo dominou a narrativa dentro do Facebook, superando inclusive conteúdo noticioso sobre a morte da rainha e a Assembleia da ONU.

Ao olharmos para a repercussão da viagem nas  páginas do Instagram, percebemos que a cobertura sobre a presença de Bolsonaro no enterro da Rainha e na Assembleia da ONU, pelo menos no top dez de interações, também ficou  desequilibrada, com quatro páginas com postagens pró-Bolsonaro ou alinhadas com o presidente (gráfico 2). Carla Zambelli destaca-se mais uma vez com duas postagens dentre as com maiores níveis de engajamento, gerando 600 mil interações. Porém, foi possível identificar uma grande repercussão de perfis noticiosos, como a Folha de São Paulo. Além disso,  aparecem outros canais, como a Mídia Ninja, identificada com o campo do lulismo.

Quando avaliamos as páginas com maior número de visualizações no Instagram, notamos um equilíbrio maior entre as páginas bolsonaristas e as contrárias ao presidente (gráfico 3). Entre as páginas com conteúdos favoráveis ao atual presidente da República temos um total de quatro: Portal R7, Jornal da Record, Eduardo Bolsonaro e Jovem Pan News. As quatro páginas juntas somam mais de 3,5 milhões de visualizações, quantidade superior à soma das seis páginas não bolsonaristas (3,3 milhões). Entretanto, podemos perceber que essa distância não é tão discrepante quanto era no Facebook, demonstrando que existe uma disputa pela narrativa no Instagram entre as principais páginas no topo.

As duas publicações das páginas da Record (Jornal da Record e Portal R7) são as que possuem o maior número de visualizações no período, mais de 1,46 milhões de visualizações. As duas veiculam o mesmo vídeo, uma reprodução da passagem de Bolsonaro pela Inglaterra e um grupo de apoiadores ovacionando o atual presidente. Apenas como comparação, a terceira posição é do jornal O Povo com mais de 500 mil visualizações com um vídeo sobre a publicação de Bolsonaro comparando a gasolina no Brasil e na Inglaterra.

O Twitter mostra um pouco mais de equilíbrio entre os campos bolsonarista e lulista, reforçando a ideia de que o campo lulista tem ganhado força nessa mídia social (gráfico 4). Os três tweets com maior número de interações sobre o tema durante o período analisado dizem respeito a críticas a Jair Bolsonaro durante a viagem. Ao mesmo tempo, quatros contas de apoiadores de Bolsonaro aparecem com maior número de interações: os candidatos Jouberth Souza e Nikolas Ferreira, o comentarista Rodrigo Constantino e o jornalista Kim D. Paim. Os perfis oficiais de Lula e Jair Bolsonaro aparecem também entre os com mais engajamento.

Já a análise feita no Youtube mostra que grande parte dos canais com maiores índices de interação estão ligados ao campo bolsonarista, como é o caso do  “Os Pingos nos Is”, por exemplo,  que aparece com três vídeos publicados entre os mais vistos, somando quase quatro milhões de interações. Isso reforça a ideia de que há o predomínio de canais bolsonaristas nesta plataforma. 

 

No entanto, chama atenção o grande número de interações no vídeo divulgado pelo  canal do Lula (gráfico 5). Trata-se do vídeo “Conheça Bolsonaro”, que foi transmitido na televisão durante o horário  eleitoral gratuito. Dessa forma, percebe-se que, apesar de ser um ambiente com grande atuação bolsonarista, o perfil do Lula parece ter conseguido, ao menos nesse caso, atrair um grande público e furar sua bolha. O fato do vídeo ter sido divulgado durante o horário eleitoral também pode ter ajudado a conseguir esse grande número de interações.

De forma geral,  podemos perceber que a passagem de Bolsonaro pela Inglaterra e também pela Assembleia da ONU teve repercussões distintas, variando a partir de cada plataforma. Foi possível perceber um domínio da narrativa bolsonarista no Facebook e, com um pouco menos de frente, no Instagram. Apesar da esquerda conseguir emplacar alguns perfis e postagens específicos no período analisado, a direita bolsonarista conseguiu manter a narrativa mais próxima a sua perspectiva nas duas redes. 

Por outro lado, a disputa entre os campos parece ter sido mais equilibrada no Twitter, com tweets mais críticos à viagem do presidente, alcançando um maior número de engajamento. Já  a análise Youtube mostra o predomínio de perfis bolsonaristas entre os vídeos mais publicados, porém as interações desses vídeos não conseguem alcançar o engajamento do vídeo “Conheça Bolsonaro” do canal do Lula.

A análise reforça, mais uma vez, que o uso das mídias sociais por atores políticos pode dar resultados distintos de acordo com cada plataforma. Se, durante muito tempo, a direita e o bolsonarismo dominaram o campo digital, os dados recentes mostram uma tendência de crescimento do campo lulista em alguns desses espaços, como é o caso do Twitter e, em certa medida, do Instagram. Dessa forma, ao olhar para ações políticas no campo digital, como é o caso da campanha eleitoral, é preciso estar atento às especificidades de cada plataforma, levando em conta suas affordances e potencialidades e como elas podem impactar seus usuários. Cada mídia social tem propósitos e formatos específicos, e consequentemente, perfis distintos de usuários.  As equipes que gerenciam essas campanhas parecem conhecer as plataformas e as utilizam de forma específica para seus objetivos.

 

Maria Alice S. Ferreira é doutora e mestra em Ciência Política pela UFMG. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT IDDC.

Rachel Callai Bragatto é jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR. Foi visiting researcher na University of California – Los Angeles. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC. Interessada em temas como democracia digital, participação política e cibercultura. 

 

Eduardo Barbabela é doutor e mestre em Ciência Política pelo IESP UERJ. Atualmente é pesquisador do Manchetômetro (LEMEP IESP-UERJ) e do INCT/IDDC. Realiza pesquisas nos campos de representação política, comunicação política, teoria democrática, liberdade de expressão e comportamento político.

Francisco Kerche é Analista de dados do Greenpeace – BR e mestrando no programa de pós-graduação em sociologia e antropologia. Com ênfase em sociologia digital, métodos digitais e ciências sociais computacionais.

 

Cada plataforma, um universo: a pluralidade de temas do bolsonarismo e do lulismo no Twitter e no YouTube

Cada plataforma, um universo: a pluralidade de temas do bolsonarismo e do lulismo no Twitter e no YouTube

Francisco W. Kerche*

Maria Alice S. Ferreira **

Pouco mais de 10 dias após o início da campanha eleitoral muitos temas já têm sido alvo de debates e discussões nas mídias sociais entre os  dois principais candidatos à presidência da República: Luis Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro. Um levantamento feito pelo Observatório das Eleições mostra que democracia, religião, pandemia e economia estão entre os principais temas abordados nas publicações de apoiadores de Lula e Bolsonaro durante a primeira semana de campanha eleitoral. A análise mostra também que existem diferenças nas temáticas mais abordadas tanto por cada grupo de apoiadores quanto pela plataforma analisada.

 

A partir de palavras-chave relacionadas a uma série de temas específicos, o monitoramento do Observatório vem categorizando, de forma automatizada, todas as  publicações do Twitter e Youtube dos principais apoiadores de ambas as chapas. Os dados analisados até agora apresentam duas principais diferenças: uma relacionada a quais foram os principais temas mobilizados pelos apoiadores dos candidatos, e a outra relacionada a como as temáticas do mesmo campo mudam de acordo com a plataforma analisada. 

 

No Twitter, por exemplo, os temas principais abordados pelo campo de apoio ao ex-presidente Lula são: democracia (36%), pandemia (11.4%) e religião (10.8%) (fig. 01) Democracia também aparece em primeiro lugar na lista de temas do campo bolsonarista (29.5%), mas em seguida vêm religião (19.7%) e economia (12%). Apesar do tema democracia se destacar fortemente em ambos campos, as narrativas são muito distintas. Entre os apoiadores de Lula estão muitas vezes relacionadas à importância da luta pela defesa da democracia e repúdio à ditadura militar. A “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!”, apresentada na Universidade de São Paulo no último dia 11, por exemplo, contou com grande presença de apoiadores do ex-presidente Lula. Inversamente, o campo de apoiadores de Bolsonaro apresenta sua própria narrativa sobre o processo democrático, afirmando que defendem sim o resultado das eleições, “desde que auditável e transparente”.

A pandemia destaca-se como um tema também bastante explorado nas narrativas entre os apoiadores de Lula, denunciando a desastrosa gestão de Bolsonaro no combate ao coronavírus. O grupo também apresenta as declarações do próprio presidente sobre os milhares de mortos pela doença e o descaso para compra de vacinas que geraram indignação para um público que não apoia o candidato. 

Por sua vez, a relevância do tema da religião para ambos os grupos é consonante com as recentes empreitadas dos dois candidatos, que buscam seu apoio entre grupos religiosos. Enquanto Bolsonaro tem significativa vantagem entre os evangélicos, Lula tem um bom apoio entre os católicos. Porém, atingindo um ou outro grupo, lulistas e bolsonaristas mobilizam essas narrativas para tentar ampliar seu escopo de atuação e acenar para essas bases.

No YouTube, o cenário muda. Aqui, as principais diferenças se dão principalmente no campo bolsonarista, que passa a discutir muito mais os temas referentes ao sistema eleitoral (22.5%) e ao poder judiciário (17.5%). Percebe-se que grande parte do conteúdo publicado pelos apoiadores de Bolsonaro está relacionado à segurança das urnas e à lisura do processo eleitoral. Ao mesmo tempo, é possível identificar nessa plataforma diversos conteúdos que têm como alvo os ministros do STF.  A Democracia (17.6%) ainda se mantém como tema bastante discutido, e é também  possível notar um aumento em temas relacionados à educação (10.9%) e ao 07 de Setembro (6.5%), já que os apoiadores de Bolsonaro estão se organizando para manifestações nesta data. 

No campo lulista no Youtube, os principais temas estão relacionados a democracia (36%), economia (13.9%) e sistema eleitoral (8.7%)  As narrativas do campo lulista sobre economia se concentram, muitas vezes, na indignação sobre o alto custo de vida dos brasileiros, em especial os aumentos nos preços de combustíveis e alimentação. O sistema eleitoral brasileiro também entra como uma temática importante no que diz respeito às urnas e defesa das eleições. Muito desse debate se contrapõe às narrativas bolsonaristas sobre a segurança das urnas eletrônicas e mesmo as declarações que o próprio presidente Jair Bolsonaro  já deu questionando a lisura do processo eleitoral.  O conteúdo sobre pandemia (5.8%) aparece menos no Youtube do que no Twitter. 

Esse levantamento mostra que a agenda das campanhas varia de forma importante de acordo com a plataforma. Isso pode ser explicado pelas diferenças da audiência de cada uma delas e também do tipo de comunicação e especificidades (affordances) que cada plataforma permite. Enquanto o Twitter atinge um grupo de usuários mais amplo e por isso segue muitas das pautas de campanha dos candidatos, o YouTube atinge usuários que podem ser já um público cativo de determinado youtuber. Nesse sentido, as diferenças podem ser vistas como tópicos mais orientados para um público mais amplo naquela e outros mais orientado para seus eleitores nesta.

 

 O Observatório das Eleições monitora atualmente 207 contas no twitter em apoio ao Lula e 42 canais no YouTube. Já no campo bolsonarista, são 50 contas no Twitter e 113 canais no YouTube.  A diferença de tamanho das duas amostras reflete a composição de atores de ambos os campos. Para montar esse grupo de atores relevantes para cada campo político, os pesquisadores do Observatório mapearam as conexões entre atores-chave das duas campanhas. No caso do YouTube, a maior presença de canais de apoio ao atual presidente eram evidentes, porém, no Twitter, Lula tinha um apoio mais vocalizado. 

 

Curiosamente, mesmo com essa diferença os valores de engajamento se assemelham em ambas as redes sociais (fig 02). Mesmo com um quarto dos apoiadores no Twitter, o grupo Bolsonarista já somou 12,2M de interações no twitter, contra 17,5M no grupo lulista. Ao observarmos o engajamento em torno a cada tema, o grupo supera o lulismo nos temas de Religião (518k de interações), Pandemia (221k), Economia (252k), Poder Judiciário (174k) e sobre o 7 de Setembro (29k). Já no YouTube, Lula supera Bolsonaro apenas quando os temas são Pandemia (313k curtidas), economia (337k) e democracia (998k). 

Engajamento por grupo

A disputa dos candidatos à presidência ainda está em seus primeiros dias e já passou por diversos temas. O observatório acompanha diariamente as publicações em ambas as plataformas dos apoiadores dos candidatos à presidência. Esse monitoramento é importante porque permite visualizar como esses campos políticos têm discutido e mobilizado temas que são de grande interesse para a vida pública, ainda que com diferentes enfoques. Além disso, o monitoramento contínuo irá permitir observar como a base dos diferentes candidatos vão se mobilizar e apoiar uma ou outra pauta durante o tempo.

 

Francisco W. Kerche é mestrando em sociologia na UFRJ e consultor em análise de dados no Greenpeace Brasil.

 

Maria Alice S. Ferreira é pesquisadora do INCT IDDC. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.